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Full text of "A India portugueza; breve descripção das possessões portuguezas na Asia, dividida em dois volumes. Publicada por ordem do Ministerio da Marinha"

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^. 


íf^ 


A  índia 


PORTUGUEZA 


Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa 


A  índia 

PORTUGUEZA 


BREVE  DESCRIPCÁO 

DAS 

POSSESSÕES  PORTUGUEZAS  NA  ÁSIA 

DIVIDIDA  EM  DOIS  VOLUMES 
Illustrados  com  382  gravuras  e  7  mappas 

POR 

A.  LOPES  MENDES 

Agrónomo,  sócio  da  sociedade  de  geographia  de  Lisboa 

da  real  sociedade  Asiática  (secção  de  Bombay),  da  sociedade  geographica  Argentina 

da  real  associação  central  de  agricultura  portuguesa 

e  antigo  deputado  da  nação  pelo  circulo  de  Mapuçá,  Damão  e  Diu,  etc. 

PUBLICADA   POR    ORDEM    DO   MINISTÉRIO   DA  MARINHA 


Volume  I 


LISBOA— Imprensa  Nacional  — 1886 


1>S 

V,  I 


índice  das  gravuras 


^s  gravuras  indicadas  com  (*)  são  tiradas  de  photographias 
todas  as  mais  segundo  desenhos  do  natural  feitos  pelo  auctor  do  livro 


Conselheiro  Mendes  Leal  (#) 

Conselheiro  José  Vicente  Barbosa  du  Bocage  (*) viii 

Conselheiro  António  Augusto  de  Aguiar  (*)....'. ,^ 

Luciano  Cordeiro  (*j 

Silva  Mattos  (*) 

Cidade  de  Lisboa 

OPP-   íl  2 

Cabo  do  Espichel 

Gibraltar 

4 

Gruta  de  S.  Miguel  em  Gibraltar 5 

Barra  de  Goa ,,^„   „       ,- 

opp.  a       t) 

Ilha  de  Gallita '  ^  g 

Ilha  de  Pantellaria 

Pharol  do  Gozzo 

Pharol  de  Aguada V.V.V.V.V.'.'opp'.  a      lo 

Shepheard's  hotel ^ ., 

Montanhas  da  Arábia ,  í 

Estreito  de  Bab-el-Mai 
Bahia  oriental  de  Aden. 


Estreito  de  Bab-el-Mandeb ,  -^ 


i() 

Hollow  road  (Aden) ,  _ 

Rio  Mandovy  entre  a  fortaleza  dos  Reis  Magos  e  a  de  Gaspar 

^^^s-; .' opp.  a  .8 

Bandorá  — Residência  do  vice-consul  portuguez  em  Bombay oo 

0^^°^ó : "opp^  ^^ 

%^"^o opp_  ^  22 

Conde  de  Torres  Novas '  _  04 

Rio  de  Chaporá .,3 

^d^^o opp".  a  26 

Rio  Baga 28 

Rio  Zuary  em  Tonca 2<) 


VI  índice  das  gravuras 

Pag. 

Festividade  do  Ganes  no  Mandovy opp.  a  3o 

Patamarim 32 

Tonas  de  Salcete 33 

Ribandar opp.  a  34 

Mendiga 36 

Convento  de  Chimbel opp.  a  36 

Mendiga 37 

Hospital  da  Misericórdia opp.  a  3S 

Brahmane  gentia 40 

Fabrica  da  pólvora  (Goa) opp.  a  40 

Ourives  gentio 41 

Seminário  do  Chorão opp.  a  42 

Pancatty  ou  banquete 44 

Botiqueiro  gentio 45 

Mulher  gugyr 45 

Forte  de  Santo  Estevão  na  ilha  de  Jua opp.  a  46 

Mulher  de  lençol 48 

Cidade  de  Velha  Goa opp.  a  48 

Carpinteiro 49 

Arco  dos  vice-reis opp.  a  5o 

Mainata  ou  lavadeira  gentia 52 

Ruinas  do  pórtico  do  palácio  da  Fortaleza opp.  a  52 

Criado,  de  servir 53 

Ruinas  da  Misericórdia opp.  a  54 

Fonte  Fénix 56 

Ganes 5j 

Convento  de  S.  Francisco opp.  a  58 

Machila 60 

Traje  de  noivado 61 

Sé  de  Goa opp.  a  62 

D.  Vasco  da  Gama 64 

Vendedeira  de  missanga 65 

Garupeiro  vendendo  missanga 65 

Collegio  de  S.  Boaventura opp.  a  66 

Conselheiro  Thomaz  Ribeiro  (*) 68 

Conselheiro  J.  H.  da  Cunha  Rivara  (*) 69 

Ruinas  do  collegio  do  Populo opp.  o  70 

Convento  de  S.  João  de  Deus opp.  a  72 

Convento  das  Monicas opp.  a  74 

Tumulo  de  Francisco  de  Albuquerque 76 

Igreja  do  Bom  Jesus opp.  a  76 

Tumulo  df  I).  Diogo  de  Noronha 77 


índice  das  gravuras  VII 

Pag. 

Interior  do  templo  do  Bom  Jesus opp.  a  78 

Tumulo  de  Fernão  de  Albuquerque 80 

Altar  de  S.  Francisco  Xavier opp.  a  Xo 

Igreja  de  Santa  Maria  Magdalena Si 

Tumulo  de  S.  Francisco  Xavier opp.  a  82 

Capella  de  Santa  Catharina * 84 

D.  João  Chrysostomo  de  Amorim  Pessoa  (#) 85 

S.  Francisco  Xavier  no  estado  em  que  se  achou  aos  12  de  outubro 

de  1 859 opp.  a  8(3 

Priorado  do  Rosário 88 

S.  Francisco  Xavier  doutrinando  os  povos  da  índia opp.  a  88 

Igreja  de  Santo  António 8() 

S.  Francisco  Xavier  baptisando opp.  a  ()0 

Forca  do  preto  Tipeti 92 

S.  Francisco  Xavier  perseguido  pelos  jávaros  da  ilha  de  Moro  opp.  a  92 

S.  Francisco  Xavier  moribundo  na  praia  de  Senchoão opp.  a  <)4 

Cidade  de  Pangim opp.  a  96 

Cozinheiro 97 

Palácio  do  governo  em  Pangim opp.  a  98 

Aífonso  de  Albuquerque > loi 

Alfandega  de  Nova  Goa opp.  a  102 

Palácio  da  municipalidade  de  Nova  Goa opp.  a  104 

Quartel  da  guarda  municipal io5 

Monumento  de  AfFonso  de  Albuquerque  e  Quartel  de  Artilhe- 

ria opp.  a  106 

Quartel  dos  contingentes opp.  a  108 

Fonte  da  Vacca 1 09 

Hospital  militar  de  Nova  Goa opp.  a  i  io 

Vendedeira  de  hortaliça i :  -i 

Vendedeira  de  ólas  tecidas 1 1 3 

Cathecumenos opp.  a  1 14 

Bailadeiras opp.  a  1  iG 

Nangôro  ou  arado '  •  7 

Igreja  matriz  de  Pangim opp.  a  118 

Botto  ou  sacerdote  hindu 120 

Casa  de  D.  António  de  Carcomo  Lobo opp.  a  122 

Vaizá  ou  curandeiro •  •  •  1 24 

Gopalla  ou  guardador  de  gado i-^ 

Escola  hindu • opp.  a  126 

Gentia  amamentando  o  filho 12° 

Prossad opp.  a  i3o 

Visconde  de  Riba  Tâmega  (#) •  -  < •  •'■' 


VIII  índice  das  gravuras 

Pag. 

Garupeiro opp.  a  1 34 

Palácio  do  conde  de  Nova  Goa opp.  a  i36 

Vista  panorâmica  da  Velha  cidade  de  Goa opp.  a  i38 

Piladeira  de  Curca 141 

Ruinas  da  Cruz  dos  Milagres opp.  a  142 

Convento  do  Pilar 145 

Palácio  e  convento  de  S.  Caetano opp.  a  14»') 

Filippe  Nery  Xavier  (*) i4() 

Porta  de  Nossa  Senhora  da  Serra opp.  a  1 5o 

Igreja  de  Mandur 1 53 

Ruinas  do  Carmo opp.  a  1 54 

Forte  de  Dongrim i5j 

Igreja  de  Santa  Luzia opp.  a  1 58 

Pelourinho  novo i  G  i 

Ruinas  do  palácio  de  Daugim opp.  a  16?. 

Ruinas  do  convento  de  S.  Domingos i65 

Capella  e  poço  de  S.  Francisco  Xavier opp.  a  166 

Ruinas  de  S.  Thomé 169 

Porta  de  S.  Braz opp.  a  1 70 

Ruinas  do  collegio  de  S.  Paulo 1 73 

Casa  da  administração  da  ilha  de  Combarjua opp.  a  174 

Castello  de  Benastary 1 77 

Pagodes  de  Marcella opp.  a  1 78 

Arsenal  de  Goa opp.  a  180 

Bombarda 181 

Palácio  do  Cabo opp.  a  182 

Convento  da  Madre  de  Deus 1 84 

Manga 1 85 

Praia  de  Carazalem opp.  a  186 

Battcar 188 

Zontró 189 

Forte  de  Gaspar  Dias opp.  a  190 

Ganicará 1  q3 

Forte  de  Bardez  ou  dos  Reis  Magos opp.  a  194 

Dantem  ou  moinho  de  descascar  arroz 197 

Praça  de  Aguada opp.  a  iq8 

Vendedeira  de  arroz 201 

Praça  de  Mormugao opp.  a  202 

Igreja  de  S.  Lourenço  de  Linhares 2o5 

Porta  do  cães  de  Mormugao opp.  a  206 

Hospital  da  misericórdia  de  Mormugao opp  a  208 

Quartel  do  destacamento  ein  Mormugao opp.  a  210 


índice  das  gravuras  ,x 


Porta  do  campo  de  Mormugão '''^'^' 

Quartel  de  Mapucá PP-  a   212 

Ponte  de  D.  Estephania . ....".'.'.....'...".'.'.' ^^^'  ''   '" "' 

Indígena  bardezana  (#) PP-  a    2i< 

Portaes  de  Britona "" ' 

Vendedeira  de  louça  de  Pilerne °^^'  ^   ~^t 

Cassabé  de  Pernem '""] 

Igreja  de  Nossa  Senhora  da  Penha  de  Franca '.'.'. °^^'  ^   ^f ' 

Fortaleza  de  Tiracol '  "'-* 

Cães  e  forte  de  Tivim V.V  .V.V.V.V. ■.■.".■.■.";.■;. °^^"  ""   f "" 

Tacarduma "^ 

Forte  de  Colual  ou  do  Meio.  . . . ". '.  . '. '. '. '. '. '. '. '. '.'.''.'.'.'. °''^'  '''   flt 

Praça  de  Alorna "  ^ 

A-     '    ,      ,  ,, ,     ,   ,    opp.  a   2.38 

Casa  do  dessay  d  Arabó 

Alfandega  de  Doddomaddoeo  ""^' 

p.  .,     .     ,,  ^  opp.  a   24.2 

Darvazo  de  Arabo ^, 

Arequeira '"^^ 

Sipay  do  sonodo  de  Pernem '"^ ' 

Casamento  gentílico "Í-* 

15  ■  opp.  a   25o 

nananeira. 

Pagode  de  Mulcão "/ 

n  ■  ^  opp.  a     2.-)4 

Parteira '  ,^ 

Quartel  do  3. o  batalhão  de  Bicholim .'.'  ......  .'.'.'opp.'  a  o  58 

Sipay  da  administração " - 

Pagode  de  Santer-deu  em  Bicholim ..opp^  a  ^&y 

Ruínas  da  mesquita  dos  mouros '  '  ^f-" 

Armeiro  gentio 'A 

Casa  do  Dessay  de  Lamagão "....'.'.'.' .'.'.'.'.* .'.'.' opp'.  'a  066 

Houri  de  Lamagão .^  -o 

Tumulo  de  Zaibá  Ranes ~r 

Joguy  Sorbé  Sorá  em  Dargalv nnn  V  !-í! 

^        .  .  L'     .>  "^i  P*  a    2 /O 

Lrentio  moribundo  conduzido  para  o  Dorôbo o--. 

Pagode  de  Pelígão "^Õ 

Mossondy  ou  cemitério  de  Morgim onn   a   274 

Tirta '    ^  ^  ■         V 

opp.  a   276 


Carta  da  costa  Occidental  da  índia opp  a         xii 

Carta  do  território  de  Goa -. opp'.  a    xxvm 

Carta  da  toz  do  Mandovy  e  Zuary opp.  a         14 


índice  dos  capítulos 


ADVERTÊNCIA Pag. 


CAPITULO  PRIMEIRO 


Partida  de  Lisboa  para  a  índia  — Silva  Mattos  —  Cabo  do  Espichel  — Cadiz  — Gibral- 
tar—Gruta  de  S.  xMiguei  — O  paquete  .^/oo//OH  — Gallita  — Pantellaria  — Pharol  de 
Gozzo  (Malta)  —  Alexandria  —  Cairo  —  Suez  —  O  paquete  Malta  —  Mar  Roxo  —  Mon- 
tanhas da  Arábia  — Estreito  de  Bab-el-Mandeb  —  Ancoradouro  de  A den- Cidade  de 
Aden  — Marde  Oman  — Bombay  —  Bandorá  — Barra  de  Goa  — Pharol  de  Aguada  — 
Mandov V Pag.  i  a    20 


CAPITULO  II 


Conde  de  Torres  Novas  —  Possessões  portuguczas  na  Ásia  —  Principaes  rios  do  territó- 
rio de  Goa  —  Clima  —  Estatística  —  Ossoró  —  Pancathy  —  Sigamó  —  Adáo  —  Ganèz  — 
Ribandar — Machila  —  Convento  de  Chimbel —Hospital  da  Misericórdia  —  Fabrica 
da  pólvora  — Seminário  do  Chorão  —  Forte  de  Santo  Estevão  — Goa— Principaes 
edifícios  da  cidade  velha  de  Goa  — Igreia  do  Bom  Jesus— Tumulo  de  S.  Francisco 
Xavier Pag.  21  a    93 


CAPITULO  III 


lliia  de  Tissuary  —  Pangim  — Palácio  do  governo  —  Aflbnso  de  Albuquerque  —  Alfandega 
de  Nova  Goa  —  Paços  do  concelho  —  Praça  das  sete  janellas  —  Quartel  da  guarda 
municipal  e  dos  contingentes— Hospital  militar  e  escola  medica—  Casa  doscathecu- 
menos  —  Fonte  da  Vacca  — Dansa  das  bailadeiras —Igreja  da  Conceição — Escola 
hindu  —  Vaizá  —  Pròssad  —  Medicina  liindii  —  Instrumentos  aratonos  —  Narigòr  — 
Pachú — Vraxabha-boilá  —  Reddó  —  Garupeiros  —  Constiluição  da  propriedade  e  di- 
visão da  superfície  productiva  —  Moral,  leis  penaes  e  leis  civis — Leis  hindus  e  portu- 
guezas  —  Gentia  amamentando  o  filho Pag.  95  a  i36 


XII  índice  dos  capítulos 


CAPITULO  IV 


Uma  excursão  a  Neurá  —  Salinas  —  Convento  do  Pilar  —  Frades  capuchinlios  — Agricul- 
tura indiana  —  Communidades  agrícolas  — Igreja  de  Mandur — Cruz  dos  Milagres  — 
Pelourinho  novo  —  Igreja  de  S.  Caetano  —  Porta  de  Nossa  Senhora  da  Serra  — 
D.  Vaco  da  Gama  —  Ruinas  do  convento  de  S.  Domingos  —  Igreja  de  S.  Thonié  — 
Ruinas  do  convento  do  Carmo  —  Ruinas  do  collegio  de  S.  Paulo  —  Capella  e  poço  de 
S.  Francisco  Xavier — Castello  de  Benastary  —  Bombarda  —  Igreja  de  Santa  Luzia  — 
Convento  da  Madre  de  Deus  — Porta  de  S.  Braz— Ilha  de  Comharjua  — Am/-»  ou 
Mangueira  — Casa  da  administração  — Coqueiro  — Palmar  — Palmeira  ásura  — Zan- 
tró  —  Ganicara  —  Pagodes  de  Marcclla  —  Arrozaes  —  Zandoló  — Convento  de  Nossa 
Senhora  do  Cabo  —  Praia  de  Carazalem  —  Forte  de  Gaspar  Dias  —  Forte  dos  Reis 
Magos — Praça  de  Aguada  — Igreja  de  S.  Lourenço  —  Praça  de  Mormugáo — Porta 
do  Campo  de  Mormngâo  —  Barra  de  Mormugão Pag.  iSy  a 


CAPITULO  V 


Bardez  — Quartel  de  caçadores  4  -Real  ponte  D.  Estephania  — Portacs  de  Britona- 
Forte  de  Ti  vim  —  Forte  do  Meio  —  Ilha  de  Arabó  —  Casa  do  Dessay  —  Darvazó  — 
Pernem  —  Dessayados  —  Pagode  de  Bogounti-deu  —  Fortaleza  deTiracol — Tacardu- 
ma  —  Praça  de  Alorna  —  Doddomaddogo  —  Bicholim  —  Maddy  — Ticàn  —  Ban:ineira 

—  Casamento  gentílico  —  Parto — Sexto  dia  —  Baptismo  hindu  —  Pagode  de  Mulgão 

—  Quartel  do  3."  batalhão  —  Pagode  de  Sauter-deu  —  Ruinas  da  fortaleza  do  Boun- 
snló  —  Casa  do  dessay  de  Lamagão  —  Houri  —  Joguy  Sorbé  Sorá  —  Mossondy  —  Sa- 
dotas  —  Doróbo — Tumulo  dos  ranes  —  Luto  —  Satty—Tulòssy  — Pagode  de  Peligáo 
— Tirta Pag.  21 5  a 


lHu,Damao,]^ra3aJ•-.'^l.-e7Jaoa '  \ 
Ilha  de  Angé  diva     C* 

Aio  riíi  mjao  '^íxãL.  ^*-?:í>^. 


Jfiffias  yeo0rnjíh{ca.s  (60^  T^r-ko) 


l".l/wj,u/,/„a  Uu  In,j,r,:ns.,  X„„„al 


\MlU!l^'Él 


.i<,. 


ADVERTÊNCIA 


ncarregado   em  1862  pelo 
ex.*"»  sr.  conselheiro  José 
da  Silva  Mendes  Leal,  en- 
tão  ministro   e  secretario 
de  estado  dos  negócios  da 
marinha  e  ultramar,  de  va- 
rias   commissões    officiaes 
na    índia    portugueza,   ali 
demorámos  por  espaço  de 
nove  annos,  desempenhan- 
do   os    diversos    serviços, 
que  vão  indicados  no  íim  da  segunda  parte  d"este  livro.  Du- 
rante aquelle  período,  e  em  horas  que  o  serviço  publico  nos 
deixava  livres,  colhemos  os  materiaes  do  livro,  que  ora  pu- 
blicamos, não  movidos  pelo  amor  da  gloria,  nem  pelo  inte- 
resse, que  não  é  para  tanto  o  seu  valor  ou  a  nossa  ambi 
cão,  mas  sim  estimulados  pelo  desejo  íntimo  de  ser  útil  ao 
nosso  paiz,  perpetuando  pelo  desenho  os  gloriosos  monu- 
mentos e  as  ruínas,  que  por  lá  vimos,  testemunho  eloquen- 
te da  nossa  passada  grandeza  na  Ásia. 
Tal  é  o  fim  principal  d"esta  publicação. 
Iremos  seguindo  as  nossas  recordações,  apontando  o  re- 
sultado de  alguns  estudos,  que  então  fizemos,  relativos  não 
so  aos  desenhos  do  natural,  que  adiante  apresentamos,  como 
a  vários  pontos  da  geographia,  historia,  geologia,  meteoro- 


XIV 


'   ADVERTÊNCIA 


logia,  agricultura,  estatística,  ethnographia,  religião,  usos, 
costumes  e  leis  dos  povos  do  Estado  da  índia. 

De  mais  sabemos  que  é  imperfeito  o  nosso  trabalho;  nem 
elle  poderia  ser  completo,  senão  com  longos  annos,  dedica- 
dos especialmente  aos  estudos  que  esboçamos.  Mas  que 
outros,  e  mais  competentes  se  sintam  incitados  pela  leitura 


CONSELHEIRO  JOSÉ  DA   SILVA  .MENDES  LEAL 


do  nosso  livro  a  proseguir  n"esta  ordem  de  trabalhos,  e  nós 
teremos  conseguido  o  fim  a  que  nos  propozemos. 

Conselheiro  Mendes  Leal. —  O  ex.'"°  conselheiro  José  da 
Silva  Mendes  Leal  (de  quem  olFerecemos  o  retrato)  é  um 
verdadeiro  homem  de  bem,  litterato  distincto,  insigne  poeta, 
diplomata  muito  considerado,  e  uma  gloria  da  actual  gera- 
ção litteraria  de  Portugal.  Nascido  em  Lisboa  a  i8  de  ou- 


ADVERTÊNCIA  XV 


tubro  de  iSi8,  geriu  a  pasta  da  marinha  c  ultramar  desde 
•21  de  fevereiro  de  1862  a  12  de  dezembro  de  1864,  e  a  dos 
negócios  estrangeiros  desde  11  de  agosto  de  i86g  a  20  de 
m.aio  de  1870  (sendo  em  ambos  os  gabinetes  presidente  do 
conselho  o  nobre  e  illustrado  duque  de  Loulé,  hoje  falleci- 
do).  Enviado  extraordinário  e  ministro  plenipotenciário  em 
Paris  e  Madrid^  membro  do  conselho  de  estado  politico;, 
bibliothecario  mór  da  bibliotheca  nacional  de  Lisboa;  anti- 
go deputado  ás  cortes;  sócio  da  academia  das  sciencias,  da 
sociedade  de  geographia  de  Lisboa,  Paris  e  Londres,  etc, 

«É  talvez  — dizia  o  nosso  saudoso  amigo  A.  da  Silva 
Tullio —  o  que  tem  escripto  mais,  e  seguramente  em  mais 
variados  ramos  do  saber  humano.  Colligidas  já  todas  as 
suas  obras,  pertencem  bibliologicamente  á  polygraphia.» 

Em  novembro  de  1881  oíferecemos  á  benemérita  socie- 
dade de  geographia  de  Lisboa,  sempre  disposta  a  animar 
todos  os  sentimentos  generosos,  este  modesto  e  ligeiro  es- 
tudo sobre  a  índia  portugueza,  como  demonstram  os  docu- 
mentos em  seguida  publicados. 

«111.™"  e  ex."""  sr. — Tenho  a  honra  de  passar  ás  mãos  de  v.  ex.'"  o 
manuscripto  do  meu  livro  intitulado :  A  índia  portuguesa  para  ser  pre- 
sente á  sociedade  de  geographia  de  Lisboa,  a  fim  de  se  publicar,  se 
para  tanto  tiver  valor. 

"Os  279  desenhos  originaes  do  natural  e  7  mappas,  sendo  dois  geo- 
graphicos,  três  chorographicos  e  dois  topographicos,  que  deviam  acom- 
panhar o  manuscripto,  serão  opportunamente  enviados  a  v.  ex.''. — 
Deus  guarde  a  v.  ex.*.  Lisboa,  3o  de  novembro  de  1881. — 111."^"  e 
ex.""  sr.  Luciano  Cordeiro,  primeiro  secretario  da  sociedade  de  geo- 
graphia de  Lisboa. =^4.  Lopes  Mendes.» 

Em  os  números  9  e  10  da  segunda  serie  do  boletim  da 
sociedade  de  geographia  de  Lisboa,  lê-se  o  seguinte: 

«Do  sócio  sr.  António  Lopes  Mendes,  officio  de  3o  de  novembro, 
apresentando  e  offerecendo  á  sociedade,  a  fim  de  se  publicar,  se  qui- 
zer,  um  manuscripto  de  um  livro  do  mesmo  sócio  intitulado :  A  índia 
portuguesa,  e  promettendo  enviar  opportunamente  os  279  desenhos 
originaes  e  7  mappas,  sendo  2  geographicos,  3  chorographicos  e  2  to- 
pographicos, que  fazem  parte  da  referida  obra. 


XVI  ADVERTÊNCIA 


«...Acrescentou  o  sr.  presidente  (visconde  de  S.  Januário)  que  a 
sociedade  queria  certamente  que  se  agradecesse  ao  sr.  Lopes  Mendes 
a  ofterta  do  seu  trabalho  sobre  a  Índia.  Que  elle,  sr.  presidente,  vira 
por  alto  este  trabalho,  e  não  podia  ainda  formar  um  juizo  seguro,  mas 
estava  antecipadamente  convencido  da  utilidade  da  obra,  porque  sen- 
do governador  d'aquelle  nosso  Estado  tivera  a  fortuna  de  ser  coadju- 
vado por  tão  digno  funccionario.  Que  o  sr.  Lopes  Mendes  permanecera 
ali  por  largos  annos,  estudando  e  investigando  dedicadamente  muitos 
factos,  usos  e  costumes,  e  que  a  sociedade  de  geographia  folgará  de 
ter,  no  trabalho  do  seu  sócio,  elementos  de  apreciação  e  de  estudo - 
relativos  á  índia  portugueza,  desejando  até  que  se  proponha  ao  gover- 
no a  impressão  d'este  manuscripto. 

«O  sr.  Ferreira  Ribeiro  disse  que  folheara  algumas  paginas  da  obra 
do  sr.  Lopes  Mendes,  a  qual  se  lhe  afigurava  muito  importante,  porque 
vinha  vulgarisar  conhecimentos  que  a  poucos  era  dado  possuir.  Que 
applaudia,  pois,  o  auctor  e  o  felicitava  pelo  seu  valioso  trabalho. 

«Em  seguida  deliberou  a  assembléa  que  se  agradecesse  ao  sr.  Lopes 
Mendes,  e  se  propozesse  ao  governo  a  impressão  d'esta  obra.» 

A  sociedade  de  geographia,  em  execução  do  que  acaba- 
va de  se  resolver,  dirigiu  ao  governo  o  officio  seguinte: 

nlU.""'  e  ex."»  sr. — Tendo  sido  ofterecido  á  sociedade  de  geogra- 
phia de  Lisboa  o  manuscripto  de  uma  obra  do  nosso  consócio  e  illus- 
tre  agrónomo  o  sr.  António  Lopes  Mendes,  intitulada :  A  índia  por- 
tugue:[a,  acompanhada  de  279  desenhos  e  7  mappas,  e  considerando 
a  sociedade  quanto  importa  á  sciencia  e  ao  paiz  a  publicação  da  refe- 
rida obra  pelas  interessantes  informações  que  dá  acerca  da  historia, 
da  chorographia,  das  condições  económicas  d'aquelle  Estado,  dos  seus 
monumentos,  dos  costumes  e  tradições  dos  seus  povos,  dos  seus  recur- 
sos e  aptidões,  e  considerando,  outrosim,  na  falta  que  ha  de  obras  que 
acrescentem  o  conhecimento  das  nossas  possessões  de  alem-mar,  e 
quanto  seria  particularmente  opportuna  a  publicação  d'esta,  resolveu 
solicitar  de  v.  ex.%  em  virtude  do  decreto  de  12  de  agosto  de  1880,  e 
confiada  no  patriotismo  e  esclarecido  critério  de  v.  ex.'',  que  a  mesma 
obra  fosse  impressa  na  imprensa  nacional  de  Lisboa,  como  publicação 
da  sociedade  e  nas  condições  das  mais  a  que  mesmo  o  decreto  se  refere. 

«Não  appella  a  sociedade  para  o  decreto  referido  senão  porque,  com 
grande  sentimento,  não  pôde  considerar-se  habilitada  para  auxiliar  o 
governo  na  despeza  a  fazer  com  a  publicação  de  tão  útil  e  opportuna 
obra,  e  convicta  está  a  sociedade  de  que  não  deixará  de  encontrar  em 
V.  ex."  aquelle  nobre  patriotismo  e  favor  que  sempre  lhe  tem  dispen- 
sado o  governo  do  Estado  em  proveito  da  sciencia  e  honra  do  paiz. 


ADVERTÊNCIA  XVII 


"Deus  guarde  a  v.  ex."  Sociedade  de  geographia  de  Lisboa,  14  de 
dezembro  de  1881. —  111.™"  e  ex."'°  sr.  ministro  e  secretario  de  estado 
dos  negócios  da  marinha  e  ultramar.^0  presidente,  José  Vicente  Bar- 
bosa dii  Bocage.» 

Sem  resposta  a  este  officio,  a  sociedade  dirigiu  o  seguinte: 

«111.""'  e  ex.'""  sr. — Tendo  sido  ofFerecido  a  esta  sociedade  pelo  nosso 
consócio  o  sr.  Lopes  Mendes  o  manuscripto  original  de  uma  obra  do 
mesmo  cavalheiro  sobre  a  índia  portugueza,  solicitou  em  tempo  a  so- 
ciedade ao  governo  de  Sua  Magestade  a  publicação  da  mesma  obra  por 
consideral-a  muito  importante  para  o  estudo  e  conhecimento  d'aquella 
nossa  província.  Sendo,  porém,  necessário  proceder-se  ao  orçamento 
respectivo  na  imprensa  nacional,  foi  por  esta  sociedade  enviado  o  refe- 
rido manuscripto  a  esse  ministério,  d'onde  não  voltou  até  hoje  ao  nosso 
poder. 

"Não  tendo,  porém,  havido  communicação  de  qualquer  despacho 
concedido  á  nossa  solicitação,  e  correndo  agora  na  imprensa  a  noticia 
de  que  vae  ser  publicada  a  obra  alludida,  que  é  propriedade  da  socie- 
dade de  geographia,  tenho  a  honra  de  pedir  a  v.  ex.'»  o  obsequio  de 
me  informar  acerca  da  veracidade  d'esta  noticia,  para  que  eu  possa 
communicar  á  direcção  o  estado  do  assumpto. — Deus  guarde  a  v.  ex.* 
Lisboa,  22  de  maio  de  1884.  — 111."'°  e  ex."""  sr.  conselheiro  secretario 
e  director  geral  do  ministério  da  marinha  e  ultramar.  =0  secretario 
perpetuo,  Luciano  Cordeiro.» 

Em  3  de  junho  de  1884  recebea  a  sociedade  o  seguinte: 

«Secretaria  de  estado  dos  negócios  da  marinha  e  ultramar — Direc- 
ção geral  do  ultramar  —  Sexta  repartição  —  N.»...  111.°"*  e  ex."»  sr. — 
S.  ex.-''  o  ministro  e  secretario  de  estado  dos  negócios  da  marinha  e  ultra- 
mar encarrega-me  de  communicar  a  v.  ex."  que  por  seu  despacho  de 
hontem  auctorisou  a  despeza  a  fazer  com  a  publicação  da  obra  do 
sr.  António  Lopes  Mendes,  intitulada  :  A  índia  portuguesa.,  e  que  n'esta 
data  se  dá  conhecimento  d'esta  resolução  á  imprensa  nacional  a  fim  de 
proceder  á  impressão. — Deus  guarde  a  v.  ex."  Secretaria  de  estado 
dos  negócios  da  marinha  e  ultramar,  em  3  de  junho  de  1884.  —  111.""  e 
ex.™"  sr.  presidente  da  sociedade  de  geographia  de  Lisboa.  =  O  dire- 
ctor geral,  Francisco  Joaquim  da  Costa  e  Silva. '> 

Em  9  de  Junho  dirigiu  a  sociedade  á  imprensa  nacional 
o  seguinte  annuncio: 

"111. mo  e  ex."»  sr. — Tendo-nos  sido  communicado  pelo  ministério  da 
marinha  e  ultramar  que  s.  ex."  o  ministro,  por  despacho  de  2  de  junho, 


XVIII  ADVERTÊNCIA 


fora  servido  auctorisar  a  despeza  a  fazer  com  a  publicação  de  uma 
obra  pertencente  a  esta  sociedade,  intitulada :  A  índia  portuguesa,  de 
que  é  auctor  o  sr.  A.  Lopes  Mendes,  tenho  a  honra  de  inforinar  v.  cx." 
de  que  por  intermédio  d'aquelle  ministério  será  remettido  a  essa  im- 
prensa o  original  do  texto  d'essa  obra  e  pelo  seu  auctor  os  desenhos  ou 
estampas  que  devem  incluir-se  n'ella,  e  bem  assim  que  o  formato  da 
publicação  poderá  ser  o  da  obra  dos  srs.  Capello  e  Ivens. 

«Quaesquer  outras  indicações  serão  fornecidas  a  v.  ex.-''  por  esta  se- 
cretaria, logo  que  V.  ex."  as  deseje  ou  ellas  se  tornem  opportunas. — 
Deus  guarde  a  v.  ex."  Lisboa,  9  de  junho  de  1884. — 111.°"'  e  ex.'""  sr. 
conselheiro  director  da  imprensa  nacional. =0  secretario  perpetuo,  Lu- 
ciano Cordeiro. •> 

Na  data  de  17  de  junho  recebemos  o  officio  que  se  segue: 

■■111.'"''  e  ex.'"^  sr. — Por  officio  do  ministério  da  marinha  e  do  ultra- 
mar, de  3  do  corrente,  foi-nos  communicado  que  s.  ex."  o  ministro, 
deferindo  á  representação  que  lhe  fizemos,  auctorisou  a  despeza  a  fa- 
zer com  a  publicação  da  obra  que  v.  ex.''  teve  a  generosidade  de  ofle- 
recer  á  nossa  sociedade,  intitulada :  A  índia  portuguesa. 

"Tendo  de  dar  instrucção  á  imprensa  para  o  fim  indicado,  rogo  a 
V.  ex.''  o  obsequio  de  me  indicar  quando  poderemos  ter  uma  pequena 
conferencia,  por  isso  que  muito  naturalmente  desejámos  que  a  publica- 
ção se  faça  ao  agrado  de  v.  ex." — Deus  guarde  a  v.  ex.".  Lisboa,  17  de 
junho  de  1884. — 111."'°  e  ex."'"  sr.  A.  Lopes  Mendes. =  O  secretario  per- 
petuo, Luciano  Cordeiro.» 

Quasi  dois  annos  depois,  dirigiu  a  sociedade  ao  ministro 
da  marinha  e  ultramar  o  seguinte  officio: 

«Sociedade  de  geographia  de  Lisboa — N."  4Ò-A. — 111.""'  e  ex."""  sr. — 
Conformando-se  com  o  parecer  d'esta  sociedade  e  deferindo  aos  seus 
officios  de  14  de  dezembro  de  1881  e  de  22  de  maio  de  1884,  de  accor- 
do  com  o  decreto  de  12  de  agosto  de  18S0,  foi  servido  o  governo  de 
Sua  Magcstade  ordenar  a  impressão  na  imprensa  nacional  da  obra 
notabilissima  do  nosso  consócio  sr.  A.  Lopes  Mendes,  por  elle  offere- 
cida  a  esta  sociedade,  e  intitulada:  A  índia  portuguesa.  Demorada  in- 
felizmente, e  por  diversas  circumstancias,  a  composição  typographica 
respectiva  abrange  já  alguns  capítulos,  e  deve  entrar  agora  em  maior 
desenvolvimento. 

«Não  nos  apressámos  em  fixar  e  propor  definitivamente  o  numero 
de  exemplares  da  publicação  aiictorisada,  que  convém  espalhar  entre 
os  estudiosos  estrangeiros,  e  da  qual  não  poderá  fazer-se  sem  conside- 
rável despeza  uma  segunda  edição,  porque  aguardávamos  que  chegasse 


ADVERTÊNCIA  XIX 


O  momento  em  que,  indispensavelmente  e  consideradas  todas  as  neces- 
sidades e  conveniências  da  mesma  publicação  relativamente  a  este  pon- 
to, podesse  fixar  com  segurança  a  respectiva  tiragem. 

Tendo  chegado  esse  momento,  por  isso  que  não  podem  demorar-se 
mais  os  trabalhos  de  impressão  das  primeiras  folhas,  calculámos  pela 
seguinte  forma  a  tiragem  que  nos  será  necessária : 

i:ooo  exemplares  para  distribuição  obrigatória  e  externa  da  sociedade  e  commissão  central 
(sócios,  institutos  e  repartições  nacionaes  e  estrangeiras). 
3oo  exemplares  que  o  auctor  deseja,  e  nos  parece  de  todo  o  ponto  equitativo  concedir-llic. 
200  exemplares  (reservados  a  dis'ersos  destinos). 

«Temos  a  acrescentar,  porém,  o  numero  de  exemplares  que  v.  ex.-'' 
tiver  por  conveniente  determinar  que  sejam  postos  á  sua  disposição  ou 
d"esse  ministério,  parecendo-nos  consequentemente,  que  a  edição  não 
deverá  ser  inferior  a  2:000  exemplares,  o  que  por  um  lado  não  augmen- 
tará  a  despeza  computada,  e  por  outro  fará  que  a  obra  se  torne  sufih- 
cientemente  conhecida,  em  bom  e  positivo  serviço  do  paiz,  obviando  a 
que  rapidamente  se  torne  rara  e  á  despeza  de  uma  nova  edição. 

«A  obra,  comov.  ex.'""  naturalmente  não  ignora,  tem  verdadeiramente 
um  caracter  monumental:  não  só  é  uma  interessantíssima  e  completa 
monographia  da  índia  portugueza,  estudada  e  elaborada  quasi  toda  so- 
bre o  terreno,  permitta-se-nos  a  expressão,  mas  é  o  registo  e  repositó- 
rio das  memorias  e  padrões  do  nosso  glorioso  império  indiano,  muitos 
dos  quaes  infelizmente  desapparecidos  já.  É  o  livro  de  uma  verdadeira 
e  notável  exploração  scientifica,  artística  e  estatística  d'aquelle  Estado. 
«Aguardando  que  v.  ex.^  se  sirva  mandar-nos  indicar  o  numero  de 
exemplares  que  considera  convenientes  que  reservemos  para  esse  mi- 
nistério, e  quaesquer  outras  ordens  com  que  nos  queira  honrar,  a  fim 
de  fixarmos  definitivamente  a  tiragem  a  fazer  da  nossa  utilíssima  obra 
já  em  adiantada  composição,  temos  a  honra  de  renovar  perante  v.  ex.'' 
os  protestos  da  alta  consideração  d'esta  sociedade. — Deus  guarde  a  v. 
ex.'*  Sociedade  de  geographía  de  Lisboa,  14  de  março  de  1886. — 111."" 
e  ex."'"  sr.  ministro  e  secretario  de  estado  dos  negócios  da  marinha  e 
ultramar.=  0  presidente,  António  Augusto  de  Aguiar^O  secretario, 
perpetuo,  Luciano  Cordeiro.» 

Em  resposta  a  este  officio.  recebeu  a  sociedade  o  seguinte: 

«Secretaria  de  estado  dos  negócios  da  marinha  e  ultramar ^^Direc- 
ção  geral  do  ultramar  —  Sexta  repartição — N." . .  .  111."""  e  ex.»'"  sr. — 
S.  ex."  o  ministro  e  secretario  de  estado  dos  negócios  da  marinha  e  ul- 
tramar encarrega-me  de  dizer  a  v.  ex.",  em  resposta  ao  seu  officio  n." 
4tj-A,  de  14  de  março  ultimo,  que  deverá  ser  de  2:5oo  exemplares  a  edi- 
ção da  obra  do  sr.  Lopes  Mendes,  .4  índia  portuguesa,  sendo  i:25oexem- 


XX 


ADVERTENXIA 


piares  destinados  á  venda,  na  conformidade  do  disposto  no  decreto 
de  26  de  junho  de  1879,  1:000  para  a  sociedade  que  v.  ex.«  dignamente 
preside,  e  25o  para  esta  secretaria  de  estado. —  Deus  guarde  a  v.  ex.^ 
Secretaria  de  estado  dos  negócios  da  marinha  e  ultramar,  em  10  de 
abril  de  1886.  —  111.""  e  ex."»  sr.  presidente  da  sociedade  de  geogra- 
phiade  Lisboa.  =  O  director  geval,  Francisco  Joaquim  da  Costa  c  Silva.» 


CONSELHEraO  JOSÉ   VICENTE  BARBOSA  DU  BOCAGE 


Agradecer  á  benemérita  sociedade  de  geographia  de  Lis- 
boa a  sua  valiosíssima  coadjuvação  é  para  nós  cumprir  um 
dever,  e  publicamente  affirmar  esta  genuina  expressão  do 
nosso  sentimento,  e  com  especialidade  aos  seus  dignos  pre- 
sidentes, os  ex.™5  conselheiros  visconde  de  S.  Januário  (de 
quem  falíamos  no  capitulo  x),  José  Mcente  Barbosa  du  Bo- 
cage, e  António  Augusto  de  Aguiar. 


ADVERTÊNCIA 


XXI 


S.  ex.3  o  ex."i°  conselheiro  Barbosa  du  Bocage,  antigo 
presidente  e  um  dos  mais  dedicados  fundadores .  da  socie- 
dade de  geographia,  ex-ministro  da  marinha  e  dos  negócios 
estrangeiros,  erudito  professor,  nosso  amigo  e  mestre,  é  um 
magistrado  integro,  cuja  vida  irreprehensivel  é  citada  com 


/%?n^1 


CONSELHEIRO  ANTÓNIO  AUGUSTO  DE  AGUIAR 


louvor  em  toda  a  parte  onde  seu  illustre  e  honrado  nome 
se  conhece,  venera  e  respeita. 

O  ex..^°  conselheiro  António  Augusto  de  Aguiar,  aetual 
presidente  da  sociedade  de  geographia,  ministro  honorário 
das  obras  publicas,  commercio  e  industria,  encarregado  de 
uma  importante  commisscão  na  índia  por  occasiao  da  reali- 
sação  dos  tratados  luso-britannicos,  é  um  dos  talentos  mais 


XXII  ADVERTÊNCIA 


brilhantes  da  actualidade,  de  mais  reconhecida  competência 
para  os  elevados  cargos  que  tem  exercido  com  aprazimento 
publico,  de  génio  aniavel,  caracter  cavalheiresco,  e  austero 
sacerdote  da  justiça  impoUuta. 

Agradecemos  igualmente,  pela  notabilissima  dedicação 
que  empregou  para  se  publicar  esta  obra,  ao  nosso  bom 
amigo  e  consócio,  o  ex."^"  sr.  Luciano  Cordeiro,  secretario 
perpetuo,  trabalhador  infatigável  e  profundo  conhecedor  da 
nossa  historia  colonial.  E  não  é  somente  a  nossa  cordial 
amisade  que  presta  a  vassallagem  devida  aos  seus  talentos, 
aos  seus  relevantes  serviços  e  aos  insignes  predicados  do 
seu  caracter.  Melhor  o  fazem  os  seus  consócios  na  Home- 
uao-em  a  Luciano  Cordeiro,  adoptando  a  proposta  do  sr.  Au- 
gusto Ribeiro,  apresentada  em  sessão  de  7  de  dezembro  de 
"1885.  Relata  a  commissão  nomeada  para  dar  parecer  sobre 
a  proposta:.  .  .«Alem  dos  trabalhos  com  que  tem  enrique- 
cido a  bibliographia  historico-geographica  portugueza,  por 
dezenas  se  contam  ainda  as  suas  outras  publicações,  que 
comprehendem  discursos  académicos,  estudos  críticos  de  lit- 
teratura  e  de  arte  nacional,  obras  de  economia  financeira, 
questões  de  administração  municipal  e  districtal,  viagens  na 
pAiropa,  etc. 

«Se  a  isto  acrescentarmos  que  o  sr.  Luciano  Cordeiro, 
com  a  sua  longa  vida  jornalistica,  tem  redigido  e  collabora- 
do  em  muitos  \^eriodicos  políticos,  litterarios  e  scientificos 
nacionaes  e  estrangeiros,  ficarão  indicados  summariamente 
alguns  documentos  que  provam  com  largueza  os  muitos  ser- 
viços que,  na  qualidade  de  escriptor  publico,  ha  prestado 

ao  paiz. 

«Foi  o  sr.  Luciano  Cordeiro  quem  iniciou  a  celebração 
nacional  do  terceiro  centenário  do  eminente  cantor  dos  he- 
róicos navegadores  portuguezes.  Foi  a  seu  convite  que  a 
imprensa  de  Lisboa  se  reuniu  nas  salas  da  sociedade  de 
geographia  e  tomou  a  direcção  das  festas  que  em  1880  se 
fizeram  na  capital^  e  esta  brilhante  e  ruidosa  iniciativa,  re- 
percutindo em  todo  o  continente,  nas  ilhas  e  nas  possessões 


ADVERTÊNCIA  XXIÍI 


dc  alem-mar,  deu  logar  ás  manifestações  imponentíssimas 
com  que  a  nação  inteira  aífirmou  perante  o  mundo  o  seu 
reconhecimento  e  respeito  por  um  compatriota  egrégio,  fal- 
lecido  ha  três  séculos,  c[uerendo  ao  mesmo  tempo  sj^mboli- 
sar  em  Camões  o  amor  pátrio,  que  hoje,  como  então,  domina 
os  que  tiveram  a  ventura  de  nascer  portuguezes. 

«Muitas  e  importantes  Scão  as  commissões  de  serviço  pu- 
blico para  que  tem  sido  nomeado  o  sr.  Luciano  Cordeiro. 

«Em  1875  para  a  commissão  encarregada  de  estudar  e 
projectar  a  reforma  do  ensino  artístico,  conservação  dos  mo- 
numentos históricos  e  formação  dos  museus  nacionaes,  com- 
missão de  que  foi  secretario  e  relator. 

«Em  1876  para  a  commissão  central  de  geographia,  da 
qual  foi  vice-secretario  e  mais  tarde  primeiro  secretario. 

«Em  1878  foi  um  dos  delegados  por  parte  de  Portugal 
no  congresso  internacional  de  geographia  de  Paris.  N"este 
congresso  tentou-se  pôr  em  duvida  a  nossa  soberania  nos 
territórios  do  Congo,  chegando  a  ser  apresentado  em  sessão 
plena,  pela  commissão  respectiva,  um  voto  que  era  eviden- 
temente attentatorio  d"essa  soberania;  e  o  sr.  Luciano  Cor- 
deiro, em  nome  dos  delegados  portuguezes,  fez  opposíção 
por  forma  tão  intransigente  e  patriótica,  que  o  congresso 
negou  a  sua  approvação  á  proposta  apresentada  subrepti- 
ciamente,  com  o  intuito  talvez  de  apressar  o  desenlance  a 
que  a  diplomacia  europêa  só  conseguiu  chegar  seis  annos 
depois. 

«No  mesmo  anno  de  1878  foi  também  nomeado  para  duas 
commissões  do  ministério  da  marinha,  uma  das  quaes  teve 
o  encargo  de  propor  a  reorganisação  das  missões  ultrama- 
rinas, e  por  ella  foi  eleito  secretario  relator,  e  a  outra  occu- 
pou-se  de  reorganisar  e  reformar  a  commissão  central  de 
geographia, 

«Em  1881  foi  delegado  de  Portugal  no  congresso  inter- 
nacional de  sciencias  geographicas  de  ^"eneza.  N'este  anno 
fez  também  parte  da  commissão  directora  do  inquérito  in- 
dustrial, sendo  delegado  d"ella  junto  da  secção  do  Porto. 


XXIV  ADVERTÊNCIA 


«Em  18S2  foi  nomeado  pelo  ministério  das  obras  publicas 
para  o  conselho  geral  do  coinmercio,  pelo  ministério  da  fa- 
zenda para  a  commissão  de  reforma  e  organisaçao  do  ser- 
viço das  contrastarias,  e  pelo  ministério  do  reino  para  a  com- 
missão que  por  parte  do  governo  dirigiu  a  festividade  civica 
do  centenário  do  marquez  de  Pombal. 

«Em  i883  para  a  commissão  de  estudo  da  emigração  por- 
tugueza. 

«Em  1884  para  a  commissão  central  de  estatística,  e  para 
delegado  technico  de  Portugal  na  conferencia  internacional 
africana  de  Berlim,  que  terminou  os  seus  trabalhos  no  anno 
de  18X5. 

a  O  sr.  Luciano  Cordeiro  encetou  a  carreira  do  professo- 
rado em  1871,  sendo  nomeado  pelo  ministério  da  guerra 
para  a  regência  das  cadeiras  de  litteratura  e  philosophia  do 
real  collegio  militar;  mas  dois  annos  depois  entendeu  nobre- 
mente que  devia  pedir  a  sua  demissão,  como  hzerani  tam- 
bém outros  coUegas  seus,  em  desaggravo  de  um  acto  de 
immerecida  desconsideração  que  sotfréra  um  membro  da 
familia  escolar. 

«Em  1882  foi  nomeado  em  concurso  primeiro  official  do 
ministério  do  reino,  e  nos  annos  de  i883,  1884  e  i885  tem 
ali  occupado  o  logar  de  chefe  da  repartição  de  instrucção 
superior. 

«Nos  cargos  electivos  que  tem  desempenhado,  já  como 
procurador  á  junta  geral  do  districto  de  Lisboa,  em  1878, 
já  como  deputado  da  nação  nas  duas  ultimas  legislaturas, 
tem  sempre  feito  parte  das  commissões  internas  mais  impor- 
tantes, e  os  respectivos  registos  attestam  a  multiplicidade  de 
conhecimentos  do  trabalhador  distincto  de  que  nos  estamos 
occupando. 

«Os  pareceres  parlamentares  relativos  ao  tratado  do  Zaire 
1 1882)  e  á  conferencia  de  Berlim  1 1885)  e  os  discursos  pro- 
nunciados por  occasião  da  discussão  deste  ultimo,  são  mo- 
numentos que  só  por  si  fariam  a  reputação  de  um  homem 
de  estudo,  e  honrariam  o  paiz  a  que  elle  pertencesse;  mas 


ADVERTÊNCIA 


XXV 


estas  producções  não  foram  uma  revelação;  confirmaram 
niais  uma  vez  o  conceito  elevado  em  que  era  tido  já  o  sr. 
Luciano  Cordeiro,  e  augmentaram  a  gratidão  nacional  a  que 
tem  jus,  por  tantos  serviços  prestados  dedicadamente,  de- 
vendo acrescentar-se  que  o  collar  da  ordem  de  S.  Thiago, 


LUCIANO  CORDEIRO 


do  mérito  scientifico,  que  lhe  orna  o  peito,  reflecte  pallida- 
mente  o  reconhecimento  da  nação. 

«Tendo-se  dedicado,  aos  estudos  historico-geographicos  e 
ás  questões  ultramarinas  por  maneira  tão  notável  que  n'e"stes 
assumptos  occupa  entre  nós  o  primeiro  logar,  é  a  elle  que 
recorrem  todos  os  estudiosos  e  trabalhadores,  que  procuram 
servir  a  sciencia  geographica,  e  em  especial  os  que  buscam 
para  campo  das  suas  heróicas  e  civilisadores  batalhas  o  con- 


XXVI  ADVERTÊNCIA 


tincnte  africano.  Os  exploradores  consultam-o,  e  tiram  du-  i 
vidas  sobre  um  c  muitos  factos*,  os  exploradores  estrangei-  i 
ros  mantéem  com  elle  correspondência  activa,  não  deixando  | 
nunca  de  o  visitar  e  ouvir  aquelles  que  passam  por  Lisboa;  1 
e  os  cavalheiros  que  nos  últimos  annos  têem  gerido  a  pasta  I 
da  marinha  e  ultramar  hão  recorrido  varias  vezes,  nas  ques- 
tões mais  importantes,  ao  seu  conselho  auctorisado  e  á  sua  ' 
sincera  cooperação,  posto  nem  sempre  tenham  sido  adopta-  ' 
das  as  suas  idéas  transformadoras  da  administração  ultra- 
marina, j 

«O  sr.  Luciano  Cordeiro  é  um  dos  portuguezes  mais  co-  i 

nhecidos  e  respeitados  lá  fora  no  grande  mundo  da  sciencia,  i 

e  os  diplomas  que  lhe  tèeni  enviado  as  sociedades  geogra-  ] 

phicas   e  os   institutos   scientificos   de   Hespanha,    França,  ; 

AUemanha,  Bélgica,  Itália,  Austria-Hungria,  Brazil,  etc,  são  "1 

honrarias  de  que  nos  devemos  orgulhar,  visto  como  são  os  j 

nossos  homens  notáveis  que  engrandecem  e  tornam  respei-  | 

tada  a  nossa  querida  pátria.  j 

«Das  commissões  de  serviço  publico  que  tem  desempe-  i 

nhado,  devemos  especialisar  a  ultima,  de  delegado  technico  ' 

na  conferencia  de  Berlim,  como  a  mais  delicada  e  melin-  ■ 
drosa.  Está  ainda  por  escrever,  e  talvez  nunca  se  escreva 

a  parte,  que  se  considera  reservada,  d'esta  conferencia,  e  se  j 

porventura  for  conhecido  um  dia  tudo  o  que  por  essa  occa-  < 

sião  se  passou  em  Berlim  nos  bastidores  da  diplomacia  eu-  ' 

ropêa,  poder-se-ha  saber  então  quaes  os  desgostos  que  soí-  •] 

freu,  os  esforços  que  empregou,   a  dedicação  de  que   deu  | 

prova  e  os  conhecimentos  que  revelou  para  defender  com  j 

acrisolado  patriotismo  os  interesses  de  Portugal.  j 

«Vem  a  propósito  repetir  aqui  o  que  a  imprensa  perio-  1 

dica  tem  affirmado  muitas  vezes  sobre  a  acção  poderosa  da  i 

nossa  sociedade  em   quasi   todos   os  actos  praticados  nos  ^ 

últimos  tempos  em  beneficio  dos  nossos  domínios  africanos  ? 

e   das  raças   que  povoam  aquelle   continente.   Pela  nossa  1 

constante    propaganda   conseguimos    despertar   a   attenção  j 
publica,  no  sentido  de  se  apreciarem  devidamente  esses  ri- 


ADVERTÊNCIA  XXVII 


quissimos  territórios.  Pelas  nossas  investigações  e  estudos, 
postos  ao  serviço  do  paiz,  temos  reivindicado  os  nossos  di- 
reitos, demonstrado  as  nossas  aptidões  tradicionaes  e  exce- 
pcionaes  para  a  civilisação  das  raças  aborigenes,  solicitado  e 
promovido  as  medidas  que  julgamos  de  necessidade  empre- 
gar, e  finalmente  temos  auxiliado  todas  as  manifestações 
tendentes  a  mostrar  á  Europa  culta  que  somos  não  só  os 
descendentes  dos  c[ue  descobriram  a  Africa  e  ali  iniciaram 
a  civilisação,  mas  também  os  continuadores  dessa  obra  gran- 
diosa. 

«E  isto  o  que  diz  a  imprensa,  mas  os  nossos  importantes 
archivos  dizem  mais  alguma  cousa.  Por  elles  vemos  também 
que,  em  todos  os  trabalhos  e  emprehendimentos  da  nossa 
sociedade,  a  parte  principal  pertence  ao  sr.  Luciano  Cor- 
deiro, que  pela  sua  talentosa  perseverança  tem  concorrido 
enormemente  para  que  a  sociedade  de  geographia  conquis- 
tasse a  posição  eminente  a  que  chegou. 

«Rasão  tem,  pois,  o  sr.  Augusto  Ribeiro,  quando  affirma 
que  cumpre  a  esta  associação  honrar  o  cidadão  emérito  que 
c:  A  alma  de  todo  o  moderno  movimento  africanista  em 
Portugal.» 

Seria  faltar  a  um  dever  se  deixássemos  também  de  dar 
aqui  testemunho  sincero  do  nosso  reconhecimento  á  admi- 
nistração geral  da  imprensa  nacional,  aos  srs.  typographos, 
revisores,  desenhadores  em  madeira,  gravadores  e  estampa- 
dores,  pela  nunca  desmentida  boa  vontade  que  emprega- 
ram para  esta  obra  sair  dos  prelos  o  mais  nitida  possível. 

Dos  illustres  ministros  e  secretários  de  estado  dos  negó- 
cios da  marinha  e  ultramar,  os  ex.™°^  conselheiros  José  de 
Mello  Gouveia,  Manuel  Pinheiro  Chagas,  e  Henrique  de 
Macedo,  que  se  dignaram  auctorisar  a  publicação  d.esta 
obra,  e  uma  maior  tiragem  de  exemplares,  tratamos  devi- 
damente na  segunda  parte  deste  livro,  onde  oíferecemos 
os  retratos  de  s.  ex.^* 

A.  Lopes  Meudes. 


•''■■  -    ^     ^ 


CAPITULO  PRIMEIRO 


Partida  de  Lisboa  para  a  índia  —  Silva  Mattos  —  Cabo  do  Espichel — 
Gadiz — Gibraltar — Gruta  de  S.  Miguel— O  paquete  Moolton  — 
Gallita — Pantellaria  — Pharol  de  Gozzo  (Malta)  —  Alexandria — Cai- 
ro—  Suez  —  O  paquete  Malta — Mar  Roxo  —  Montanhas  da  Arábia 
—  Estreito  de  Bab-el-Mandeb — Ancoradouro  de  Aden  —  Cidade  de 
Aden — Mar  de  Oman  —  Bombay — Bandorá  —  Barra  de  Goa — Pha- 
rol de  Aííuada — Mandovv. 


narração  que  segue  é  simples- 
mente a  indicação  do  nosso  iti- 
nerário até  á  barra  de  Goa,  sem 
de  modo  algum  pretendermos 
descrever  a  viagem  de  Lisboa 
á  índia  pelo  Egypto.  Esta  via- 
gem encontra-se  em  muitos  roteiros  e  ou- 
)s  livros,  descripta  por  homens  de  ele- 
'ada  illustração,  e  por  isso  nos  dispen- 
sámos de  a  descrever. 
Partimos  de  Lisboa  a  1 1  de  agosto 
de  1862,  a  bordo  do  Ville  de  Lisbonne, 
paquete  francez,  que  seguia  viagem  para 
Cadiz  e  Gibraltar,  devendo  esperar  n''esta  cidade  o  paquete 
inglez  Moolton,  que  havia  de  transportar-nos  para  Alexan- 
dria. 


2  A  índia 

Ao  separar-nos  da  encantadora  cidade  de  Lisboa,  e  dos 
nossos  estimáveis  amigos,  o  dr.  Augusto  César  da  Silva 
Mattos  e  Francisco  Joaquim  Moniz  de  Bettencourt,  que 
receberam  a  bordo  os  nossos  últimos  abraços  de  despedida, 
sentimos  bem  fundo  aquelle  delicioso  pungir  de  acerbo 
espinho. 


SILVA    MAlTt 


Silva  Mattos,  poeta  mimoso  e  distincto  jurisconsulto,  ao 
despedir-se,  offereceu-nos  os  seguintes  versos,  que  em  ho- 
menagem á  sincera  e  nunca  desmentida  amisade  que  a  elle 
sempre  nos  ligou  e  ainda  hoje  liga,  aqui  devemos  transcre- 
ver: 

Adeus,  amigo;  n'essas  longas  plagas 

Dias  de  gloria  vás  de  certo  achar: 

Junto  do  berço  da  encantada  aurora, 


N'um  céu  de  fogo,  no  esplendor  do  mar. 


ii;iiiii!iiítí 


'•y~""-i-"^T 


PORTUGUEZA 


Alem  dos  mares,  que  vedados  foram  " 
Em  velhas  eras  para  um  velho  mundo, 
Derrama  luzes,  que  teu  nome  dourem, 
E  em  luzes  podes  vir  de  lá  profundo. 

Deixas  a  pátria!  Poderoso  verbo 
De  áureo  futuro  te  desvenda  o  trilho. 
Dos  férteis  germens,  que  na  mente  levas, 
Vás  noutros  climas  derramar  o  brilho. 

Nem  só  dos  Gamas  a  missão  é  nobre. 
Vale  a  charrua  muito  mais  que  a  espada; 
Castro  e  Albuquerque  são  ingentes  vultos, 
Mas  a  conquista  para  o  solo  é  nada. 

Vae,  bom  amigo,  segue  a  tua  estrella. 
Qualquer  na  terra  cumpre  o  seu  condão; 
Caminha  ousado  para  o  teu  futuro, 
Buscando  um  astro  de  gentil  clarão. 

E  um  dia,  rico  dos  mil  bens  da  terra, 
Ou  dos  thesouros  dum  saber  profundo, 
Volta  aos  amigos,  que  saudosos  deixas 
Na  extrema  raia  d'este  velho  mundo. 

Foi  com  profunda  saudade  (tormento  doce  e  maguado), 
que  ás  nove  horas  da  manhã  vimos  sumir-se  Lisboa,  dei- 
xando somente  á  vista  o  litoral,  que  também  parecia  fugir- 
nos.  Recordámos,  então,  com  entranhavel  sentimento,  os 
sublimes  versos  do  nosso  épico: 

Não  sei  (oh  doces  aguas!),  não  sei  quando 
Vos  tornarei  a  ver;  que  maguas  taes, 
Vendo  como  vos  deixo,  me  deixaes. 
Que  de  tornar  já  vou  desconfiando. 

As  onze  horas  dobrávamos  o  cabo  do  Espichel,  e  alta 
noite  estávamos  defronte  do  promontório  de  S.  Vicente. 

Na  manhã  do  dia  i2  navegávamos  ao  longo  da  costa  do 
Ajgarve,  e  em  distancia  que  mal  permittia  ver  as  povoa- 
ções que  a  orlam.  O  tempo  estava  bello  e  o  mar  sereno. 


/'. 


A  índia 


Pelas  duas  horas  da  tarde  fundeava  o  Ville  de  Lisbonne  na 
bahia  de  Cadiz,  onde  desembarcámos,  aproveitando  quatro 
horas  que  nos  foram  concedidas,  para  vermos  esta  encan- 
tadora cidade  hespanhola.  Aqui  deixámos  o  nosso  compa- 


CABO  DE  ESPICHEL 


nheiro  de  viagem,  o  sr.  Bustamante  de  Sá,  medico  brazi- 
leiro,  ficando-nos  apenas  inglezes  por  companheiros  de  via- 
gem até  Goa. 


liaâliáfe 


Ás  seis  horas  da  tarde  estávamos  de  viagem  para  Gibral- 
tar. Passámos  de  noite  o  cabo  deTrafalgar  e  o  de  Espartel^ 
que  formam  a  entrada  occidental  do  estreito;  e  na  manhã 
do  dia  i3  surgimos  em  frente  de  Gibraltar,  que,  vista  da 
enseada,  offerece  uma  linda  perspectiva. 


PORTUGUEZA 


Demorámo-nos  ali  quatro  dias,  vendo  o  que  tem  de  mais 
notável  esta  importante  praça  de  armas,  de  que  os  inglezes 
se  apoderaram  em  1704. 

Na  manhã  do  dia  17  passávamos  já,  a  bordo  do  Moolton, 
entre  os  montes  Calpe  e  Abyla  (columnas  de  Hercules),  que 
servem  de  umbraes  á  entrada  oriental  do  estreito  (Gadi- 
tamim  fretiim,  de  Plinio),  o  iiou  pliis  iillra  dos  antigos 
mareantes. 


GRUTA  DE  S.  MIGUEL  EM  GIBRALTAR 


Em  todo  este  dia  navegámos  no  Mediterrâneo,  como 
sobre  um  delicioso  e  sereno  lago,  emquanto  costeámos  a 
Hespanha. 

Tão  doce  e  aprazível  nos  foi  então  a  navegação,  sempre 
debaixo  de  um  céu  puro  e  ameno,  como  incommoda  e  des- 
agradável depois  que  chegámos  á  vista  da  costa  da  Barbe- 
ria,  onde  o  mar  principiou  a  agitar-se. 

No  dia  20  avistou-se  para  sueste  a  ilha  de  Gallita,  de 
natureza  vulcânica  e  deshabitada,  pertencente  ao  be}:  de 
Tunis.  É  importante  pela  pesca  de  coraes,  que  é  feita,  nas 
suas  proximidades,  por  italianos,  maltezes  e  tunesinos. 

O  mar  continuava  agitado,  e  o  calor  intenso  e  suffo- 
cante. 


6  A  índia  . 

No  dia  2  1  avistámos  a  ilha  de  Pantellaria,  a  antiga  Go- 
syra,  semeada  de  lindas  e  alvejantes  casinhas. 

Não  podemos  resistir  á  tentação  de  tirar  um  esboço  d^ella, 
ainda  que  o  incommodo  do  enjoo,  por  effeito  do  movimento 
do  vapor,  mal  nol-o  permittia.  Esta  ilha,  aonde  o  mytho- 
logico  Telemaco  encontrou  Galipso,  serviu  sempre  de  pre- 
sidio aos  napolitanos. 

A  navegação  no  Mediterrâneo  continuou  a  ser  incom- 
moda  por  causa  da  elevada  temperatura,  até  que  ao  pôr 
do  sol  uma  ligeira  brisa  moderou  o  calor  atmospherico. 
A  esse  tempo  avistámos  o  pharol  de  Gozzo,  na  ilha  de 
Malta,  e  saltámos  em  terra  de  Valette  pouco  depois. 

A  cidade  de  A^alette  Malta)  está  edificada  sobre  um  pro- 
montório alto  e  escarpado,  que  separa  duas  grandes  ensea- 
das. Vista  de  noite  do  ancoradouro,  produz  uma  estranha 
impressão  de  novidade.  No  jardim  que  fica  em  frente  do 
palácio  do  governo,  estivemos  contemplando  a  colossal 
estatua  de  bronze  que  representa  o  grão-mestre  portuguez 
D.  António  Manuel  de  A'ilhena,  ali  erigida  em  1736.  Aqui 
recordámos  os  nomes  dos  outros  grão-mestres  portugue- 
zes:  D.  Aftbnso  de  Portugal,  filho  natural  de  D.  Aflbnso 
Henriques,  D.  Luiz  Mendes  deVasconcellos  e  Manuel  Pinto 
da  Fonseca. 

Pela  meia  noite  deixámos  esta  bellissima  ilha,  que  na 
Volta  da  índia  podemos  ver  e  apreciar  melhor. 

Em  pouco  tempo  perdemos  de  vista  o  celebre  Forte 
Mqmiel,  construído  por  aquelle  grão-mestre  D.  António 
Manuel  de  Vilhena. 

Ao  romper  do  dia  2  5  começámos  a  ver  terra  do  Egypto, 
e  ás  dez  horas  ancorava  no  porto  de  Alexandria  o  Moolton. 
Ao  pormos  pé  na  praia  de  Alexandria,  fomos  immediata- 
mente  cercados  por  uma  innumeravel  multidão  de  indiví- 
duos, de  trajos  e  costumes  mui  ditíerentes  dos  nossos,  entre 
os  quaes  se  distinguiam  as  mulheres,  envoltas  dos  pés  até 
á  cabeça  n''uma  roupagem  azul,  deixando  apenas  ver  os 
olhos,  entre  os  quaes,  por  meio  de  um  tubo  de  metal,  ligam 


PORTUGUEZA 


a  parte  do  panno  que  lhes  cobre  a  cabeça,  á  que,  em  forma 
de  escapulário,  desce  quasi  até  aos  pés. 

Atravessando  as  ruas,  encontrámos  uma  quantidade  con- 
siderável de  camelos,  muares,  búfalos,  bois,  cavallos  e  ju- 
mentos em  grande  agitação  e  confusão,  que  recrudescia  pelos 
gritos  dos  differentes  conductores  egypcios,  árabes,  bedui- 
nos,  judeus  e  turcos. 

Difficil  foi,  portanto,  a  passagem  do  trem  que  nos  con- 
duzia ao  Peninsular  and  oriental  hotel,  situado  na  praça 
dos  Cônsules.  Notam-se  n"esta  praça  dois  lagos  com  repu- 
xos, alimentados  pelas  aguas  do  Nilo,  que  engenheiros 
francezes  para  ali  fizeram  conduzir  em  i856. 

Pouco  depois  de  chegarmos  ao  hotel,  dirigimo-nos  á 
residência  do  sr.  Populani,  cônsul  geral  de  Portugal,  para 
lhe  entregar  uma  carta  do  ex."^°  e  sempre  lembrado  conse- 
lheiro Rodrigo  de  Moraes  Soares,  director  geral  do  minis- 
tério das  obras  publicas,  na  qual  lhe  recommendava  a 
compra  de  cavallos  árabes  para  padrear.  Não  encontrámos 
o  sr.  Populani,  que  por  esta  occasião  andava  viajando  pela 
Europa.  Disse-nos,  porem,  o  agente  consular,  que  os  bons 
cavallos  árabes  se  não  encontram  em  Alexandria,  mas  em 
Suez,  aonde  os  beduínos  costumam  ir  vendel-os. 

O  pouco  tempo,  seis  horas  apenas,  que  nos  demorámos 
em  Alexandria,  empregámol-o  em  visitar  a  cidade,  que  se 
compõe  de  duas  partes  distinctas:  uma  habitada  pelos  tur- 
cos e  indígenas,  e  a  outra  pelos  europeus,  sendo  a  praça 
dos  Cônsules  o  centro  doesta  ultima,  cujos  edifícios  elegan- 
tes e  vistosos  parecem  ter  todas  as  condições  h3'gienicas 
para  se  poder  viver  com  commodidade  n''esse  cálido  clima. 
É  na  parte  superior  da  praça  dos  Cônsules  que  está  si- 
tuado o  sumptuoso  palácio  em  que,  então,  residia  o  irmão 
do  vice-rei  do  Eg3'pto.  O  bairro  em  que  habitam  os  "indí- 
genas e  mouros,  exceptuando  as  mesquitas  e  as  habitações 
dos  turcos,  compõe-se  de  miseráveis  choças  de  terra,  onde 
vivem  os  desgraçados  yc/j/zj-,  representantes  da  escala  infe- 
rior da  sociedade  egypcia. 


A  índia 


Ás  cinco  horas  da  tarde  partimos  de  Alexandria  pelo  ca- 
minho de  ferro  para  o  Cairo.  A  esquerda  da  linha  férrea,      ' 
vèem-se  plantações  e  culturas  regulares^  palacetes  elegan-      ; 
tes,   com  vistosos   jardins,   estradas  orladas  de  palmeiras,      j 
formando  contraste  com  a  parte  que  fica  á  direita  da  mes- 
ma linha,  que  é  árida  e  composta  de  terrenos  siliciosos,  de 
aspecto  melancholico  e  lúgubre.   Esta  parte  é  cortada  ao     \ 
occidente  por  um  braço  do  Mediterrâneo.  I 

Em   seis  horas  percorremos,  pelo  caminho  de  íerro,  o 
espaço  comprehendido  entre  Alexandria  e  o  Cairo;  ás  onze     ; 
horas  da  noite  entravamos  no  SIicpheard's  hotel. 


ILHA  DE  (ÍALLITA 


No  dia  26  logo  de  manhã  cedo  atravessámos,  montados    | 
em  um  pequeno  jumento,  meio  de  transporte  muito  usado    , 
no  Cairo,  a  planicie  que  separa  Boiílag  do  Grão  Cairo,  e 
cujo  aspetto  é  magestoso.  Em  seguida  entrámos  nas  longas    \ 
ruas  da  cidade,  estreitas,  tortuosas  e  térreas,  ladeadas  de 
casas  pela  maior  parte  de  tristíssima  apparencia,  e  dirigi-    ' 
mo-nos  á  esplendida  mesquita  de  Mahomet  Ali,  particular- 
mente considerada  como  o  templo  do  islamismo,  em  que 
o  génio  árabe  desenvolveu  todo  o  seu  enthusiasmo  e  fecun- 
didade. Ao  entrar  na  mesquita  tivemos  de  nos  descalçar, 
e  pagar  i  shilling  aos  egypcios,  que  nos  abriram  as  por-    ' 
tas  do  templo,  e  nos  calçaram  umas  alpercatas  de  panno,    j 


PORTUGUEZA 


recommendando-nos  que  conservássemos  o  chapéu  na  ca- 
beça para  podermos  passar  ao  interior. 

Esta  mesquita,  situada  no  centro  do  castello  do  Cairo, 
é  construida  de  grés  vermelho  e  porph3TO  syenitico.  O  grés 


ILHA  DE  PANTELLARI;! 


é  Igual  ao  das  magnificas  agulhas  de  Cleópatra  e  columna 
de  Pompeu,  que  vimos  em  Alexandria. 


wí'V- 


PHAROL  DE  GOZZO 


O  interior  é  de  uma  magnificência  surprehendente.  As 
paredes  são  revestidas  de  S3'enites  granitoides  e  de  por- 
phyro,  de  que  é  bordada  toda  a  bacia  do  golfo  de  Suez. 
Em  uma  riquissima  capella  á  direita  da  entrada,  está  o 
tumulo  de  oiro  do  fundador  Mahomet  Ali,  esse  soldado 


ro  A  índia 

albanez  que,  depois  de  aniquilar  os  mamelukos,  lançou  os 
fundamentos  da  regeneraçcão  egypcia. 

De  sobre  as  muralhas  do  castello  avista-se  em  todas  as 
direcções  um  panorama  extenso  e  esplendido.  Na  parte 
inferior,  a  grande  cidade  cortada  por  dezenas  de  ruas  e 
travessas,  com  suas  numerosas  torres,  zimbórios  e  mina- 
retes; em  frente,  o  Nilo  cheio  de  embarcações  de  differente 
construcção;  do  lado  direito,  o  deserto  de  Gi:{eh  com  as 
celebres  pyramides  Cheops  e  Giasur  e  outras  mais  peque- 
nas, e  o  Sphinge;  do  lado  opposto,  outro  deserto  e  as  mon- 
tanhas escalvadas  que  o  costeiam. 

Visitámos  em  seguida  o  Poço  de  José,  uma  das  curiosi- 
dades mais  interessantes  da  cidadella,  e  no  plano  superior 
d'esta  uma  parte  do  palácio  do  pachá.  Nada  ali  havia  de 
notável,  que  nos  prendesse  a  attenção,  senão  as  cavalla- 
riças  de  Said  Passeia,  onde  admirámos  bellissimos  cavallos 
numidas  e  árabes  de  pellame  branco;  e  no  dia  immediato 
vimos  os  jardins  e  o  palácio  de  estio  do  vice-rei. 

Passámos  pela  vasta  praça  de  Esbckydi,  adornada  com 
ricos  palácios  do  vice-rei  e  de  differentes  personagens  tur- 
cos e  eg3'pcios,  seguindo  por  uma  rua  que  corre  ao  longo 
da  cidade  na  extensão  de  2  kilometros,  toda  arborisada  de 
rumboll  (íicus  glomerata),  acácias  e  outras  arvores  de  orna- 
mento. 

Nos  jardins  de  Said  Passeia,  então  vice-rei  do  Egypto, 
onde  se  vêem  plantas  de  todas  as  latitudes  conjunctamente 
com  as  indígenas,  encontra-se,  ao  fim  de  uma  extensa  ala- 
meda, o  grandioso  e  esplendido  kiosk  de  Choiibra,  e  outros 
de  menor  grandeza,  mas  todos  magnificentes. 

O  palácio  de  estio,  coUocado  no  centro  dos  jardins,  é  1 
superior  a  tudo  quanto  em  maravilhas  se  descreve  nas  Mil  i 
e  uma  noites!  \ 

Havendo  saído  do  Cairo  ás  oito  horas  da  tarde  do  dia  26     \ 
de   agosto,  pela  linha  férrea   que   atravessa  o  deserto  de 
Gizeh,  chegámos  a  Suez  pelas  duas  horas  da  manhã  do  dia 
27,  tendo  atravessado  o  deserto  em  seis  horas.  As  quarto 


PORTUGUEZA  1 1 


horas  da  manhã  estávamos  a  bordo  do  Malta,  um  dos 
melhores  paquetes  da  linha  ingleza  no  mar  das  índias,  que 
nos  devia  conduzir  a  Bombay. 

O  ancoradouro  dos  grandes  vapores  da  carreira  do  Mar 
Roxo  fica  distante  da  cidade  de  Suez,  por  causa  dos  bai- 
xios da  enseada.  A  sua  navegação  é  feita  em  pequenos 
vapores,  que  conduzem  os  passageiros  e  as  bagagens  até 
pouco  alem  do  sitio  memorável,  em  que,  segundo  a  opinião 
mais  geralmente  recebida,  se  eflectuou  a  passagem  dos  he- 
breus conduzidos  por  Moysés. 

Desde  27  de  agosto  até  o  i .°  de  setembro  navegámos  so- 
bre o  Golfo  Arábico  ou  Mar  Roxo,  aonde  as  gloriosas  qui- 
nas portuguezas  abateram  a  soberba  do  leão  de  S.  Marcos. 

Nos  primeiros  dois  dias  de  viagem  soffremos  uma  brisa 
forte  e  contraria,  que  agitava  consideravelmente  o  mar. 
No  terceiro  dia  acalniou  o  vento,  succedendo-se  então  um 
calor  suffocante,  que  augmentou  de  intensidade  na  passa- 
gem do  trópico.  Aqui  vivemos  durante  cinco  dias  uma  vida 
monótona  e  triste,  para  a  qual  predispõe  o  árido  aspecto 
da  costa,  quer  da  Africa,  quer  da  Arábia.  As  vezes,  para 
interromper  aquella  monotonia,  entretinhamo-nos  em  dese- 
nhar as  montanhas  e  os  rochedos  solitários,  despovoados 
de  vegetação,  ou  contemplando  ao  mesmo  tempo  grandes 
cardumes  de  peixes  voadores,  que  por  ali  pairam. 

Para  cumulo  de  enfado,  sente-se  também  uma  difterença 
de  tratamento  a  bordo,  que  só  se  poderá  explicar  pela  que 
ha  entre  os  usos  inglezes  na  Europa,  onde  elles  sustentam 
a  liberdade,  e  na  Ásia  aonde  ostentam  a  auctoridade. 

Havendo  no  dia  i."  de  setembro  transposto  as  portas  do 
estreito  de  Bab-el-Mandeb,  seguimos  ao  longo  da  costa 
sul  da  Arábia  Pétrea,  e  entrámos  no  porto  de  Aden  para 
metter  carvão. 

Aden,  aonde  o  calor  é  suffocante,  e  a  terra  exhala  um 
cheiro  ammoniacal  e  sulphureo,  é  imponente  pelo  aspecto 
de  suas  altas  montanhas  de  natureza  vulcânica,  denegridas, 
nuas  e  de  forma  phantastica,  aonde  raro  desponta  alguma 


12 


A   índia 


panicula  rachitica,  que  cresce  nas  quebradas  mais  abriga- 
das e  húmidas.  Foi  d^ili  que  Aftbnso  de  Albuquerque  ex- 
pulsou os  árabes  em  i5i3. 

A  cidade,  situada  entre  montanhas  modernamente  forti- 
ficadas, consiste  n\ima  pequena  reunião  de  casas  construi- 
das  de  pedra  e  cal,  e  de  bella  apparencia.  Tem  duas  igre- 
jas: uma  catholica  e  outra  protestante.  Esta  está  n'uma 
elevação,  e  é  de  pedra  e  cal;  a  catholica  é  construída  de 
taipa  e  coberta  de  capim.  Cerca  d'esta  igreja  existem  algu- 
mas arvores  e  arbustos  da  familia  das  leguminosas,  devidas 


SHEPHEARD  S   HOTEL 


aos  perseverantes  cuidados  dos  missionários  e  dos  inglezes, 
que  em  toda  a  parte  procuram  forçar  a  natureza  a  satisfazer 
aos  seus  caprichos. 

O  nosso  desejo  de  ver  os  bons  cavallos  árabes  foi  satis- 
feito em  Aden.  Aqui  os  vimos,  montados  por  beduínos  do 
deserto,  e  soubemos  então  de  um  missionário  hespanhol, 
que  um  cavallo  da  melhor  raça  custava  i  :ooo  francos.  Estes 
cavallos  são  importados  de  Hadramant  e  Nedjed,  bem  como 
as  duas  raças  de  camelos  empregados  na  cavallaria  e  nas 
conduccões  de  mercadorias. 


PORTUGUEZA 


l3 


Na  praia  da  bahia  oriental,  fora  da  cidade  e  distante 
d'ella  5  kilometros,  estão  installados  os  quartéis  dos  offi- 
ciaes  e  soldados  inglezes,  assim  como  os  abarracamentos, 


MONTANHAS  DA  ARÁBIA 


por  ser  esta  posição  mais  fresca  e  saudável.  É  também  ali 
que  se  acha  estabelecido  o  Pr  ince  ofWalks  Hotel,  do  persa 
Sorabjee  Cowasjee. 


ESTREITO  DE  BAB-EL-MANDEb 


As  duas  horas  da  manhã  do  dia  2  de  setembro  deixámos 
a  bahia  de  Aden,  sem  saudade  do  clima  e  dos  indígenas 
que  nos  perseguiam  constantemente,  otíerecendo-nos  pro- 
ductos  marinhos  e  pennas  de  aves. 


14  A  índia 

Havendo  perdido  de  vista  a  costa  da  Arábia  Pétrea  no 
dia  3,  e  já  quando  navegávamos  em  frente  do  Golfo  Pér- 
sico sobre  o  mar  de  Oman,  uma  multidão  de  delphins  veiu 
rodear  o  Malta,  e  annunciar-nos  a  tormenta  no  mar,  que 
effectivamente  soflremos  até  ao  dia  6,  dois  dias  antes  de 
chegarmos  a  Bombay. 

Na  tarde  do  dia  8  ancorou  o  Malta  no  porto  de  Bombay. 

No  dia  10,  como  não  podessemos  obter  transporte  para 
Goa,  por  haver  poucos  dias  antes  naufragado  o  vapor  da 
carreira  do  sul,  fomos,  a  convite  do  sr.  Braz  Fernandes, 
que  então  era  vice-consul  portuguez  em  Bombay,  residir 
com  elle  em  Bandorá,  até  se  restabelecer  a  carreira  de  va- 
pores para  Goa,  o  que  só  teve  logar  no  dia  29  de  setem- 
bro. 

Seja-nos  permittido  consignar  aqui  á  memoria  do  sr.  Braz 
Fernandes  o  nosso  reconhecimento  pela  obsequiosa  hospi- 
talidade, que  se  dignou  prestar-nos  durante  o  tempo  que 
nos  demorámos  em  Bandorá. 

A  segurança  e  vastidão  de  seu  porto  e  á  sua  situação 
a  respeito  dos  golfos  da  Pérsia  e  da  Arábia,  deve  Bom- 
bay o  engrandecimento  do  seu  commercio,  e  ser  actual- 
mente — como  foi  Goa,  nos  tempos  do  nosso  grande  poder 
na  Ásia —  o  empório  commercial  de  toda  a  costa  occidental 
da  índia. 

A  ilha  de  Bombay  propriamente  dita,  foi  antigamente 
(como  é  sabido)  possessão  portugueza,  da  qual  tomaram 
posse  os  inglezes  em  4  de  fevereiro  de  i665,  em  virtude 
dos  tratados  e  convenções  celebrados  entre  as  coroas  de 
Portugal  e  da  Gran-Bretanha  em  1661,  por  occasião  do 
casamento  da  infanta  D.  Catharina,  irmã  de  D.  AífonsoVI 
de  Portugal,  com  el-rei  Carlos  II  de  Inglaterra.  Tem  na 
sua  maior  extensão,  desde  a  ponta  ao  sueste  em  que  se 
acha  estabelecido  o  arsenal  até  á  porta  de  Sion  junto  ao 
esteiro,  que  a  separa  pelo  norte  da  ilha  de  Salcete,  8  mi- 
lhas, e  de  largura  3.  Está  separada  do  continente  da  índia 
por  um  braço  de  mar,  que  lhe  forma  o  porto. 


1 


CARTA 

FOZ  DO  MANDOVY  EDO   ZUARy 


> '  W»^ 


I  lírlino-acL. 


Jr.\fc\ 


y'M\<S:^-:^, 


PORTUGUEZA  j  5 


O  recinto  da  nossa  antiga  fortaleza  (hoje  inteiramente 
arrazada)  inclue  a  capital,  entre  a  qual  e  os  bairros  de 
Solapur,  Cavei  e  Calcavady  se  estende  uma  vasta  expla- 
nada, denominada  Campal,  cortada  em  differentes  sentidos 
por  estradas  espaçosas,  macadamisadas  e  orladas  de  fron- 
dosas arvores. 

_  Bombay— capital  virtual  do  grande  império  indo-britan- 
nico-vê,  cada  anno,  surgir  novos  editicios,  novos  estabe- 
lecimentos de  beneficência  e  utilidade  publica.  Encerra  no 
seu  seio  uma  universidade,  hospitaes,  museus,  jardins  botâ- 
nicos, collegios,  arsenaes,  estaleiros,  docas,  emfim,  tudo  o 
que  caracterisa  e  constitue  um  grande  centro  de  civilisaçao. 
No  dia  29  de  setembro  embarcámos  no  Hilliuson  vapor 
da  linha  do  sul  da  índia,  que  de  Bombav  nos  conduziu  a 
Goa.  Esta  curta  viagem  foi  summamente  penosa,  em  con- 
sequência da  grande  agitação  do  mar,  e  dos  últimos  agua- 
ceiros da  estaçcão  pluviosa. 

Ao  alvorecer  do  primeiro  dia  de  outubro  fundeávamos 
em  frente  da  praça  de  Aguada,  na  foz  do  amplíssimo  rio 
Mandovy,  exactamente  no  sitio  onde  cinco  annos  depois 
de  conquistar  Goa  ao  Hidal-Kan,  falleceu  em  1 6  de  dezem- 
bro de  iDi5  o  Marte  portuguez,  AlTonso  de  Albuquerque, 
mal  com  os  homens  por  amor  de  cl-rei,  mal  com  el -rei  por 
amor  dos  hom.ens. 

Uma  hora  depois  do  Hilliuson  checar  á  barra  de  Goa 
navegávamos  sobre  as  aguas  do  Mandovv  em  um  escaler' 
que  de  Pangim  tinha  vindo  á  rada  receber  miss  Elisabeth 
Johanna  Eleonora  Lobato  de  Faria,  esposa  do  sr.  major 
do  exercito  de  Goa,  Eduardo  Lobato  de  Faria,  que  junta- 
mente com  uma  creada  malaia,  nos  fora  em  Bombay  re- 
commendada  pelo  vice-consul.  O  escaler  era  tripulado' .por 
marinheiros  indígenas,  de  cor  escura,  e  a  quem  somente  um 
panno  cobre  as  partes,  que  a  cobrir  natura  ensina. 

A  barra  de  Goa  terá  de  largura  na  entrada  2,5  a  3  kilo- 
metros.  Ao  norte  fica  a  fortaleza  de  Aguada,  e  ao  sul  o 
outeiro  do  Gabo.  Esta  barra,  onde  desemboca  o  Mandovy, 


ib  A  índia 

é  desabrigada,  e  os  navios  ficam  em  perigo  todas  as  vezes 
que  ha  temporaes  do  sudoeste.  É  por  isso  que  durante  o 
inverno,  que  principia  depois  de  20  de  maio  e  dura  até  fins 
de  setembro  — ainda  que  o  dia  10  de  agosto  ou  de  S.  Lou- 
renço seja  consagrado  á  abertura  da  barra,  segundo  a 
antiga  crença  do  povo  de  Goa —  os  navios  que  chegarem 
a  este  porto,  ou  que  vierem  corridos  pelo  tempo,  devem 
procurar  a  barra  de  Mormugão  ao  sul  da  barra  de  Aguada, 
entre  o  cabo  e  a  fortaleza  de  Mormugão  ao  noroeste  de 
Salcete,  como  se  vê  no  desenho,  aonde  podem  entrar  em 


todo  o  tempo,  e  abrigar-se  das  travessias  do  inverno  da 
costa.  ! ' 

Em  outros  mezes  do  anno  o  surgidouro  da  Aguada  é  H 
excéllente.  O  fundo  de  meia  barra  para  o  norte  e  de  meia 
barra  para  o  sul,  assim  como  todo  o  canal  até  ao  surgi- 
douro de  Pangim,  é  de  pedra  e  areia,  e  d''ahi  para  diante 
até  á  velha  cidade  de  Goa  é  de  lodo. 

A  praça  de  Aguada  tem  um  pharol  do  S3-stema  Argand, 
de  luz  catoptrica,  fazendo  trinta  voltas  por  hora,  e  visível 
a  distancia  de  26  milhas  geographicas.   Este  pharol  está  | 
situado  a  8õ"^,65  acima  da  mais  alta  maré,  e  a  i5°  29'  17" 
de  latitude  N.  e  78°  4.3'  46"  de  longitude  E.  de  Greenwich. 


PORTUGUEZA 


17 


O  estabelecimento  do  porto  de  Goa,  isto  é,  a  hora  da 
maré  cheia  das  aguas  vivas,  ou  cabeça  de  agua,  como  lhe 
chamam  os  práticos,  é  ás  1 1  horas  e  40  minutos. 

A  preamar  de  aguas  vivas  augmenta  sobre  a  sua  baixa- 
mar  2-,o  a  2-,5o,  e  a  preamar  de  aguas  mortas  augmenta 
sobre  a  baixamar  de  aguas  vi\-as  de  i™,32  a  1"^  54. 


HOLLOW  ROAD'(Ar)EN) 

Na  occasiáo  em  que  o  escaler  navegava  nas  proximida- 
des do  frondoso  palmar  de  Carazalem,  junto  ao  forte  de 
«-aspar  Dias,  não  podemos  conter  uma  exclamação  de 
espanto,  que  nos  provocara  o  esplendor  da  paizagem  que 
se  nos  offerecia  á  vista.  r        d        m 


i8 


A  índia 


Por  entre  as  bellezas  de  uma  natureza  luxuriante  sobre- 
saía  a  cidade  que  fôra  theatro  de  grandes  glorias  portu- 
cTuezas  O  sr.  capitão  Joaquim  Lobato,  que  presenciara  o 
nosso  enthusiasmo,  ponderou  que:  «ô  estado  de  Goa  era 
a  parte  do  Indostão  mais  favorecida  da  natureza,  e  que 
offerecia  paizagens  mais  encantadoras.  E  na  opmiao  de 
todos  os  viajantes  o  mais  esplendido  e  ameno  paiz  da  costa 

do  Malabar». 

E  este  o  bellissimo  paiz  que  ha  trezentos  cincoenta  e 
três  annos,  approximadamente,  o  insigne  capitão-mór  Af- 
fonso  de  Albuquerque  conquistou  pela  primeira  vez,  vindo, 
por  conselho  de  Timoja,  com  21  embarcações  e  r.boo  ho- 
mens, fundear  na  barra  de  Aguada  no  dia  i5  de  fevereiro  de 
iSio  Em  seguida  mandou  sondar  o  rio  por  seu  sobrinho 
D  António  de  Noronha,  que  sendo  presentido  pelos  mouros 
da  auarnicão  do  castello  de  Pangim  (hoje  palácio  do  go- 
verno) teve  de  sustentar  um  renhido  combate,  do  qual  re- 
sultou a  tomada  do  castello,  permittindo  ao  capitao-mor 
navegar  rio  acima,  e  ir  fundear  a  sua  frota  cm  frente  da 
cidad^^e  de  Goa,  aonde  entrou  no  dia  16  com  assentimento 
dos  principaes  habitantes.  _      ,     r,     a'    r 

Três  mezes  depois  veiu,  pela  província  de  Ponda,  La- 
mal-Kan  assentar  o  seu  arraial  defronte  do  castello  de 
Benastary,  pondo  cerco  á  cidade  quando  se  lhe  reuniu  o 
Hidal-Kan  com  60:000  homens  de  seu  commando. 

Não  podendo  defender  a  cidade,  embarcou,  muito  a 
custo  Alíonso  de  Albuquerque,  na  sua  frota,  e  veiu  no  dia 
3  I  de' maio  postar-se  emre  Ribandar  e  Pangim.  Numa  si- 
tuação cheia  de  embaraços  esteve  a  frota  durante  três 
me/es  soffrendo  toda  a  sorte  de  privações  e  doenças,  ate 
que  em  agosto  pôde  sair  a  barra  e  dirigir-se  a  Cananor. 

Em  24  de  novembro  do  mesmo  anno  voltou  a  fundear 
na  barra  de  Aguada  com  i:5oo  portuguezes  e  3oo  malabares 

em  23  velas.  . 

Durante  a  noite  penetrou  no  no  Mandovy,  e  íoi  postar- 
se  cm  frente  da  cidade  de  Goa,  que  na  madrugada  do  dia 


PORTUGUEZA 


IQ 


25  atacou  denodadamente,  e  a  tomou,  entrando  n'ella  pela 
porta  da  Ribeira,  depois  de  violento  combate. 

Em  abril  de  i5i  i,  havendo  estabelecido  o  governo  da  ci- 
dade, e  confiado  a  sua  defeza  a  400  portuguezes,  partiu 
Affonso  de  Albuquerque  para  Cananor,  Cochim,  Sumatra  e 
Malaca. 

Voltando  a  Cochim,  recebeu  a  noticia  de  que  a  cidade  de 
Goa  estava  novamente  cercada  pelo  Hidal-Kan.  ^'indo  em 
soccorro  dos  sitiados,  apoderou-se  do  castello  de  Benastar}' 
(depois  denominado  de  S.  Thiago)  e  derrotou  o  exercito 
inimigo. 

Em  18  de  fevereiro  de  i5i3  partiu  de  Goa  em  direcção 
ao  Mar  Roxo.  Chegando  a  Aden  acommetteu  a  cidade,  e, 
três  dias  depois,  mandou  queimar  as  embarcações  dos 
mouros  surtas  na  bahia,  e  largar  as  velas  para  o  Golfo 
Arábico,  objecto  principal  da  sua  viagem. 

Apenas  chegou  a  Bab-cl-Mandcb  mandou  embandeirar  a 
frota  e  salvar  com  toda  a  artilheria  em  satisfação  de  haver 
transposto  o  estreito,  até  então  desconhecido  aos  mareantes 
christãos. 

No  dia  seguinte  navegou  em  direcção  á  ilha  de  Gibel 
Çocor,  e  doesta  passou  á  de  Camarão,  aonde  os  temporaes 
o  obrigaram  a  invernar. 

Voltando  a  Aden,  tomou  alguns  navios  aos  mouros,  e 
largou  para  a  índia.  Dobrou  o  cabo  Jaquete  e  foi  surgir  no 
porto  de  Diu,  d'oncie  partiu  para  Chaul  e  de  lá  para  Goa. 

Tendo  visitado  todas  as  fortalezas  do  dominio  portuguez 
no  Oriente,  e  providenciado  sobre  o  despacho  das  naus  do 
reino,  mandou  apparelhar  a  armada,  que  o  devia  transpor- 
tar a  Ormuz,  onde  chegou  no  dia  26  de  março  de  i5i5. 

De  volta  da  sua  expedição  ao  Golfo  Pérsico,  attribulado 
por  mil  desgostos,  e  gravemente  doente,  o  egrégio  conquis- 
tador d"'esta  região  encantadora  e  deliciosa  chegou  á  barra 
de  Goa,  e  deixou  de  existir,  como  já  dissemos,  pelas  cinco 
horas  da  manhã  do  dia  16  de  dezembro  de  i5i5,  tendo 
sessenta  e  três  annos  de  idade. 


20 


A  índia 


Depois  do  escaler  transpor  a  restinga  do  banco  da  barra, 
seguindo  encostado  á  praia  do  Campal  de  D.  Manuel,  o 
sr.  Lobato  proseguiu:  «Ahi  temos  Pangim.  É  a  cidade  do 
conde  de  Torres  Novas,  o  iniciador  das  grandes  estradas, 
e  de  todos  os  melhoramentos  materiaes  da  epocha  presente 
na  índia  portugueza». 


BANDORÁ  —  RESIDÊNCIA  DO  VICE-CONSUL  PORTUGUEZ  EM  BOMBAV 


A  cidade  de  Pangim,  entremeada  de  bosques  mais  ou 
menos  fechados,  de  palmeiras  verde-negras,  vista  n^aquella 
occasião  em  que  se  achava  dourada  pelo  arrebol  da  manhã, 
infundiu-nos  uma  alma  nova. 


CAPITULO  II 


Conde  de  Torres  Novas  — Possessões  portuguezas  na  Ásia  — Principaes 
rios  do  território  de  Goa  — Clima  — Estatistica  —  Ossoró  —  Pancathy 
—  Sigamó  —  Adáo  —  Ganez  —  Ribandar  —  Machila  —  Convento  de 
Chimbel  — Hospital  da  Misericórdia  — Fabrica  da  pólvora  —  Semi- 
nário do  Chorão  — Forte  de  Santo  Estevão  — Goa  — Principaes  edi- 
fícios da  cidade  velha  de  Goa  — Igreja  do  Bom  Jesus— Tumulo  de 
S.  Francisco  Xavier 


y  OUÇO  depois  da  nossa  chegada  a 
Pangim,  fomos  apresentar-nos 
oíficialmente  no  palácio  do  go- 
verno geral. 

S.  ex.'''  o  sr.  conde  de  Torres 
Novas,  de  um  caracter  levanta- 
do e  firme,  de  uma  alma  gene- 
rosa e  nobre,  dignou-se  receber- 
nos  com  a  sua  costumada  e 
nunca  desmentida  benevolência 
e  extremada  delicadeza,  oftere- 
cendo-nos  no  seu  palácio  franca 
hospedagem,   da  qual   tivemos 

a  honra  de  nos  utilisar  até  janeiro  de  i8ó5,  epocha  em  que 

se  retirou  para  Portugal. 


22  A   ÍNDIA 

Náo  obstante  ser  bem  conhecida  a  vida  publica  doeste 
benemérito  e  illustre  general,  corria  nos  o  grato  dever  de 
escrever  n^este  logar  a  sua  biographia,  se  a  natureza  doeste 
trabalho  o  comportasse, 

Limitar-nos-hemos,  portanto,  a  fazer  uma  concisa  rese- 
nha dos  principaes  actos  e  demonstrações  que  os  assigna- 
laram  durante  o  seu  governo  no  Estado  da  índia. 

Tendo  sido  nomeado  governador  geral  do  mesmo  Estado 
em  i855,  o  seu  primeiro  acto,  depois  de  tomar  conta  do 
governo,  foi  pacificar  o  paiz  — em  guerra  desde  18^2  — 
com  a  persuasão  e  medidas  de  suave  e  recta  administração 
de  justiça,  conseguindo  por  estes  meios  a  restauração  das 
aldeias  da  província  de  Satary,  arruinadas  pelos  estragos' 
causados  pela  guerra  de  que  fora  theatro. 

Em  1837,  durante  a  guerra  dos  S3'paes  da  índia  ingleza, 
prestou  importantíssimos  serviços  ao  governo  de  sua  ma- 
gestade  britannica,  facilitando,  através  do  território  de  Goa, 
a  marcha  de  tropas  inglezas  destinadas  a  debellar  a  insur- 
reição de  uma  parte  do  exercito  de  Bombay. 

Em  novembro  de  iSoy,  de  accordo  com  o  governo  da  pre- 
sidência de  Bombay,  estabeleceu  a  primeira  linha  de  tele- 
grapho  eléctrico  de  Belgão  a  Goa,  de  que  resultaram  para 
o  Estado  da  índia  as  grandes  vantagens  que  hoje  está  aufe- 
rindo. 

Em  março  de  i858  foi  reconduzido  por  mais  três  annos 
no  cargo  de  governador  geral,  recebendo  por  essa  occasião 
do  ministro  da  marinha  e  ultramar  um  ofticio,  onde  se  lê  o 
seguinte:  «Exigindo  a  conservação  da  boa  ordem  e  da  segu- 
rança do  Estado  da  índia,  que,  durante  a  crise  violenta  por 
que  está  passando  o  império  inglez  na  índia,  o  governo  de  - 
aquelle  Estado  esteja  confiado  a  mãos  hábeis,  e  que  pos- 
sam, por  providencias  adequadas,  evitar-lhe  os  perigos,  e 
compromettimentos  que  de  tal  crise  podem  resultar:  e  me- 
recendo  a   plena  approvação   de   sua  magestade  o  zelo  e     1 
acerto  com  que,  em  circumstancias  tão  melindrosas,  se  tem    j 
conduzido  o  actual  governador  do  referido  Estado,  seria  do    j 


1 


PORTUGUEZA 


23 


acerado  do  mesmo  augusto  senhor  que  o  dito  governador 
se  conservasse  n^aquella  commissão,  emquanto  as  circum- 
stancias  indicadas  assim  o  exigissem». 

S.  ex.'^  correspondeu  tão  plenamente  á  espectativa  do 
governo  da  metrópole,  que,  por  decretos  de  19  de  março 
de  18Ó1  e  8  de  abril  de  18(34,  foi  novamente  reconduzido 
no  governo  da  índia. 

Durante  o  seu  esclarecido  governo  tizeram-se  importan- 
tíssimas construcções  urbanas  em  Pangim;  melhoraram-se 
notavelmente  os  principaes  edifícios  religiosos,  civis  e  mili- 
tares de  Goa;  foram  construídas  muitas  e  extensas  estradas 
pelo  systema  moderno,  sendo  a  primeira,  a  que  de  Verem 
—  defronte  de  Pangim —  corre  todo  o  território  portuguez 
até  Sinquervale  na  fronteira  ingleza,  inaugurada  e  aberta  ao 
transito  publico  no  dia  ib  de  setembro  de  i858*. 


1  O  ex."">  conselheiro  Thomaz  Nunes  da  Serra  e  Moura,  procurador 
da  coroa  e  fazenda  de  Goa,  no  seu  relatório  de  3o  de  abril  de  1875,  res- 
pondendo ao  questionário  do  sr.  António  Pedro  de  Carvalho,  diz  o  se- 
guinte : 

«É  digno  de  ser  consultado  o  excelknie  relatório  dos  obras  publicas 
que  se  executaram  em  Goa,  desde  a  posse  d'aquelle  sempre  lembrado 
governador  (conde  de  Torres  Novas)  até  ao  fim  de  fevereiro  de  1864, 
cetJi  vieres  do  seu  governo;  trabalho  elaborado  pelo  fallecido  visconde 
de  Bucellas,  coronel  inspector  das  obras  publicas  d'este  Estado. 

«Entre  estas  obras  legadas  ao  paiz  por  aquelle  varão  illustre,  que 
tão  grata  memoria  deixou  na  Índia  portugueza  e  ingleza,  avultam  as 
seguintes: 

«Onze  estradas  principaes,  alem  das  vicinaes  (e  da  de  Sinquervale, 
acima  mencionada),  taes  como  a  estrada  de  Ribandar,  a  de  Ribandar 
ao  Pelourinho,  a  de  Santa  Ignez  a  D.  Paula,  a  de  Pernem,  a  de  Torres 
Novas,  a  do  antigo  Pelourinho  á  passagem  de  S.  Braz,  a  do  Pelourinho 
ás  ruinas  do  convento  de  S.  Paulo,  a  do  Carril,  a  estrada  principal  do 
concelho  de  Bardez.  a  estrada  principal  do  concelho  de  Salcete;  cinco 
cães;  obras  dos  cemitérios  em  differentes  pontos;  reforma  e  conserva- 
ção dos  conventos  da  Madre  de  Deus,  de  S.  Caetano,  de  S.  Francisco, 
do  Cabo,  do  Pilar,  e  da  igreja  do  Bom  Jesus,  deposito  sagrado  do  apos- 
tolo das  Índias,  S.  Francisco  Xavier;  obras  da  contadoria  geral,  do  gran- 
de quartel  da  capital;  nas  igrejas  em  Pernem,  Canácona,  Galgebaga, 


24 


A  índia 


Sobre  obras  publicas  muito  fez  o  liberal  e  illustrado  conde 
deTorres  Novas,  que  bem  se  pôde  denominar  o  regenerador      \\ 
da  índia  portugueza.  ij 


CONDE  DE  TORRES  NOVAS 


S.  ex.'*,  respeitando  sempre  a  legitima  liberdade  dos  ci- 
dadãos, conseguiu  que  se  traduzisse  em  verdade  o  direito 
e  as  praticas  constitucionaes. 


Pondá  e  Sirodá;  algumas  metas  novas,  como  a  deTorxem,  Darval,  Nei- 
baga,  etc;  obras  no  palácio  archiepiscopal  de  Panelim  e  no  palácio  do 
governo  geral  na  capital;  oito  pontes,  como  a  de  Assenorá,  Nanorá 
Mapuçá,  etc;  e  outras  obras  em  postos,  praças  e  quartéis;  o  trapiche 
da  alfandega  principal;  ruas  da  cidade  velha,  da  capital  e  da  villa  de 
Mapuçá,  etc;  sendo  a  importância  das  170  verbas,  de  que  consta  o 
referido  relatório,  de  um  miihâo  e  quinhentos  mil  xeratins,  sem  que 
fosse  necessário  para  taes  obras  o  sacriticio  do  lançamento  de  novas 
contribuições.» 


PORTUGUEZA 


2  D 


Promoveu,  por  quantos  meios  estavam  ao  seu  alcance, 
o  bem  estar  moral  e  material  dos  habitantes  do  Estado  da 
índia  portugueza  confiado  ao  seu  governo  paternal.  E  aquel- 
les  povos,  fazendo-lhe  a  devida  justiça,  corresponderam  aos 
seus  desvelos,  dando-lhe  contínuas  e  plenas  demonstrações 
de  obediência,  de  sj^mpathia  e  de  reconhecimento. 


BIO  DE  CHAPORA 


O  seu  procedimento  na  índia  correspondeu  plenamente 
ás  esperanças  que  havia  feito  conceber  a  sua  merecida 
reputação,  pelos  seus  excellentes  dotes  pessoaes,  por  sua 
intelligencia  e  bravura,  pelo  amor  ao  estudo  e  por  enthu- 
siastica  adhesão  á  causa  da  liberdade,  pela  qual  luctou 
sempre  como  valente,  leal  e  dedicado  soldado,  com  a  maior 
abnegação  e  o  mais  extremado  patriotismo. 

O  governo  da  metrópole  não  deixou  de  reconhecer  igual- 
mente os  relevantes  serviços  que  o  ex.'"^  conde  prestou  du- 
rante os  nove  annos  que  governou  a  índia,  como  consta  das 
diíferentes  peças  officiaes  de  louvor  e  remuneração  de  ser- 
viços publicadas  no  Relatório  ou  defeca  e  reclamação  da 


•20  A   índia 


junta  de  fj-enda  publica  do  Estado  da  índia  dirigida  a  sua 
magcstade  el-rei  em  1864,  e  publicada  na  imprensa  nacio- 
narde  Nova  Goa.  N'este  importantissimo  relatório,  redigido 
pelo  ex."''°  conselheiro  Thomaz  Nunes  da  Serra  e  Moura 
—  então  procurador  da  coroa  e  fazenda,  e  hoje  juiz  da  re- 
lação de  Lisboa—  encontrarão  os  leitores  noticia  desenvol- 
vida do  modo  distincto  como  o  ex."^"  conde  se  desempenhou 
do  cargo  de  governador  geral  da  índia,  e  a  indicação  dos 
serviços  prestados  por  este  benemérito  da  pátria. 

O  retrato  do  illustre  conde  de  Torres  Novas  é  copia  de 
um  esboceto  a  lápis,  que  tirámos  do  natural  em  i863. 

Antes  de  proseguirmos  na  exposição  do  que  vimos  e  estu- 
dámos na  índia,  julgámos  conveniente  fazer  aqui  menção 
das  actuaes  possessões  portuguezas  n'aquella  parte  da  Ásia, 
que  são  as  que  se  seguem:  Território  de  Goa,  ilha  de  An-  \ 
gediva,  Damão,  Praganã-Nagar-Avely  e  Diu.  Estão  com- 
prehendidas  entre  as  latitudes  N.  14"  40'  e  20°  42'  e  as 
longitudes  E.  de  Greenwich  70°  2d'  e  74°  24',  e  demoram 
entre  o  Cabo  Comorim  e  o  golfo  de  Cambava. 

O  território  de  Goa  está  situado  na  orla  marítima  Occi- 
dental do  Indostão,  nos  limites  do  Concão  do  sul. 

Toda  esta  região  tem  io5  kilometros  de  comprido  desde 
Torxem  a  Polem,  e  60  de  largo,  desde  Mormugão  até  ao 
gatte  ou  montanha  de  Tinem,  abrangendo  proximamente  a 
superfície  de  400:000  hectares. 

Divide-se  geographicamente  em  províncias  das  Velhas  e 
Novas  Conquistas. 

As  provindas  das  Velhas  Conquistas  são: 

Ilha  deTissuaryou  de  Goa,  e  ilhas  adjacentes,  taes  como: 
a  ilha  de  Chorão,  da  Piedade,  Santo  Estevão  ou  de  Jua, 
Capão,  Corjuem,  Mota,  Totó  e  Combarjua;  províncias  de 
Bardez,  Salcete  e  ilha  de  Angediva  ao  sul  de  Caruwar. 

As  provindas  das  Novas  Conquistas  são  as  seguintes: 

Pernem  eTiracol,  Bicholim  ou  Batagrama-,  Satary,  Pondá 
ou  Antruz,  Embarbacem,  Cacorá,  Chandrovaddy,  Bally  e 
Astagrar  (sendo  as  cinco  ultimas  chamadas  provindas  de 


PORTUGUKZA  27 


Zambaulim  ou  Panchcmal),  Canácona  e  jurisdicção  de  Cabo 
de  Rama  ou  Cola'. 

A  ilha  de  Angediva  está  situada  na  costa  do  Malabar,  a 
70  kilometros  ao  S.  de  Pangim,  na  latitude  N.  i4''45' 674"  lo' 
de  longitude  E.  de  Greenwich. 

O  território  portuguez  de  Damão  está  situado  a  leste  do 
golfo  de  Cambaya  a  20*^  22'  de  latitude  N.  e  72°  35'  de 
longitude  E.  de  Greenwich;  achando-sc  a  Praganá-Nagar- 
Avely  a  SO.  e  completamente  separada  da  praça  de  Da- 
mão, na  distancia  de  20  kilometros. 

A  praça  e  cidade  de  Diu  estanceia  próxima  da  costa  sul 
da  península  de  Guzerate,  a  20°  42'  de  latitude  N.  e  a  70° 
2  5'  de  longitude  E.  de  Greenwich,  e  a  600  kilometros  ao 
norte  da  capital  do  Estado  da  índia  portugueza. 

Os  principaes  rios  que  banham  o  território  de  Goa  são 
nove:  o  rio  Arondem  ou  de  Tiracol,  de  Chaporá,  de  Baga, 
de  Sinquerim,  Mando\y  ou  de  Goa,  Zoary  ou  de  Mormu- 
gão,  do  Sal  ou  de  Betul,  de  Talapóna  e  o  de  Calisbága. 

O  rio  de  Arondem  ou  de  Tiracol,  o  mais  septentrional  do 
território  de  Goa,  divide  a  província  de  Pernem  da  de  Sainit 
Wcirim,  ou  antigos  domínios  do  Bounsuló.  Está  situado  na 
latitude  N.  15"  45'  e  longitude  E.  73°  4'  39"  do  meridiano  de 
Greenwich.  Tem  de  extensão  1  i,5  milhas,  e  segue  a  direc- 


1  Actualmente  as  províncias  das  Novas  Conquistas  estão  divididas 
em  seis  concelhos,  pelo  decreto  de  14  de  dezembro  de  1880. 

O  1°  dsnomina-se  de  Pernem,  comprehendendo  a  província  d"este 
nome  e  o  districto  de  Tiracol,  com  a  sede  na  cassabé  de  Pernem. 

O  2.°,  de  Sanquelim,  comprehendendo  as  províncias  de  Bicholim  ou 
Batagrama  e  Satary,  com  a  sede  em  Sanquelim. 

O  3.°,  de  Pondá,  com  a  sede  na  cassabé  de  Pondá. 

O  4.",  de  Sanguem,  comprehendendo  as  províncias  de  Embarbacem 
e  Astagrar,  com  a  sede  em  Sanguem. 

O  5.",  de  Quepem,  comprehendendo  as  províncias  de  Chandrovaddy, 
Cacorá  e  Bally,  com  a  sede  em  Quepem. 

O  G.",  de  Canácona,  o  Torofo  de  Cotlgão  e  a  jurisdicção  de  Cabo  de 
Rama,  com  a  sede  cm  Canácona. 


28 


A  índia 


cão  de  NE.  Toma  a  sua  origem  na  Índia  ingleza,  e  depois 
de  banhar  o  limite  norte  de  Pernem  desde  Torxem  até 
Querim,  vae  desaguar  no  Oceano  Indico  entre  Querim  e  a 
fortaleza  de  Tiracol.  É  navegável  por  pequenas  tonas  ou 
canoas,  desde  Uguem  até  Naibaga;  chegando  ali  a  maré, 
torna-se  navegável  por  grandes  tonas  até  Tiracol,  onde  dá 
entrada  a  patamarins  e  outras  embarcações  costeiras  de 
menor  lote.  Conta  de  fundo  na  entrada  i,5  a  2  braças,  e 
dentro  do  rio  3. 


O  rio  de  Chapord  separa  as  províncias  de  Bicholim  e  de 
Bardez  da  província  de  Pernem.  Jaz  na  latitude  N.  i5°  37' 
3o"  e  longitude  E.  73°  46'  9''.  Mede  a  extensão  de  14  milhas, 
seguindo  a  direcção  NE.  na  entrada,  e  depois  em  zigue-za- 
gue  differentes  rumos  do  quadrante  NE.  Tem  a  sua  origem 
no  território  britannico,  e  a  sua  foz  entre  Chaporá  e  Mor- 
gim.  É  navegável  por  grandes  tonas  até  Macazana,  e  d''ali 
para  cima  até  á  praça  de  Alorna  por  pequenas  canoas.  A  sua 
profundidade  é  de  i  braça  no  banco,  2  na  entrada  e  2  a  2,5 
dentro  do  rio.  O  banco  da  entrada  tem  duas  pedras  visíveis 
na  baixamar;  franqueia  entrada  ás  embarcações  de  lote 
menor  do  de  patamarins. 


PORTUGUEZA 


29 


O  corte  do  pequeno  isthmo  de  Colual  daria  a  fácil  e 
importante  ligação  do  Mandov}-  —pelo  estreito  deTivim  — 
com  o  rio  de  Chaporá,  transformando  em  ilha  a  península 
de  Bardez^ 

O  rio  de  Baga  toma  origem  na  província  de  Bardez,  e 
vae  desaguar  no  Oceano  Indico  junto  do  extincto  e  arruinado 


RIO  ZaAlíV  EU  TO.NCA 


reducto  do  mesmo  nome,  É  navegável  por  tonas  na  exten- 
Scão  de  1  milha  onde  chega  a  maré. 

O  rio  de  Sinqiierim,  com  extensão  de  3,5  milhas,  tem 
origem  ao  sul  da  península  de  Bardez,  próximo  a  Verem. 
Concorre  para  formar  a  península  de  Aguada,  e  vae  des- 


'  Já  se  deu  principio  a  esta  grande  obr 


3o  A  índia 

aguar  na  foz  do  Mandov3^  É  navegável  por  grandes  tonas, 
e  tem  a  profundidade  de  3  braças  na  sua  foz,  2,5,  2  e  i 
dentro  do  rio. 

A  ligação  d''estc  rio  com  o  Mandovy,  próximo  a  Acerem,  | 
seria  também  de  summa  importância  para  a  navegação,  j 
principalmente  na  epocha  do  anno  em  que  os  bancos  de  | 
areia  do  interior  de  Aguada  não  permittem  a  navegação  j 
entre  a  fortaleza  dos  Reis  Magos  e  a  de  Gaspar  Dias. 

O  rio  Mandovy  ou  de  Goa  tem  as  suas  principaes  origens 
no  Torli-noi-volvota,  Madcy  q  o  rio  Rogará  da  província  de 
Satarv,  e  no  rio  Negro,  de  Embarbacem;  e  a  sua  foz  na 
latitude  N.  i5°  29'  17"  e  longitude  E.  73°  46'  4(3"  Greenwich 
forma  a  bellissima  entrada  da  praça  de  Aguada;  banha  a 
nordeste  e  oeste  a  província  de  Pondá,  e  o  norte  e  leste 
da.  ilha Tissuar}^  ou  de  Goa;  circumda  as  ilhas  de  Chorão, 
da  Piedade,  Capão,  Corjuem,  Jua,  Totó  e  Combarjua;  e 
estende  seus  amplíssimos  braços  até  Candiapar,  ao  noite  de 
Pondá  na  foz  do  rio  Negro,  até  Usgjo  e  Gangem  de  Embar- 
bacem, Sanquelim,  Bicholim,  Assonorá,  Tivim  e  Mapuçá; 
finalmente,  conduz  a  navegação  a  todos  os  pontos  aonde 
chega  a  maré,  que  são  os  acima  mencionados.  Segue  o  rumo 
EO.  na  entrada  da  foz  até  á  fortaleza  dos  Reis  Magos,  e 
d^iqui  toma  a  direcção  de  NE.;  tem  de  fundo  na  Aguada 
5,5  braças;  no  ancoradouro  de  Pangim  4,5,  5  braças;  de 
Pangim  a  Ribandar  3,  3,5;  de  Ribandar  até  ao  Arsenal  de 
Goa  2,  2,5,  3,  4,  4,5;  do  arsen:d  até  Usgão  2,5,  2  e  i.  Dá  [ 
entrada  para  fundearem  na  Aguada  aos  navios  de  alto  bor-  y 
do,  podendo,  porém,  apenas  fazel-o  os  que  demandam  I4 
pés  de  agua. 

O  rio  Zoary  ou  de  Mormugão  jaz  na  latitude  N.  i5°  24' 
33"  e  longitude  E.  73°  4c)'  56"  Greenwich.  Toma  a  sua  ori- 
gem nos  gaites  ou  montanhas  das  províncias  de  Embarba- 
cem e  Astagrar;  divide  as  províncias  de  Chandrovaddy, 
Pondá  e  ilha  de  Goa,  da  província  de  Salcete;  faz  juncção 
com  o  rio  Mandov}'  entre  Tonca  e  o  forte  de  S.  Lourenço,  jç 
e  vae  depois  formar  a  pequena  ilha  do  Secretario,  e  a  barra 


PORTUGUEZA  3 I 


que  defende  a  praça  de  Mormugão.  É  navegável  por  pe- 
quenos vapores  e  patamarins  até  Rachol;  e  d^ahi  até  Pa- 
rodá  e  Sanguem  torna-se  navegável  por  grandes  tonas  de 
Salcete.  As  sondagens  doeste  rio  ficam  consignadas  na  bar- 
ra de  Mormugão. 

O  rio  do  Sal  ou  de  Betul,  que  tem  a  sua  origem  nas  pro- 
víncias de  Salcete  e  de  Bali}",  e  a  sua  foz  na  barra  de  Betul, 
é  navega\'el  até  ás  vizinhanças  da  villa  de  Margao,  no  sitio 
denominado  Careachobando.  Está  situado  na  latitude  N.  i5° 
5'  3o"  e  longitude  E.  74°  1'  39",  Conta  8  milhas  de  extensão; 
segue  na  entrada  da  foz  ao  S.  4°  E.  para  dentro  NE.  entre 
a  costa  e  a  terra  firme  até  Assolná,  e  continua  depois  em 
zigue-zague.  Mede  de  fundo  na  entrada  de  Betul  2,  i,5  e 
2,5  braças;  dentro  do  rio  2  a  i,5;  na  entrada  de  Assolná 
,1,5,  2  e  3;  e  dentro  do  rio  de  Assolná  3.  Dá  entrada  a 
patamarins  e  a  grandes  tonas. 

O  rio  de  Talapoiía  toma  a  sua  origem  no  Torofo  do  Co- 
tigão  da  provincia  de  Canácona,  e  vae  desaguar  entre  Quin- 
delem  e  Talapona.  E  navegável  até  próximo  de  Partagal. 

O  rio  Cãlisbdga,  que  tem  origem  nas  montanhas  do  sul 
de  Canácona  e  a  sua  foz  entre  as  aldeias  de  Loliem  e  Calis- 
bága,  é  o  mais  meridional  do  território  de  Goa,  e  navegável 
até  pequena  distancia  de  Panguinim. 

Como  se  vê  na  carta  geographica  do  território  de  Goa, 
o  Mandovy  e  o  Zoary  são  os  rios  mais  imjiortantes.  Ligam 
a  capital  com  as  províncias  dasA'elhas  e  Novas  Conquistas, 
e  são  ainda  estas  duas  grandes  vias  fluviaes  as  que  fornecem 
ás  províncias  de  Bardez,  Bicholim,  Satary,  Pondá,  Embar- 
bacem,  de  Zambaulim  e  de  Salcete  os  meios  mais  fáceis  e 
económicos  de  importação  dos  artigos  de  que  carecem,  e  de 
exportação  dos  seus  productos  agrícolas,  por  meio  da  nave. 
gação  fluvial  feita  por  patamarins  e  por  tonas  de  ditíerentes 
dimensões. 

Os  rios  de  Sinquerim,  Mandov}^  e  Zoar^^  vão  desembocar 
no  porto  de  Goa,  e  os  outros  que  deixamos  mencionados 
em  diíferentes  pontos  da  costa  do  Malabar. 


02 


A  índia 


As  barras  de  Aguada  e  Mormugão  são  as  únicas  que  po- 
dem receber  grandes  navios;  os  outros  portos  dáo  accesso 
a  pequenas  embarcações  áenomm^ãáãs patamaríus,  e  a  tonas 
ou  canoas  de  differentes  dimensões. 

Clima.  —  O  sr.  visconde  de  Bucellas,  Cândido  José  Mou- 
rão Garcez  Palha,  que  era  director  da  escola  mathematica 
e  militar  de  Nova  Goa,  onde  nós  regiamos  a  cadeira  de 
agricultura  e  zootechnia  elementar,  publicou  em  1867,  sob 
o  titulo  de  Feições  meteorológicas  de  Goa,  algumas  obser- 
vações por  elle  feitas,  das  quaes  extrahimos  as  seguintes: 


mòi 


PATAiURIM 


A  maior  media  mensal  da  pressão  atmospherica  em  ja- 
neiro é  de  29,92 ;  a  menor  em  junho,  29,64;  a  media  do 
anno  é  29,80. 

Os  ventos  mais  geraes  e  dominantes  de  Goa  são  os  do 
quadrante  de  NO.,  e  os  do  quadrante  de  SO.  Exceptuando 
os  mezes  de  junho,  julho  e  parte  de  agosto,  que  pertencem 
á  quadra  das  chuvas,  e  em  que  dominam  exclusivamente  os 
segundos,  reinam  os  primeiros  em  quasi  todos  os  dias  do 
anno. 


PORTUGUEZÂ 


33 


Os  ^•entos  do  quadrante  de  NE.  respeitam  á  quadra  dos 
terraes,  que  abrange  parte  de  novembro,  dezembro  e  janeiro, 
e  ás  vezes  ainda  alguns  dias  de  fevereiro. 

Esta  quadra  é  a  mais  agradável  para  os  europeus  recem- 
chegados  da  Europa.  O  terral  manifesta-se,  de  ordinário, 
depois  de  extincto  o  crepúsculo  vespertino,  e  continua  sem' 
cessar  até  á  manhã  do  dia  seguinte,  circumstancia  que  raras 
vezes  se  dá  em  respeito  aos  outros  ventos  pacíficos  da  nossa 
rosa,  que  todos  dormem. 


TONA*  DE  SALCEIE 


Emquanto  sopra  o  terral  é  tal  a  diaphaneidade  da  atmos- 
phera,  que  se  distinguem,  e  com  a  maior  clareza,  objectos 
mui  remotos. 

Durante  a  noite  a  lua  brilha  em  todo  o  seu  esplendor, 
lUumina  a  terra  como  em  nenhuma  outra  quadra  do  anno, 
e  na  ausência  d'este  astro  o  firmamento,  deixando  ver  a 
olho  nu  o  maior  numero  possível  de  luminares  que  o  po- 
voam, ostenta  toda  a  sua  magnificência. 

Lm  vento  também  da  terra,  mas  rijo  e  desagradável,  que 
se  sustenta  desde  as  primeiras  horas  da  manhã  até  que  a 


34 


A  ÍNDIA 


viração  da  tarde  tenha  a  necessária  força  de  emmudecel-o, 
vem' perturbar  algumas  vezes  a  pureza  atmospherica. 

Apparece  ainda  debaixo  de  um  segundo  aspecto  na  epo- 
cha  em  que  occorrem  as  descargas  de  terra,  de  ordinário 
em  outubro,  como  encerramento  da  estação  pluviosa. 

Caracterisam  estes  dois  ventos  —  SO.  e  NE.—  as  duas 
grandes  monções  da  índia.  Reina  o  primeiro,  quando  o  sol 
gira  sobre  a  parte  da  zona  tórrida,  que  respeita  ao  hemis- 
pherio  boreal,  e  o  segundo,  quando  gira  sobre  a  restante 
parte  da  mesma  zona  no  hemispherio  austral. 

A  media  annual  da  temperatura  da  evaporação  ou  psy- 
chrometria  é  de  74^,0;  maior  media  mensal,  em  maio  79°,3; 
menor,  em  dezenibro  69";  a  humidade  media  do  anno  é  de 

o°,q3o. 

A  humidade  depende  muito  dos  ventos  dominantes.  Assim 
os  de  S.  e  O.  são  naturalmente  húmidos,  e  com  especia- 
lidade o  primeiro;  os  de  N.  e  E.  são4he  contrários,  e  mais 
pronunciadamente  o  segundo. 

O  total  médio  das  chuvas  do  anno  é  de  82,73  pollegadas 
inglezas,  ou  76,4'i  pollegadas  portuguezas,  o  que  equivale 
em  unidades  métricas  a  21  decimetros  proximamente. 

A  maior  media  em  junho  é  de  32.  Nos  mezes  de  de- 
zembro, janeiro,  fevereiro  e  março  ha  ausência  absoluta  de 

chuvas. 

Comquanto  não  se  mencione  chuva  alguma  desde  dezem- 
bro até  marco,  diz  o  sr.  visconde  de  Bucellas,  a  pag.  44  do 
seu  excellente  opúsculo,  que  se  dá  o  caso  de  chover  acciden- 
talmente  em  todos  aquelles  quatro  mezes,  e  principalmente 
nos  annos  em  que  a  quadra  corre  escassa. 

As  chuvas  em  dezembro,  janeiro,  fevereiro  e  março,  e 
mormente  nos  primeiros  dois  mezes,  affectam  só  por  mo- 
mentos a  pureza  da  atmosphera. 

Dias  chuvosos,  termo  médio,  100;  chuvas  do  mar,  ou  de 
fora,  68,5o  pollegadas;  chuvas  de  terra  ou  de  dentro,  14,25.   \ 
As  primeiras  vem  do  quadrante  de  SO.  As  segundas  de-  ^ 
compõem-se  em  duas  epochas,  sendo  a  primeira  do  qua^ 


PORTUGUEZA  35 


drante  de  SE.  caracterisada  por  uma  grande  evolução  do 
fluido  eléctrico  desde  os  fins  de  maio  até  os  primeiros  dias 
de  junho,  e  a  outra,  do  quadrante  de  NE.,  é  também  cara- 
cterisada de  igual  modo  desde  os  principies  de  outubro  até 
mciado  do  mesmo  mez.  Estas  duas  procedências  revezam- 
se  entre  si  algumas  vezes. 

As  chuvas  de  SO.  applica-se  em  Goa  a  denominação  de 
inverno,  mas  impropriamente,  porque  se  desenvolvem  den- 
tro dos  limites  do  verão.  Foi  de  6,75  a  media  das  maiores 
espessuras  liquidas  obtidas  dentro  de  vinte  e  quatro  horas 
em  todo  o  periodo  das  observações,  que  foram  uma  em 
cada  anno,  e  sempre  em  junho  e  julho. 

Pertencem  ás  chuvas  do  mez  de  agosto  as  que  têem  na 
índia  o  nome  de  Maga  ou,  mais  vulgarmente,  Mogó.  A  sua 
duração  não  chega  a  quatorze  dias,  e  a  respectiva  media 
pôde  ser  com.putada  em  4.5  pollegadas. 

Attribuem-se-lhes  algumas  qualidades  favoráveis,  e  são 
por  isso  muito  appetecidas.  Em  outro  tempo  preparavam-se 
as  cisternas  para  se  proverem  doestas  aguas,  que  passam  por 
pouco  susceptíveis  de  corrupção;  e  ainda  hoje,  em  relação  á 
agricultura,  se  expõem  á  sua  immediata  acção  as  raízes  das 
palmeiras,  abrindo-lhes  em  roda  as  alengas  ou  caldeiras. 

As  chuvas  do  Mogó,  que  começam  de  ordinário  desde  10 
até  i5  de  agosto,  e  as  de  Rochiny,  que  determinam  o  ser- 
viço da  semeação  do  arroz,  desde  20  até  2  5  de  maio,  mere- 
ceram sempre  especial  menção  aos  astrónomos  hindus  em 
seus  escriptos. 

A  maior  media  mensal  da  temperatura  em  maio  é  de 
29°,4;  a  menor  em  dezembro  24^;  a  media  do  anno  26°,5 
centígrados. 

Estatística. — A  sociedade  da  índia  portugueza  é  com- 
posta de  classes  heterogéneas:  europeus,  asiaticos-christãos, 
gentios,  mouros,  africanos  e  descendentes  d"aquella  primeira 
e  d'esta  ultima  raça. 

Os  mappas  da  população  do  estado  da  índia,  revistos  em 
novembro  de  1864,  dão  no  seu  apuramento  385 1124  habi- 


36 


A  índia 


tantes,  sendo  555  europeus,  descendentes  de  europeus  2:440, 
asiaticos-christãos  252:2o3,  gentios  127:746,  mouros  1:637, 
africanos  346,  e  descendentes  doestes  197. 

A  população,  que  progressivamente  tem  augmentado,  as- 
cende hoje  a  386:000  habitantes,  ou,  em  numero  redondo, 
mais  80:000  sobre  a  população  de  1776^ 

Os  asiaticos-christãos  (vulgo  nati- 
vos ou  canarins)  e  os  gentios  divi- 
dem-se  em  castas  nobres  e  plebêas. 
As  nobres  compõem-se  de  brahmanes 
e  quetrys  ou  charodós;  e  as  plebêas 
de  vaixds  ou  vésias  e  sudros.  Alem 
doestas  quatro  castas  — sacerdotal, 
militar,  industrial  e  servil —  ha  tam- 
bém a  dos  pariás  ou  faraies,  fructo 
'  produzido  pelo  commercio  illegitimo 
das  differentes  castas  entre  si. 

Os  brahmanes,  derivados  da  cabeça 
de  Brahma,  symbolo  da  sciencia,  são 
considerados  superiores  a  todos  os 
demais  homens,  e  destinados  ao  sa- 
cerdócio, ao  estudo  e  ao  ensino. 

Os  qiietrys  ou  charodós,  produzi- 
dos dos  braços,  indicativos  da  força, 
nasceram  para  governar  e  combater. 
Os  vaixds  ou  vésias  tiram  a  sua 
origem  do  ventre,  symbolo  da  alimen- 
tação, e  por  isso  têem  por  obrigação 
prover  ás  necessidades 'materiaes  da  vida,  por  meio  da 
agricultura  e  do  commercio. 

Os  sudros,  finalmente,  nascidos  dos  pés  de  Brahma,  em- 
blema da  escravidão  e  dependência,  são  destinados  a  servir 


1  Segundo  o  recenseamento  de  17  de  fevereiro  de  1881  a  população 
de  Goa  é  de  420:868  habitantes. 


PORTUGUEZA 


37 


as  outras  castas,  e  a  desempenhar  os  mais  rudes  traba- 
lhos. 

Os  parias  ou  fara:^es,  que  no  antigo  regimen  nem  mesmo 
eram  homens,  mas  sim  entes  abjectos  e  impuros,  ainda  hoje 
são  objecto  de  repugnância  e  desprezo  publico,  tornando-se 
bastante  a  sua  presença  para  inspirar  horror  a  qualquer 
gentio  de  pura  casta. 

Os  mouros  e  africanos  são  poucos, 
e  sem  importância  politica. 

Os  gentios  são  mais  numerosos,  e 
exercem  a  industria,  o  commercio  e 
a  agricultura;  mas  aferrados  ás  leis 
tradicionaes  e  ao  seu  systema  reli- 
gioso, do  qual  derivam  os  preceitos 
da  vida  social  e  domestica,  são  mais 
propensos  á  obediência  que  á  resis- 
tência. 

Os  nativos  seguem  em  grande  nu- 
mero as  profissões  liberaes :'  são  pro- 
prietários, commerciantes,  padres, 
advogados,  médicos,  e  entram  nos 
cargos  parochiaes,  municipaes,  da  ma- 
gistratura e  das  repartições  do  es-  ;^__4_ 
tado,  Consideram-se  os  legítimos  se- 
nhores da  terra. 

Os  descendentes  dos  europeus  são 
poucos  em  numero,  mas  de  bastante 
influencia  moral.  Raros  são  ricos,  e  a 

maior  parte  vive  dos  empregos  públicos,  e  occupa  principal- 
mente os  postos  de  othciaes  do  exercito  e  o  magistério  de 
ensino  superior. 

Europeus  são  somente  os  poucos  empregados  superiores 
enviados  pelo  governo  da  metrópole,  alguns  officiaes  do  exer- 
cito e  praças  de  pret. 

A  divisão  dos  homens  pelas  castas  é  ainda  hoje  a  princi- 
pal forma  do  estado  social  dos  gentios. 


38  A  índia 

O  filho  succedendo  invariavelmente  ao  pae;  o  homem 
continuando  de  século  em  século  com  seus  hábitos  e  gostos; 
todas  as  existências  limitadas  a  um  circulo  que  se  não  trans- 
põe; alguma  cousa  de  antigo  e  tradicional,  que  lhe  rouba 
mesmo  a  idéa  do  nascimento;  instituições  petrificadas  como 
os  seus  Ídolos  de  pedra,  traçando  á  creança,  ainda  no  claus- 
tro materno,  o  limite  das  suas  occupações  e  dos  seus  deve- 
res, e  até  das  suas  idéas;  eis  o  estado  de  opprcssao  sob  que 
geme  o  gentio,  que  não  tem  recebido  o  influxo  da  civilisação 
europêa.  Agrilhoado  á  historia  pelos  despotismos  de  uma 
religião  absorvente,  não  vinga  ali  o  progresso,  não  raiam 
ali  auroras  de  liberdade. 

Submettida  a  um  tal  regimen,  esta  sociedade  não  é  mais 
que  um  modo  cie  ser  de  escravidão,  tanto  mais  pesada, 
quanto  mais  toca  nas  extremidades  do  corpo  social.  O  fardo 
que  pesa  sobre  a  raça  inferior,  torna-se  maior  com  o  das 
outras  raças. 

«Brahma,  senhor  das  creaturas,  segundo  as  Leis  de  Ma- 
nii^,  tendo  creado  os  animaes  úteis,  os  confiou  aos  cuidados 
do  résia,  e  coUocou  toda  a  raça  humana  sob  a  tutela  do 
brahmane  e  do  qiietrj'  ou  chat^odó. » 

«Um  résia  deve  sempre  estar  bem  informado  do  preço 
corrente  das  pedras  preciosas,  pérolas,  coral,  ferro,  tissus, 
perfumes  e  adornos.» 

«Deve  ser  bem  perito  na  melhor  maneira  de  semear  as 
terras,  entendedor  das  boas  ou  más  qualidades  dos  terrenos; 
e  perfeitamente  conhecedor  do  completo  systema  de  pesos 
e  medidas.» 

«As  boas  ou  más  qualidades  das  mercadorias,  as  vanta- 
gens ou  desvantagens  das  dilTerentes  localidades,  lucro  ou 
perda  provável   da  venda  das  mercadorias,  e  o  meio  de 


1  Leis  de  Mami.  Trad.  do  original  francez,  por  J.  de  V.  Guedes  de 
Carvalho  (hoje  visconde  de  Riba  Tâmega  e  juiz  do  supremo  tribunal 
de  justiça),  publicadas  em  Goa,  em  i85g. 


PORTUGUEZA  39 


augmentar  a  creação  dos  animaes,  tudo  c  da  competência 
da  casta  dos  vésias.» 

«Deve  empregar  todo  o  cuidado  em  augmentar  a  sua  for- 
tuna por  meios  licitos,  e  ter  cuidado  no  sustento  de  todas 
as  creaturas  animadas.» 

«O  principal  dever  de  um  sudro,  e  que  lhe  proporciona  a 
felicidade  depois  da  sua  morte,  é  a  obediência  cega  ás  or- 
dens dos  brahmanes,  versados  nos  conhecimentes  dos  livros 
santos,  maioraes  de  casa  e  reconhecidos  por  sua  virtude.» 

«Um  sudro,  puro  de  corpo  e  espirito,  submisso  ás  vonta- 
des das  castas  superiores,  affavel  em  sua  linguagem,  isento 
de  arrogância  e  dedicando-se  especialmente  aos  brahmanes, 
obtém  um  nascimento  mais  nobre.» 

Taes  são  as  principaes  regras  a  respeito  do  porte  das 
castas  plebèas. 

Os  brahmanes  arrogaram-se  a  ingerência  no  governo,  na 
administração  civil,  nas  rendas  publicas  e  na  justiça.  Tinham 
tudo  sob  a  sua  mão  occulta  e  poderosa.  Sob  a  mascara  de 
mentida  abnegação,  a  classe  brahmanica  trabalhou  sempre 
por  se  enriquecer  e  augmentar  a  influencia  da  sua  casta. 

Aconteceu  na  sociedade  hindu  o  mesmo  phenomeno  que 
se  opera  em  todas  as  sociedades  —  a  direcção  da  força  pela 
idéa,  o  predomínio  da  intelligencia  sobre  a  ignorância.  A  cas- 
ta bralimanica  tinha  e  tem  conhecimentos  superiores  aos  das 
outras  castas,  e  por  isso  as  domina  e  governa. 

Os  traços  ph3^sionomicos  dos  dois  sexos  gentílicos  não 
differem,  em  geral,  dos  europeus. 

Entretanto  as  diversas  castas  tèem  uma  physionomia  par- 
ticular; e  ainda  que  ella  não  seja  muito  fácil  de  indicar,  nem 
por  isso  deixará  de  ser  notada  pelo  observador  intelligente. 

Também  não  é  inferior  a  estatura  do  hindu  á  dos  povos 
da  Europa;  mas  o  seu  corpo,  mais  esvelto,  mais  ágil  e  mais 
bem  disposto,  é  também  menos  robusto  e  menos  musculoso, 
o  que  se  attribue  commummente  á  elevada  temperatura  do 
clima,  á  imperfeição  do  seu  regimen  alimentício,  ao  uso  pre- 
maturo dos  prazeres  do  amor  e  ao  seu  pouco  exercício. 


40 


A  índia 


Mas  os  que  trabalham,  e  que  se  nutrem  de  alimentos 

substanciaes,  nem  são  menos  vigorosos,  nem  a  sua  força 

de  resistência  é  inferior  á  dos  europeus. 

As  mulheres  indianas,  e  principalmente  as  oriundas  do 

Concão    e   de    castas  nobres,   se   lhe   exceptuarmos  a  cor 

um  pouco   trigueira,   não   são  menos  bellas   que   as  euro- 

pêas;  e  talvez  não  se  encontrem 
em  muitas  partes  do  globo  tão 
bellos  olhos,  tão  alvos  e  peque- 
nos dentes,  e  cabellos  tão  pre- 
tos, tão  lustrosos,  tão  finos  e 
corredios.  Nota-se-lhes,  sobre- 
tudo, um  indetinivel  attractivo, 
um  ar  de  simplicidade  infantil, 
c  um  donaire,  que  não  exclue, 
nem  a  vivacidade,  nem  a  delica- , 
deza.  Esta  nossa  apreciação  já 
tivemos  occasião  de  a  consignar 
a  respeito  das  gentias  nos  Apon- 
tamentos sobre  aproi'incia  deSa- 
tarf.  Hoje  a  affirmãmos  mais 
uma  vez,  e  a  tornamos  extensiva 
a  todas  as  classes  femininas  da 
nossa  índia,  incluindo  as  senho- 
>■"      ras   descendentes  de  europeus, 

x^^      ^     - => „ -"•  se  lhes  exceptuarmos  a  cor  da 

BRAHMANE  GENTIA  pclle,  que  í  hYàuc^  c  mimosa. 

É  para  sentir  que  a  formosura 

na  índia  seja  uma  flor  que  desbota,  murcha  e  se  desfolha 

muito  mais  cedo  do  que  na  Europa. 

O  sexo  feminino  na  índia  portugueza  attinge  o  perfeito 

desenvolvimento  desde  os  dez  aos  doze  annos,  e  começa  a 

declinar  dos  trinta  aos  quarenta. 

Os  gentios,  invariavelmente  aferrados  aos  seus  usos  e 

costumes,  nunca  censuram  os  dos  outros  povos,  por  mais 

estranhos    que   lhes   pareçam.    São   prudentes,    cortezes   e 


PORTUGUEZA 


41 


obsequiadores,  tanto  quanto  ]h'o  permitte  a  sua  religião, 
que  lhes  prohibe  toda  a  communicação  íntima  não  só  com 
os  estrangeiros,  mas  até  com  os  compatriotas  de  casta 
differente. 

Amam  muito  as  conversações  joviaes  e  os  ditos  chistosos, 
e  recreiam-se,  sobretudo,  em  contar  historias  de  guerreiros 
e  heroes,  de  fadas  encantadas  e 
das  metamorphoses  de  seus  deu- 
ses. O  som  da  sua  voz  é  ac- 
centuado,  declamatório,  e  ges- 
ticulam muito  quando  faliam. 

Os  bottos  e  os  gentios  das 
castas  superiores  costumam  pin- 
tar, nos  braços  e  no  peito,  ^ di- 
versos traços. 

A  pintura  é  feita  com  um  pó 
esbranquiçado,  que  se  compõe 
de  cinza  de  xénc,  ou  bosta  secca 
queimada  de  vacca,  e  de  tinta 
branca,  extrahida  do  pau  de  sân- 
dalo humedecido  com  agua  e  ro 
çado  sobre  uma  pedra;  usam 
também  de  tinta  amarella  de 
açaírão,  e  de  tinta  vermelha  que 
se  obtém  da  planta  chamada 
ciicomb.  Os  sectários  deVishnu 
pintam,  a  maior  parte  das  ve- 
zes, uma  risca  vertical  vermelha 
e  amarella  sobre  a  fronte;  e  os 
de  Shiva  traçam-na,  horisontalmente.  Os  svmbolos  que- os 
gentios  pintam,  na  testa  depois  de  comer,  são  os  seguintes: 

7^ 


7T 


OURIVES  GENTIO 


42  A  índia 

Ossoró.  —  O  nosso  desenho,  tirado  do  natural,  representa 
uns  noivos  indígenas  christãos  de  Goa,  sentados  no  seu  os- 
soró^ ou  sala  de  recepção,  recebendo  as  bênçãos. 

Entre  os  parentes  e  convidados  está  a  noiva  vestida  com 
o  seu  rico  pauno-paló,  afogador  e  outros  adornos.  Gomo 
que  envergonhada  dirige  sempre  a  vista  para  o  chão;  e  na 
mesma  sala  está  collocada  sobre  um  tamborete  uma  salva, 
onde  os  parentes  e  convidados  deitam  algum  dinheiro  e  as 
prendas  que  lhe  olTerecem. 

Quando  alguém  se  approxima  da  noiva  para  a  saudar  e 
abençoar,  ella  levanta-se  e  cruza  os  braços,  curvando  a  ca- 
beça, e  agradecendo  em  silencio.  Esta  cerimonia  tem  logar 
quando  os  noivos  voltam  da  igreja. 

Finda  a  cerimonia  da  saudação  saem  todos  do  ossoró 
para  a  ramada  construída  á  porta  do  gard  ou  casa,  e  ali 
começa  a  dansa  do  niaiidó,  ao  som  de  cantigas  allusivas  ao 
casamento  acompanhadas  de  um  instrumento  denominado 
ghiiinaíía'-^. 

Os  indígenas  de  Goa  fazem  grandes  despezas  nas  suas 
bodas  nupciaes,  dando  isto  logar  a  que  por  alvará  do  i .°  de 
outubro  de  1729  fosse  regulada  a  que  os  portuguczes  e  na- 
turaes  christãos  deviam  fazer  por  occasião  de  casamentos 
e  baptisados,  e  prohíbíndo  também  o  convite  de  parentes 
alem  de  terceiro  grau. 

Por  alvará  de  28  de  dezembro  de  i(38i  foram  igualiriCnte 


1  A  linguagem  coucanj',  que  empregámos  nos  nomes  próprios  de 
plantas,  terrenos,  festividades,  etc,  é  a  usada  principalmente  nas  ilhas 
de  Goa;  e  para  evitar  confusão  vão  os  nomes  indicados  em  grypho, 
assim  como  os  nomes  scientiíicos  das  plantas.  A  orthographia  da  maior 
parte  das  palavras  concanys,  é  a  seguida  na  Granmiatica  e  Diccionario 
concany,  composto  por  wn  missionário  italiano^  que  o  sr.  C.  Rivara 
publicou  em  1868. 

2  Ghumatta  é  uma  panella  de  barro  vermelho,  aberta  de  ambos  os 
extremos,  um  muito  largo,  e  outro  estreito;  na  abertura  larga  estende- 
se  uma  pelle  de  talagoia,  ficando  a  abertura  estreita  inteiramente  livre. 
E  o  batuque  ordinário. 


PORTUGUEZA  ^3 


prohibidas  as  vigílias  do  sexto  dia  depois  do  nascimento  dos 
filhos.  Estas  vigílias  ainda  se  praticam  hoje  em  Goa,  consis- 
tindo em  um  infernal  concerto  de  ghumattas,  com  o  fim  de 
afugentar  o  espirito  maligno,  que  os  indígenas  suppõcm  vir 
introduzir-se  no  corpo  do  recemnascido. 

Paiicattf.  —  Os  hindus  nos  seus  pancaitjs  ou  banquetes, 
como  nas  suas  refeições  ordinárias,  depois  de  tomarem  ba- 
nho e  de  conservarem  por  algum  tempo  uma  porção  de  agua 
na  boca,  assentam-se  junto  dos  seus  potrorohs,  pratos  fei- 
tos de  folhas  de  bananeira,  ou  de  pimpôl,  artisticamente 
ligadas. 

Estes  pratos  são  collocados  sobre  um  terreno  bosteado 
de  fresco,  em  forma  de  um  quadrado,  se  o  commensal  é 
brahmane;  de  um  triangulo,  se  é  um  quetrv  ou  charodó; 
de  um  circulo,  se  é  um  véxia  ou  marath}';  e  de  uma  meia 
lua,  se  é  um  sudro.  Em  seguida  inclinam-se  diante  dos  ali- 
mentos que  se  lhes  apresentani,  e  com  a  mão  esquerda 
levantam  as  bordas  do  potrovoly.  Antes  de  começarem  a 
comer  percorrem  com  a  mão  direita  a  roda  do  prato,  para 
o  isolar  de  qualquer  objecto  estranho.  Feito  isto,  tomam 
cinco  bocadinhos  do  alimento  e  oíferecem-os  a  Yama,  deus 
infernal;  tomando  depois  nova  porção  de  agua  na  boca, 
offerecem  outros  cinco  bocadinhos  aos  cinco  sentidos.  Con- 
cluídas estas  cerimonias,  abaixam  os  olhos,  e  entregues  ao 
maior  silencio  começam  a  sua  refeição,  fazendo  dos  alimen- 
tos, com  todos  os  dedos  da  mão  direita,  pequenas  bolas 
que  com  o  dedo  pollegar  impellem  para  a  boca. 

Nunca  se  servem  de  cadeiras,  nem  de  mesas;  assentam-se 
no  chão  ou  em  esteiras  de  bambu,  com  as  pernas  cruzadas. 
Também  não  têem  garfos,  facas,  nem  colheres. 

Sigamó.  —  É  o  carnaval  dos  gentios,  como  o  alahdo  é  o 
carnaval  dos  mouros,  e  tem  logar  antes  da  quaresma  dos 
hindus.  Por  esta  epocha  os  ricos  habitantes  da  índia  orga- 
nisam  no  chouqiii  da  casa  — pateo  central,  igual  aos  claus- 
tros dos  conventos — ,  ou  em  frente  das  habitações,  uma 
grande  sala  de  baile,  que  illuminam  com  profusão  de  alam- 


44 


A  índia 


padas,  e  diulfs  ou  candieiros  de  bronze,  e  onde  offerecem 
aos  seus  amigos  e  ao  publico,  sem  distincção,  o  espectáculo 
das  dansas  e  cantos  das  calavontcs  ou  bailadeiras.  É  uma 
d"'estas  salas  que  o  nosso  desenho  representa. 


PANCATTY  OU  BANQUETE 


Ali  a  multidão  assiste  no  logar  que  melhor  pôde  alcançar, 
excepto  no  reservado  aos  indivíduos  de  maior  respeito.  As 
gentias  ficani  sempre  separadas  dos  homens.  Alguns  cypacs, 
collocados  á  porta  para  fazer  a  policia,  servem  também  para 
introduzir  as  pessoas  de  distincção  e  os  europeus. 

Quando  entra  algum  europeu  ipadó)^  o  dono  da  casa  vem_ 
recebel-o,  e  encaminha-o  para  um  logar  reservado,  onde  se 
acham  dispostas  algumas  cadeiras.  Depois  de  tomar  assen- 
to, vem  uma  donzella  olVerecer-lhe,  n\ima  salva,  o  bétel  e 
arcca  da  boa- vinda  indiana. 


PORTUGUEZA 


4D 


A  certa  hora  entram  na  sala  as  bailadeiras  seguidas  dos 
miirdangueiros  ''tocadores  de  murdaiiga  ou  pequenos  tam- 
bores com  o  duplo  do  comprimento  em  relação  á  circum- 
ferencia),  que  sempre  as  acompanham;  e  começa  então  a 
festividade,  que  s(3  termina  na  madrugada  do  dia  seguinte. 


BOTlQl.lilIlO  CLMIO 


MULHER  GLGYR 


Addo.  —  Depois  do  Sigamó,  outra  festividade  indiana  se 
nos  oflerece  em  Nova  Goa.  E  o  addo,  ou  festividade  da 
colheita  do  arroz,  que  tem  logar  todos  os  annos  no  dia  24 
de  agosto. 

N^esse  dia  certos  gãocares  privilegiados  da  aldeia  de  Ta- 
leigão,  depois  de  cortarem  solemnemente  as  primeiras  ga- 
vellas  de  arroz,  vão,  acompanhados  de  jogadores  de  arma 
branca,  e  com  tambores  á  sua  frente,  ofterecer  no  altar  da 


46 


A  índia 


Sé  em  Velha  Goa,  e  em  seguida  ao  governador  geral  e  ou- 
tras auctoridades,  o  arroz  novo  e  avel,  isto  é,  arroz  pisado 
e  torrado  com  assucar. 

Vêem-se  no  desenho  que  representa  esta  festividade,  os 
Indiimbys  ou  trabalhadores  agrícolas,  e  os  potocarcs  em 
frente  do  palácio  do  governo  geral,  esgrimindo  com  duas 
espadas  cada  um,  e  os  gãocares,  de  casaca  e  chapéu  alto, 
com  a  bandeira  portugueza  e  uma  salva  cheia  de  espigas 
de  arroz  recentemente  ceifado. 

As  espadas  ou  potós,  de  que  se  servem  os  kiilwnbys  n^esta 
festividade  agrícola,  são  compridas  e  largas,  de  dois  gumes, 
e  com  o  respectivo  braçal. 

São  bastantes  pesadas,  mas  de  grande  elasterio,  e  mane- 
jáveis unicamente  pelos  que  estão  habituados  ao  seu  uso 
desde  pequenos,  e  que  por  isso  se  chamam  potocarcs.  Usam 
uma  ou  duas  espadas  ao  mesmo  tempo,  e  n'este  ultimo  caso 
servem-se  d^ellas  não  só  para  manejo,  mas  também  para 
atacar  o  adversário,  dando  o  esgrimidor  grandes  pulos. 

O  arroz,  como  objecto  de  primeira  necessidade,  é  absolu- 
tamente indispensável  ao  viver  dos  povos  da  índia,  e  por 
isso  constitue  o  principal  ramo  de  agricultura.  Usa-se  doeste 
cereal  em  tudo:  na  alimentação  ordinária,  preparado  de  di- 
versos modos;  em  massas  e  doces;  nos  preparados  pharma- 
cologicos;  em  alguns  juramentos,  e  nas  cerimonias  do  rito 

gentílico. 

Os  trregos  e  os  romanos  recebiam-no  da  índia,  mas  em 
pequena  quantidade,  para  o  empregar  na  medicina.  Depois 
d'isso,  a  sua  cultura  estendeu-se  até  a  Europa  e  America; 
sendo  o  Piemonte  a  região  mais  septentrional  em  que  se 
cultiva  na  Europa. 

A  planta  do  arroz,  um  dos  mais  importantes  productos 
alimentares  da  índia,  é  abundantemente  cultivada  no  Ca- 
nará  do  Norte,  d^onde  se  exporta  em  larga  escala  para  ou- 
tras regiões  da  costa  do  mar. 

O  arroz  contém  uma  pequeníssima  percentagem  da  verda- 
deira matéria  nutritiva;  e  o  seu  valor,  segundo  Fromberg, 


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PORTUGUEZA 


47 


comparado  com  o  de  loo  de  ervilha  é  somente  35,  emquanto 
que  o  do  centeio  é  75,  do  feijão  80  e  do  trigo  7Õ. 

O  arroz,  pois,  contém  grande  porção  de  matéria  carbo- 
nacea,  de  que  pouco  se  carece  nos  climas  quentes,  e  pouca 
matéria  nitrogenia,  que  é  necessária  para  se  fazerem  os  te- 
cidos animaes,  especialmente  nos  trópicos,  onde  a  perda  é 
mais  rápida  do  que  nas  zonas  mais  temperadas. 

A  quantidade  de  matéria  carbonacea  tem  uma  notável 
influencia  nas  doenças,  especialmente  nas  febres  indianas; 
mostrando  a  experiência  que  os  que  vivem  exclusivamente 
doesse  mantimento  têem  mais  curta  longevidade.  Se  os  eu- 
ropeus estivessem  sujeitos  a  uma  alimentação  de. arroz,  tor- 
nar-se-íam  tão  languidos  e  degenerados  como  são  geral- 
mente os  brahmanes  e  os  hindus  de  castas  superiores. 

Sem  embargo  de  não  estarem  exclusivamente  sujeitos  a 
alimentação  de  arroz,  diz  M.  Ewart  {Staíísíícs  of  tlie  ar- 
mies  iii  índia,  pag.  20) : 

«Os  europeus  téem  desapparecido  na  presidência  de  Ben- 
gala em  dez  annos  e  meio;  na  de  Bombay  em  treze  annos 
e  três  mez-s;  na  de  Madrasta  em  dezesete  annos.  Termo 
médio,  em  toda  a  índia,  treze  annos  e  meio.» 

O  arroz  que  produz  o  território  de  Goa  não  é  sufficiente 
para  o  consumo  da  sua  população. 

Recorrendo  aos  dados  estatísticos  officiaes  vê-se  que  em 
1846  importou  47:197  fardos.  De  i85o  a  i85i  houve  uma 
deficiência  de  arroz  correspondente  a  ii3,5  dias  de  consu- 
mo, como  se  conhece  por  um  mappa  elaborado  por  ordem 
do  governador  geral,  visconde  deVilla  Nova  de  Ourem. 

A  producção  total  do  arroz  no  território  de  Goa  calcula- 
se,  approximadamente,  em  14:742  aimbos,  ou  47:174  kiio- 
litros  e  4  hectolitros. 

O  arroz  indispensável  para  alimentação  diária  de  uma  fa- 
mília composta  de  quatro  pessoas  é  calculado,  pelo  menos, 
em  3  medidas  ou  pnris.  Uma  medida  é  menor  do  que  um 
litro.  O  litro  está  para  o  pôri  como  1  :  o9C)82  5. 

Em  1854  foram  importados  71:3 12  fardos  de  arroz. 


48 


A  índia 


Em  1864  a  importação  d'este  cereal,  só  pela  alfandega 
principal  de  Nova  Goa,  subiu  a  77:898  saccas,  que  corres- 
pondem a  31:932  arrobas. 

No  anno  de  1869  a  importação  de  arroz  pela  mesma  al- 
fandega foi  a  seguinte:  arroz  descascado  ou  iandul^  16:198 
candis  de  16  mãos;  arroz  com  casca  ou  bate^  19:868  candis*. 

O  arroz  descascado,  a  rasão  de  100 
xerafins  ou  francos  o  candil  de  mão, 
importou  em  xerafins,  1.819:800;  o 
bate,  ou  arroz  com  casca,  a  rasão  de 
40  xerafins  o  candil,  em  794:720; 
perfazendo  a  somma  de  2.614:520 
xerafins,  que  saíram  do  paiz  em  pre- 
juízo da  agricultura,  do  commercio, 
da  industria  e  do  thesouro. 

A  exportação  pela  referida  alfan- 
dega computa-se,  media  annual,  em 
45o  a  5oo  candis  de  arroz  descascado. 
É  principio  recebido  que  uma  porção 
de  bate  depois  de  descascado  se  re- 
duz a  metade. 

O  arroz,  —  ory\a  sátira  de  Lin.— , 
é  a  gramínea  que  o  agricultor  indiano 
cultiva  com  mais  esmero.  Tem  o  col- 
mo direito  e  elevado,  de  60  a  90  cen- 
tímetros de  altura,  cylindrico,  liso, 
apresentando  três  ou  quatro  nós.  As 
folhas  são  lineares,  lancioladas,  agudas,  muitas  vezes  de 
3o  a  40  centímetros,  denticuladas  e  ásperas  sobre  os  bor- 
dos; a  bainha  é  profunda  e  fendida,  e  a  ligação  membra- 


MULHER  DE  LENÇOL 


1  Medidas  de  capacidade  de  seccos  em  Goa:  o  cumbo  tem  20  can- 
dis, o  candil  20  curós,  o  curo  2  pailís,  o  paili  4  pôris,  o  pôri  ou  medida 
2  nactis,  o  nacti  2  ardnactis,  o  ardnacti  2  guirnactis,  o  guirnacti  2  sola- 
vens,  o  solavem  2  botes  solavens. 

O  pôri,  que  se  toma  como  base  d'este  systema,  é  pouco  menor  que  | 


4 


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PORTUGUEZA 


49 


nosa  disposta  contra  o  colmo,  delgada,  lisa  e  bipartida. 
xNa  base  da  folha,  no  ponto  onde  os  dois  bordos  se  con- 
fundem com  a  bainha,  acha-se  de  cada  lado  um  pequeno 
appendice  falsiforme,  offerecendo  no  seu  bordo  inferior 
uma  serie  de  pestanas  longas  e  sedosas.  As  flores  estão  dis- 
postas em  uma  panicula  terminal, 
mais  ou  menos  intensa.  Espiguetas 
unifloras;  lapicena  bivalvula,  pil- 
losa  e  mui  pequena;  gluma  igual- 
mente com  duas  palhetas,  três  a 
quatro  vezes  mais  longas;  válvula 
externa,  em  forma  de  carena  mui 
saliente,  caracterisada  por  lados 
longitudinaes  e  terminada  na  parte 
superior  por  uma  pragana  curta  c 
recta;  válvula  interna  mais  alon- 
gada, menos  saliente.  Taes  são  os 
caracteres  botânicos  do  arroz. 

Originaria    da    índia    oriental, 
esta  interessante  gramínea  é  co-  t^ 
nhecida  de  quasi  todos  os  povos,  'f^/ 

O  arroz,  como  quasi  todas  as  '^^, 
plantas  cultivadas  de  longa  data,  '^^ 
apresenta  grande  numero  de  va-  '"''"'^ 
riedades.  Na  índia  portugueza  di- 
vide-se  em  dois  grupos :  arroz  com 
pragana  e  arroz  sem  pragana. 

O  arroz  com  pragana  ou  barba,  chama-se  cumsachembate; 
e  o  desprovido  de  barba,  denomina-se  mottcm-bate.  Alem 
desta  divisão,  ainda  se  classifica  em  bate  grosso  e  bate  fino. 


UTI  INI  1  [RO 


O  litro.  Tendo  o  pôri  38  pollegadas  cubicas,  é  a  sua  equivalência  no  sys- 
tcma  métrico  0,00099825,  e  sendo  o  litro  0,001  cubico.  O  litro  está  para 
o  pon  como  i  :  099S25. 

curó^^rQf,-  ^°'''  '^'"^  ''"'  ^^^  P^'"'^'  ^'í"'^-^'^^  '^  ^-^^9.62  litros;  e  um 
cui  o  37,980  litros. 

4 


5o  A  índia 

As  variedades  mais  cultivadas  em  Goa  são  vinte  e  seis, 
a  saber:  asgô,  asgiiy,  babry,  belló,  beily,  bilare,  calaqui, 
calló  ou  cavaco,  caró-asgô,  caro-quendaló^  calassó,  cargun 
tó,  cotombarsal,  dangó,  dongorem,  dovem-bim,  dovi-patny, 
girisal,  normaré,  conchoró,  concheiy,  sapo-queudaló,  sirtó, 
sirty,  siiucoly  e  tambri-patny. 

Os  terrenos  — bhuins —  destinados  á  cultura  do  arroz  são 
quasi  horisontaes,  ou  de  um  declive  suave  para  facilitar  as 
regas  ou  inundações,  condição  indispensável  á  prosperidade 
dos  arrozaes.  Depois  de  convenientemente  preparados,  di- 
videm-se  em  espaços  ou  taboleiros  quadrados  ou  quadri- 
longos,  cercaiido-os  de  margens  ou  cômoros  — varcundós  — 
de  um  palmo  cubico,  que  os  kiilumbjs  amassam  com  os 
pés,  a  fim  de  poderem  sustentar  as  aguas,  e  darem  pas- 
sagem ao  cultivador  para  se  poder  empregar  nos  trabalhos 
da  cultura.  Estes  taboleiros  estão  dispostos  de  sorte,  que 
a  agua  se  conserva  n"elles  sem  se  vasar  por  fenda  alguma, 
passando  de  uns  para  outros  por  meio  de  comportas,  que 
se  abrem  e  fecham  facilmente,  como  convém. 

Dispostos  assim  os  taboleiros,  procede-se  á  sementeira, 
que  tem  logar  para  o  serôdio  em  fins  de  maio,  epocha  em 
que  começam  as  chuvas  de  Rohiuf;  e  para  a  vaugana,  em 
princípios  do  mez  hindu  cartico  ou  novembro.  As  chuvas  de 
Roliiny,  que  determinam  o  serviço  da  semeadura  do  arroz, 
desde  20  até  25  de  maio,  merecem  especial  menção  aos 
astrónomos  hindus  em  seus  escriptos. 

Sementeira  —  ompoií. — Ha  três  modos  de  semear  o  arroz: 

O  primeiro  consiste  em  lançar  á  terra  a  semente  secca. 
Isto  faz-se  quando  o  solo  é  secco,  ou  somente  um  pouco 
húmido. 

O  segundo,  em  se  deitar  á  terra  a  semente  depois  de  gre- 
lada. Para  este  segundo  modo  de  semear  prepara-se  previa- 
mente a  semente,  pondo-a  em  cestos  com  pesos  em  cima, 
e  banhando-a  três  vezes  por  dia  durante  algum  tempo.  Esta 
semente  assim  grelhada  — vou —  semeia-se  quando  a  terra 
já  está  impregnada  de  agua. 


ARCO'^   D0>   V1CK-I(EI> 


PORTUGUEZA  5  j 


O  terceiro,  íinalmente,  consiste  em  espalhar  pela  terra 
a  semente  já  grelada,  como  no  segundo  modo,  mas  n^um 
pequeno  espaço,  e  muito  densa,  para  mais  tarde  ser  trans- 
plantada. Quando  as  plantasinhas  têem  crescido  sufficiente- 
mente,  isto  é,  attingido  a  altura  de  o'",  2  são  transplantadas 
para  os  campos  já  preparados  para  as  receber,  ou  para  as 
raleiras  que,  por  qualquer  circumstancia,  uma  vegetação 
fraca  e  enfezada  deixa  muitas  vezes  nos  taboleiros. 

Antes  de  se  proceder  á  ompon  definitiva,  costumam  os 
hindus  fazer  uma  cerimonia,  que  consiste  em  os  primeiros 
gáocares  espalharem  solemnemente  pela  várzea  um  punhado 
de  rou  ou  semente  grelada. 

Para  os  arrozaes  de  vangana  empregam  sempre  os  culti- 
vadores o  bate  denominado  sirtó. 

Esta  variedade  de  arroz,  que  leva  cinco  mezes  e  ás  vezes 
mais  para  se  desenvolver  e  fructificar,  produz-se  em  terre- 
nos lodosos  e  salgados.  Os  terrenos  de  Macazana,  em  Sal- 
cete,  são  considerados  os  melhores  para  a  produccão  do  sir- 
tó; sendo  ali  onde  os  cultivadores  de  vangana  vão  annual- 
mente  buscar  as  sementes  de  que  carecem. 

Feita  a  sementeira  introduzem  logo  a  agua  nos  taboleiros, 
conservando-a  proporcionada  ao  crescimento  das  plantas' 
até  que  o  arroz  começa  a  amadurecer  na  espiga. 

Durante  o  seu  desenvolvimento  os  arrozaes  são  monda- 
dos uma  ou  mais  vezes.  Os  indígenas  dão  o  nome  de  iitraçô 
a  primeira  monda,  que  consiste  em  arrancar  ou  extirpar 
as  plantas  ruins,  que  podem  prejudicar  o  desenvolvimento 
e  fructificação  do  arroz. 

Para  que  a  maturação  do  grão  se  possa  completar,  es- 
coam-se  as  aguas  alguns  dias  antes  da  colheita.  Esta  opera- 
ção é  denominada  pelos  indígenas  iitravalem. 
_  Logo  que  o  arrozal  adquire  uma  cor  amarella  carregada, 
signal  de  que  o  grão  está  maduro,  o  que  de  ordinário  acon- 
tece três  mezes  depois  da  sementeira,  procede-se  i  colheita 
ou  lunvitã.  A  ceifa  é  eífectuada,  depois  da  cerimonia  da 
espiga  —Adão—,  de  que  já  falíamos. 


D  2 


A  índia 


Para  ceifar  o  arroz  usam  os  cultivadores  do  r///o'  ou  coi- 
íy,  espécie  de  foucinha,  e  cortam  o  colmo  com  grande  cui- 
dado e  destreza  pelo  terço  superior,  a  fim  de  que  o  grão, 
que  facilmente  se  desprende  da  espiga,  não  se  espalhe  pelo 
solo. 

Depois  do  bate  ceifado  conduzem-no  em  feixes  para  a  eira 

— qhal  —  ^  onde  tem  de  ser  de- 
bulhado. 

A  debulha  • — molny —  faz-se 
pegando  nas  gavellas  ou  pavêas 
pela  extremidade  inferior  do  col- 
mo, e  batendo  com  ellas  contra 
uni  poste,  ou  no  terreno  da  eira. 
Depois  de  terem  feito  largar  ás 
espigas  a  maior  parte  do  grão, 
ajuntam-nas  em  montão,  e  em 
seguida  os  trabalhadores,  agar- 
rados a  um  pau  —  mollong — 
atravessado  horisontalmente  so- 
bre duas  forquilhas  perpendicu- 
lares, esmiuçam-nas  com  os  pés, 
e  completam  este  trabalho  ba- 
tendo alternadamente  com  bam- 
bus sobre  a  palha,  a  fim  de  ex- 
trahirem  os  grãos  que  ella  ainda 
possa  conter  depois  das  primei- 
ras operações.  Em  algumas  lo- 
calidades é  executada  a  debulha 
por  um  cordão  de  bois  ou  de 
búfalos,  em  torno  do  calcadouro. 

Como  a  palha  do  arroz  serve  para  alimentar  o  gado  vac- 
cum,  quando  lhe  faltam  as  hervagens,  é  ella  conveniente- 
mente esmiuçada  na  occasião  da  debulha. 

Acabada  a  debulha,  levantam  os  trabalhadores  a  palha, 
ajuntam  o  grão,  padejam-no  ao  vento,  limpam-no,  e  tornam 
a  juntar  n"'um  montão  todo  o  bate  debulhado  e  limpo. 


MAINATA  OU  LAVADEIRA  GENTIA 


RUÍNAS   DO  PÓRTICO  DO   PALÁCIO  DA  FORTALEZA 


PORTUGUEZA 


53 


Em  seguida  o  gãocar  colloca  um  coco  no  centro  da  eira, 
e  com  um  cesto  de  bambu  — dal —  vae  medindo  e  lançando 
o  arroz  em  cima  do  coco,  e  ao  mesmo  tem.po  avaliando  cm 
voz  alta  o  numero  de  ciirós  que  produziu  o  arrozal. 

O  arroz  não  se  pôde  levantar  da  eira,  nas  Novas  Con- 
quistas, sem  que  difterentes  indivíduos  venham  receber  certa 
quantidade  de  producção.  O  pri- 
meiro é  o  empregado  da  fazenda 
publica,  que  recebe  a  parte  per- 
tencente ao  Estado;  segue-se  o 
nacorniin  ou  escrivão  adminis- 
trativo, que  recebe  um  curo; 
depois  o  taxi  li  dar  ou  cabo  de 
policia,  que  recebe  um  paili;  e 
seguidamente  o  boi  to  ou  sacer- 
dote gentio,  que  leva  um  curo, 
e  a  bavina  ou  servidora  do  pa- 
gode, que  tambcm  recebe  um 
paili.  Nas  Ilhas,  Bardez  e  Salce- 
te,  procede-se  de  igual  maneira; 
com  a  diíTerença,  porém,  de  que, 
em  logar  do  botto,  é  o  padre 
catholico,  em  vez  da  bavina,  é  o 
sacristão,  o  dizimeiro,  o  medi- 
co, artífices  e  outros  servidores  1: 
da  communidade  agrícola. 

Satisfeitas  estas  contribuições 
estabelecidas  pelos  antigos  usos 

e  costumes  hindus,  o  arroz  que  fica  na  eira  é  dividido  em 
tantas  porções,  quantos  foram  os  indivíduos  que  concor- 
reram com  o  seu  trabalho  ou  capitães  para  o  produzirem. 

Para  conservarem  o  arroz  os  agricultores  encelleiram-no 
em  ciiddos  ou  esteiras  de  vergas  de  bambu,  ou  em  muddys 
ou  fardos  de  palha  do  mesmo  arroz. 

A  palha  fica  na  eira  formando  o  ciiddem  ou  palheiro  de 
forma  cónica,  onde  os  bois  e  os  búfalos  xíxo  procurar  manti- 


CRUDO  DE  SERVIR 


54  A  índia 

mento,  quando  a  seccura  do  terreno  tem  feito  desapparecer 
de  todo  as  hervagens. 

O  arroz,  para  ser  consumido,  é  primeiramente  cozido,  e 
depois  de  secco  descascado,  mediante  o  pilão  — mussó — , 
como  nos  primitivos  tempos  da  agricultura  indiana.  A  esta 
operação  dão  os  indigenas  o  nome  de  solitd. 

O  arroz  vem  para  a  mesa  unicamente  cozido  com  agua 
e  sal,  e,  quando  assim  preparado,  denomina-se  sito.  O  caril 
mistura-se  com  o  arroz,  á  mesa,  na  quantidade,  que  apraz 
a  cada  um  dos  convivas.  É  uma  espécie  de  molho,  semi- 
líquido, composto  de  muitas  especiarias:  summo  de  tama- 
rindo, coco,  com  carne  ou  peixe  misturado,  sendo  a  parte 
radical  a  pimenta  longa  — pipcr  longum,  de  Linneo,- —  e  a 
malagueta.  Os  hvgienistas  indianos  consideram  estes  e  ou- 
tros condimentos,  tomados  com  moderação,  como  indispen-  V 
sáveis  para  manter  boa  saúde  e  prophylaticos  dos  excessos 
de  transpiração. 

Com  o  caril  usa  se  do  papari  ou  ápa  mui  delgada  feita 
de  farinha  de  nachinim,  amassada  com  especiarias,  e  frita 
n\ima  frigideira  de  barro. 

A  relação  da  producção  com  a  semente  empregada  varia 
segundo  a  natureza  e  qualidade  do  terreno.  Nas  margens 
dos  esteiros  é,  termo  médio,  i8:i;  nas  vanganas,  io:i;  nos 
terrenos  de  sequeiro,  8:  i.  Esta  pequena  producção  é  devida 
ao  mau  amanho  dos  terrenos,  e  á  falta  dos  indispensáveis 
adubos. 

Mas  esta  desvantagem  de  producção  comparada  com  os 
productos  do  arroz  em  Portugal,  que  sobem  muitas  vezes 
nos  paúes  a  loo  e  mais  sementes,  e  quasi  nunca  descem  de 
40,  é  compensada,  comquanto  os  arrozaes  na  índia  não  pos- 
sam ser  tidos  por  insalubres,  pela  diminuição  das  febres 
palustres,  e  outras  doenças  periódicas,  que  têem  motivado 
a  prohibição  dos  arrozaes  em  alguns  paizes  da  Europa. 

Depois  de  assistirmos  ao  addo.,  que,  como  acabámos  de 
ver,  os  agricultores  catholicos  da  aldeia  de  Taleigão  fazem 
todos  os  annos  desde  a  conquista  de  Goa  pelos  portuguezes, 


PORTUGUEZA  DD 


náo  precisamos  sair  de  Pangim  para  presenciarmos  também 
uma  grande  festividade  gentilica,  a  do  Ganes,  denominada 
Ganèsachovote  ou  porobe. 

É  principalmente  no  bairro  das  Fontainhas,  onde  se  en- 
contra a  esplendida  Fonte Fenix^  cuja  agua  brota  cr3-stallina 
e  fresca  na  base  oriental  do  outeiro  de  Pangim,  que  no  dia  4 
da  lua  crescente  do  mez  hindu  Badrabad  —  setembro  — ,  se 
festeja  com  mais  esplendor  nas  casas  dos  gentios  a  imagem 
do  Ganes  collocada  n'um  arôto  (oratório),  ornada  de  valiosas 
jóias  e  cercada  de  luzes,  flores  e  fructos,  cujo  enlace  é  re- 
matado em  diversas  direcções  por  cachos  de  areca, 

O  Ganes  ou  Ganapoty,  como  se  vê  no  desenho,  está  sen- 
tado de  pernas  cruzadas,  com  o  ventre  de  grandes  dimen- 
sões, cingido  por  enorme  serpente.  Tem  a  cabeça  de  ele- 
phante,  e  quatro  braços,  dois  dos  quaes  estão  levantados  e 
dois  pendentes  sobre  o  corpo.  Na  mão  esquerda  dos  braços 
levantados  empunha  uma  machadinha,  e  na  direita,  a  me- 
tade de  um  dente;  nas  outras  duas  mãos  tem:  na  do  lado 
direito,  a  tromba,  e  algumas  vezes  uma  salva  com  laru  ou 
modac,  doce  de  que,  segundo  a  tradição,  elle  muito  gostava; 
e  na  do  lado  esquerdo,  sustenta  um  tridente.  É  todo  pintado 
de  branco  pelos  hindus  que  observam  os  preceitos  da  pre- 
sente epocha  designada  Xali;  e  de  encarnado,  pelos  que 
ainda  seguem  o  costume  da  epocha  denominada  Diupur. 

O  rato,  que  se  vê  junto  d^elle,  representa  um  celebre 
gigante,  a  quem  os  deuses  haviam  concedido  o  privilegio 
daimmortalidade  e  outros  poderes,  de  que  abusou  contra 
os  homens;  e,  por  este  motivo,  Ganapot}^  o  transformou 
n'aquelle  roedor. 

O  Ganes  é  um  dos  deuses  mais  adorados  no  mundo 
hindíi,  aonde  também  o  denominam  Nali-Ganapatf,-Vi- 
tiiaeq,  Ecodanto,  Qiiniiarary  e  Polear.  Está  para  os  bra- 
mínes  como  o  Espirito  Santo,  ''s3'mbolisado  na  Pomba, 
para  os  catholicos. 

Os  gentios,  antes  de  emprehenderem  qualquer  trabalho 
intellectual  ou  manual,  invocam  sempre  o  divino  auxilio  do 


DO 


A  índia 


seu  Ganes  ou  Mnahii,  para  que  lhes  anime  o  espirito  e  for- 
taleça o  corpo  com  a  sua  divina  graça. 

Sobre  a  procedência  do  Ganes  e  a  sua  cabeça  de  ele- 
phante,  diz  a  tradição  gentilica  que  estando  um  dia  Parvo- 
tv,  esposa  de  Shiva  ou  Mahés,  a  banhar-se,  tivera  a  velei- 
dade de  fazer  uma  figura  de  barro  amassado  com  agua  do 
banho,  que  se  animara  ao  contacto  do  seu  hálito.  Voltando 


1  ONTE  1-KM\ 


para  casa  trouxe  Parvoty  comsigo  o  pequeno  Ganes,  que 
lhe  servira  de  companhia  durante  a  longa  ausência  de  seu 
marido,  que  andava  peregrinando  pelo  mundo. 

Passados  doze  annos  voltou  Mahés  ao  domicilio  conjugal; 
e  quando  pretendia  transpor  o  limiar  da  porta,  o  pequeno 
Ganapoty  oppoz-se  á  sua  entrada  por  desconhecer  o  esposo 
de  sua  mãe.  Mahés,  agastado  por  esta  contrariedade,  lança 


PORTUGUEZA 


57 


mão  da  espada  e  degola  o  insolente  rapaz,  que  assim  se 
atrevia  a  estorvar-lhe  a  passagem.  Em  seguida  entra  nos 
aposentos  de  Parvoty.  Esta  sabe,  entáo,  por  seu  esposo, 
do  trágico  acontecimento  que  acaba  de  ter  logar,  c  conta- 


Ihe  a  origem  do  Ganes,  e  as  ordens  que  este  tinha  de  não 
permittir  ingresso  nos  seus  aposentos  a  pessoas  desconhe- 
cidas. Mahés  corre  em  procura  do  decapitado  choro  (rapaz) 
para  reparar  o  mal  que  fizera;  mas,  encontrando  o  corpo, 


58  A  índia 

não  vê  a  cabeça,  por  haver  desapparecido.  Então  Mahés    íi 
corta  a  cabeça  ao  seu  melhor  elephante  e  colloca-a  sobre  o 
pescoço  do  Ganes,  que  se  ficou  também  chamando  Polear. 

A  Gânésachovote  e  os  pi/-ds  ou  orações  ao  Ganes  duram    | 
dia  e  meio,  e  em  algumas  casas  mais,  conforme  as  promes 
sas  e  os  milagres  realisados  por  intervenção  de  Ganapoty.  \^ 

Finda  a  festividade,  a  imagem  do  Ganes  é,  como  se  vê 
no  desenho,  solemnemente  lançada  ao  mar.  a  um  rio,  ou 
poço;  ficando  em  casa  unicamente  aquellas  aquém  se  fez 
promessa,  até  a  próxima  futura  gânésachovote. 

Os  hindus  dingem  quotidianamente  ao  Ganes  os  pii^as 
ou  orações,  das  qiiaes  danios  em  seguida  a  traducção: 

D'entre  os  deuses  tu  és  o  mais  formoso 

Máha  Ganapoty ! 
E  és  em  qualquer  parte  conhecido 

Filho  de  Parvoty ! 
As  argolas  que  te  adornam  as  orelhas 

São  tão  resplandecentes 
Como  essas  que  do  Sol  o  filho  usa 

Entre  os  astros  fuleentes. 


O  sândalo  e  outros  mil  aromas  castos 

Espalham  sobre  ti 
O  santo,  o  rico,  os  poderosos  nobres 

Brahmá,  Hora  e  Goury ! 
De  ti,  do  teu  valor  e  nobre  empenho 

Recebem  protecção 
Aquelles  que  só  têem  para  offertar-te 

A  simples  oração. 

Zoideu,  Zoideu,  deidade  triumphante, 
A  minha  devoção  é  que  illumina, 
Com  a  luz  d'um  diuly  o  teu  semblante 
Ornado  d'essa  tromba  elephantina. 

Sobre  o  gigante  que  n'um  rato  enorme 
Oh!  Filho  de  Mahés! 

Tu  transformaste,  vejo-te  sentado 
A  ti,  lindo  Ganes! 


PORTUGUEZA  bg 


Antes  que  houvesse  dado  ao  barro  immundo 

Forma  a  deusa  Goury, 
Já  vivias  puríssimo  na  mente 

Pura  de  Parvoty. 

Tu  que  das  sciencias  e  das  artes  bellas 

És  o  Deus  protector, 
Dá  um  raio  da  tua  santa  graça 

Ao  teu  servo,  Senhor: 
hífunde-lhe  na  alma  a  luz  divina 

Da  sagrada  oração. 
Que  de  ti  reverente  e  humilde  espera 

Rojado  n'este  chão. 

Zoideu,  Zoideu,  deidade  triumphante 
etc,  etc. 

Ribandar. — Antigo  bairro  de  Chimbel,  e  hoje  o  segundo 
de  Nova  Goa,  deriva  seu  nome  da  palavra  maratha  Rai- 
bondra,  que  significa  em  portuguez  desembarcadouro  dos 
governadores,  por  ser  ali  nos  primeiros  tempos  da  con- 
quista o  logar  do  desembarque.  E  o  bairro  aristocrata,  onde 
residem  as  principaes  familias  representantes  dos  descen- 
dentes dos  europeus.  O  nosso  desenho  mostra  os  palá- 
cios dos  srs.  visconde  de  Bucellas,  barão  de  Combarjua, 
D.  Manuel  de  Carcomo  Lobo,  e  de  outros  illustres  descen- 
dentes de  antiga  nobreza.  É  na  igreja  deste  bairro  que  se 
acham  as  relíquias  de  S.  Thomé. 

Ribandar  está  ligada  a  Pangim  por  meio  de  uma  grande 
ponte  mandada  construir  em  i633  pelo  senado  da  camará 
de  Goa,  sendo  vice-rei  do  Estado  D.  Miguel  de  Noronha, 
conde  de  Linhares.  Mede  2:800  metros  de  comprimento, 
e  tem  44  arcos,  sendo  38  do  lado  de  Pangim,  3  no  meio 
e  3  em  Ribandar. 

Machila. — A  machila  é  uma  espécie  de  palanquim,  que 
se  usa  em  Goa  para  transporte  de  pessoas.  É  de  variados 
feitios,  serve  para  um  ou  dois  indivíduos.  Tem  um  toldo 
de  chita  ou  outro  qualquer  estofo  para  resguardar  do  sol, 


6o 


A   índia 


no  estio,  e  uma  coberta  de  panno  oleado,  que  serve  para  '  i 
resguardar  da  chuva  na  quadra  pluviosa. 

A  gravura  representa  uma  machila  com  o  toldo  de  verão,  i  i 
conduzida  á  cabeça  por  quatro  indígenas  da  casta  siidra,  \  ■' 
denominados  èoú'^',  ii 


O  boid  da  frente,  que  é  o  capataz,  vae  sempre  adver- 
tindo os  companheiros  das  irregularidades  do  terreno,  e 
dos  objectos  e  voltas  que  encontra  no  caminho  pela  forma 
seguinte:  Socdce,  devagar;  éqiie  factor,  uma  pedra-,  éqiic 
dando,  um  pau;  údique,  agua;  ddó,  para  a  direita;  usura, 
para  a  esquerda;  mucar,  para  a  frente;  béguim,  depressa; 
rabré,  pare;  entremeiando  estas  advertências  com  a  pro- 
messa de  que  o  senhor  dará,  em  chegando  a  casa,  dinheiro 
para  \inho :  Saibd  daré  f^ard  dum,  tanga,  sóró  pitd. 


1  Boiás  ou  boiáses — Homens  que  se  occupam  em  conduzir  isente 
nas  machilas,  em  numero  de  4,  á  cabeça  ou  aos  homhros. 


PORTL'(;iEZA 


6i 


Convento  de  Chimbel. — E  n"cste  convento,  das  antigas 
carmelitas  descalças  de  Chimbel,  que  actualmente  se  acham 
estabelecidas  as  recolhidas  e  convertidas  de  Nossa  Senhora 
da  Serra. 

Depois  da  extincçao  das  ordens  religiosas,  em  setembro 
de  i835,  as  recolhidas  e  as  con\crtidas  passaram  em  junho 
de  ]í^4o  para 
o  sumptuoso 


convento     de 
I  Santo    Agosti 
i  nho.  Mais  tar- 
I  de,   em   2 1   de 
I  junho  de  1 84 1 , 
I  foram    transfe- 
1  ridas   para  o 
convento     de 
Chimbel,  que  o 
nosso  desenho 
representa,  por 
causa  do  esta- 
do   de    ruina 
d'aquelle  edifí- 
cio. 

Aordemcar- 
melitana  teve 
origem  em  Goa 
em   dois   cléri- 


gos seculares — 


TRAJE  DE  XOIVADO 


O  padre  João 
Baptista  Fal- 
cão e  o  padre 
Francisco  Xa- 
vier dos  An- 
jos—  os  quaes, 
estabelecendo- 
se  na  ermida 
da  invocação 
da  Soledade  de 
Nossa  Senhora 
do  Carmo,  na 
aldeia  de  Chim- 
bel, da  fregue- 
zia  de  Riban- 
dar,  pediram 
licença  ao  vice- 
rei,  marquezde 
Alorna,  para  vi- 
verem,  sob  os 


estatutos  da  ordem  terceira  carmelitana,  com  seus  com- 
panheiros presentes  e  futuros.  Obtida  a  licença  requerida, 
e  as  necessárias  confirmações,  fundaram  a  referida  ordem 
em  1 1  de  dezembro  de  1750. 

Hospital  da  Misericórdia. —  Este  hospital  está  situado 
na  margem  esquerda  do  Mandovy.  entre  Ribandar  e  S. 
Pedro. 

Na  epocha  da  passada  grandeza  de  Goa,  existiam  n"esta 
cidade  três  hospitaes :  o  Hospital  Real,  o  de  S.  Lazaro,  e 


62  A  índia 

O  de  Todos  os  Santos.  O  primeiro  era  administrado  pela 
fazenda  publica,  e  os  outros  dois  pela  santa  casa  da  mi- 
sericórdia. 

Posteriormente  á  fundação  d'estes  hospitaes,  o  senado 
da  camará  estabeleceu  um  outro  hospital,  contíguo  ao  de  \ 
Todos  os  Santos,  sob  a  invocação  de  Nossa  Senhora  da  | 
Piedade,  o  qual  foi  adjudicado  em  17  de  setembro  de  168 1  |í 
á  misericórdia,  ficando  de  futuro  por  este  motivo  com  a 
denominação  de  Hospital  de  Todos  os  Santos  e  de  Nossa 
Senhora  da  Piedade. 

Actualmente  os  três  hospitaes  da  administração  da  santa 
casa  da  misericórdia  estão  fundidos  em  um  só,  sob  a  de- 
signação de  Hospital  da  Santa  Casa  da  Misericórdia,  de 
cujo  edifício  ofterecemos  o  desenho. 

O  Hospital  Real  passou  para  Pangim,  com  a  denomi- 
nação de  Hospital  Militar  de  Nova  Goa,  em  1842. 

Proseguindo  sempre  pela  margem  do  Mandovy  em  di- 
recção á  velha  cidade  de  Goa,  logo  em  seguida  ao  hospi- 
tal da  misericórdia,  depara-se-nos  o  edifício  da  Fabrica 
da  Pólvora,  mandado  construir  pelo  conde  de  Linhares,- 
D.  Miguel  de  Noronha. 

Ligadas  ao  edifício  da  fabrica  da  pólvora  estão  as  ruí- 
nas do  antigo  palácio  de  Panelim,  para  o  qual  havia  trans- 
ferido a  sua  residência  o  vice-rei  conde  de  Villa  Verde  en- 
tre 1594  e  iScjb,  continuando  as  funcções  publicas  a  ter 
logar  no  palácio  da  Fortaleza,  da  cidade  de  Goa.  De  Pane- 
lim mudou  depois  o  vice-rei  Caetano  de  Mello  e  Castro  a 
sua  residência  para  Mormugão,  onde  pouco  tempo  se  de- 
morou. Mais  tarde,  em  1759,  o  vice-rei  conde  da  Ega  trans- 
feriu defínitivamente  a  residência  habitual  dos  governadores 
para  a  fortaleza  do  Hidal-Kan  em  Pangim,  passando  en- 
tão para  o  palácio  de  Panelim  o  Hospital  Real  e  Militar. 

A  fabrica  da  pólvora  esteve  primeiramente  estabelecida 
na  cidade  velha  até  ao  anno  de  1629,  e  dizem  os  doeu-   |i 
mentos  d'aquella  epocha  que  n'ella  se  fabricavam  annual 
mente  21:600  quintaes  de  pólvora. 


PORTUGUEZA  63 


Fronteiro  á  fabrica  da  pólvora,  está  na  margem  opposta 
do  Mandovy  o  Seminário  do  Chorão.  Ali  se  vê,  quasi 
|em  ruinas,  o  antigo  noviciado  dos  jesuítas,  que  foram  pre- 
'sos  em  Goa  em  2  5  de  setembro  de  1759,  sendo-lhes  se- 
questradas as  propriedades. 

A  ilha  do  Chorão  é  a  maior  depois  da  de  Tissuary. 
Terá  de  comprido  8  kilometros,  sobre  pouco  mais  de  i 
jkilometro  de  largura. Tem  duas  freguezias:  a  da  Graça  e  a 
Ide  S.  Bartholomeu.  É  na  fralda  de  uma  collina  da  freguezia 
ida  Graça,  que  está  situado  com  exposição  ao  sul  o  edifício 
do  seminário,  onde  professou  Fernão  Mendes  Pinto. 

Em  21  de  setembro  de  1779  o  noviciado  dos  jesuítas 
foi  convertido  por  aviso  régio  em  seminário,  que  mais 
tarde,  em  i858,  foi  abandonado  por  insalubre. 

Por  carta  regia  de  iq  de  março  de  1781  mandaram-se 
crear  três  seminários  em  Goa:  o  do  Bom  Jesus  na  cidade; 
o  do  Chorão,  que  dois  annos  antes  era  noviciado,  e  o  de 
Rachol,  na  província  de  Salcete.  Pela  mesma  carta  foram 
estes  seminários  entregues  á  direcção  dos  padres  italianos. 
Actualmente  só  existe  o  de  Rachol. 

N''esta  ilha  e  na  da  Piedade  existiam  diíferentes  fortifi- 
cações, sendo  a  maior  d^ellas  a  chamada  do  Chorão,  con- 
struída em  1720,  e  hoje  em  ruinas.  Existiam  igualmente  ali 
no  século  passado  muitas  casas  e  quintas  de  recreio  per- 
tencentes á  antiga  nobreza  de  Goa.  Hoje  está  tudo  redu- 
zido a  palmares  e  várzeas  de  arroz. 

Forte  de  Santo  Estevão.  —  Este  forte,  construído  na 
parte  mais  elevada  da  ilha  de  Jua,  acha-se  ha  muito  aban- 
donado. Foi  n^elle  que,  em  novembro  de  i683,  o  Sambagy 
tomou  a  guarnição  por  surpreza  e  a  passou  toda  á  espa- 
da: custou  depois  muitas  vidas  a  sua  recuperação.  Por 
lesta  occasião  o  conde  de  Alvor,  receiando  não  poder  de- 
ifender  a  cidade  no  caso  de  ser  atacada  pelo  Sambagy, 
ique  tão  perto  estava,  entregou  o  seu  bastão  e  patente  de 
igeneral  a  S.  Francisco  Xavier,  pedindo-lhe  o  seu  auxilio 
n'esta  campanha. 


64 


A   índia 


Goa.  —  Antiga  capital  do  Estado  da  índia  portugueza,  está  ; 
situada  a  NE.  da  illia  Tissuary,  na  margem  esquerda  do  i 
rio  Mando v)^,  e  lo  kilometros  a  L.  de  Pajigim  ou  Nova  Goa,  .; 
a  moderna  capital. 


D.  VASCO  DA  GAMA 


Até  aos  fins  do  século  xiv  os  povos  de  Goa  estiveram 
sujeitos  ao  dominio  dos  soberanos  hindus  da  d^-nastia  Ca- 
dame,  tributários  dos  imperadores  do  Bisnagar. 

Mais  tarde  (não  se  sabe  precisamente  o  anno)  os  árabes, 
que  em  io53  se  haviam  estabelecido  em  Goa,  convidados 
por  Zaquexy  Cadame,  scnhoriaram-se  d^ella,  e  tornaram-se 
independentes.  Foi  este  o  primeiro  governo  estrangeiro  que 


j 


PORTUGUEZA 


65 


tiveram  estes  povos,  apesar  das  muitas  invasões   que  já 
então  o  Indostão  havia  solfrido. 

Em  1404  foram  os  árabes  expulsos,  e  Goa  passou  outra 
vez  para  os  hindus,  sob  o  poder  de  Vir  Ari  Har  Rajdh, 
chefe  de  Bisnagar,  que  a  uniu  aos  seus  estados.  Assim 
continuou   até   que   em   1479,  sublevando-se  os   povos  de 


^■E^'DEDEIRA   DE  MISSANGA 


GARLTEIRO  VENDENDO  MISSANGA 


Onor  contra  os  mahometanos  ali  residentes,  e  expulsando- 
os,  um  grande  numero  dos  mouros  expulsos,  capitaneados 
por  xAlelique  Oum,  senhoriaram-se  de  Goa,  e  ali  fundaram 
um  novo  estado  e  governo. 

Em  14* )i  Issuf  Idalxá,  de  nação  Patane,  e  rei  de  Visia- 
pur,  estendeu  os  seus  dominios  até  Goa,  e  deu-lhe  por 
governador  seu  filho  o  príncipe  Xahajad,  mais  conhecido 
por  Sabayo  Dal-Kan. 


(55  A  índia 

Tinham  decorrido  dczenove  annos  desde  a  conquista 
do  Goncão  pelo  Idalxá  ou  Hidal-Kan,  quando  Aífonso  de 
Albuquerque  foi  conquistar  Goa  no  anno  de  iD.io,  substi- 
tuindo então  o  dominio  portuguez  ao  dos  mouros. 

AtTonso  de  Albuquerque  tratou  benevolamente  os  gao 
cares  -senhores  da  terra-  que  lhe  prestaram  preito  e 
homenagem;  garamiu-lhes  as  immunidades  e  regalias  das 
suas  gaumpoiías  ou  communidades  agrícolas,  ficando  elles 
contribuindo  para  o  Estado  somente  com  dois^ terços  dos 
foros  e  tributos,  que  pagavam  ao  Sabayo  Dal-Kan. 

O  arco  dos  Vice-Reis,  assim  denominado  por  dar  in- 
gresso aos  vice-reis  e  governadores,  quando  vao  tomar 
posse  do  governo  da  índia  portugueza,  está  situado  em 
frente  do  cães  do  mesmo  nome,  contíguo  ás  ruínas  do 
Palácio  da  Fortale-^a,  em  que  residiam  os  vice-reis. 

Era  uma  das  antigas  portas  da  cidade  velha  de  Goa, 
mandada  construir  pelo  vicc-rei  D.  Francisco  da  Gama, 
conde  da  Vidigueira,  por  alvará  de  4  de  agosto  de  i5cnj, 
em  memoria  de  seu  bisavô  D.Vasco  da  Gama. 

A  fachada,  voltada  para  o  Mandovy,  e  que  o  nosso  dese- 
nho reprcsema,  é  de  granito.  Tem  por  cima  do  arco  a  esta- 
tua em  pedra  de  D.  Vasco  da  Gama,  e  sobre  o  remate  do 
nicho,  a  seguinte  inscripção : 

REINANDO  ELR.  D.  FILLIPE  I .»  POS  A  CIDADE  AQUI  DOM 
VASCO  DA  GAMA  I  .^  CONDE  ALMIRANTE  DESCOBRIDOR  E 
CONQUISTADOR  DA  ÍNDIA  SENDO  VISO-REI  O  CONDE  DOM 
FRANCISCO  DA  GAMA  SEU  BISNETO.  O  ANNO  D  99 

JVLIVS  SIMON  ING.  MA.  INV. 

No  tvmpano  do  frontão  vê-se  a  esculptura  em  bronze  da 
ima<^eni  de  Santa  Gatharina  de  Alexandria,  padroeira  de 
Goa"^  e  sobre  o  nicho,  as  armas  da  cidade,  que  sao  as  de 
Portugal,  tendo  representada  na  base  a  roda  armada  de  na- 
valhas, em  que  os  inHeis  despedaçaram  a  mesma  santa 

Entrando  o  arco  vê-se  á  direita  na  parede,  em  baixo  relê 
vo    a  imagem  de  Nossa  Senhora  da  Conceição  sobreposta , 


PORTUGUCZA 


67 


á  cffigie  de  el-rci   D.  João  IV,  com  a  seguinte  inscripcao 
gravada  na  pedra: 

LEGITIMO  E  VERDADEIRO   REI  DOM  JOÃO 

4."  RESTAURADOR   DA  LIBERDADE  PORTUGUEZA 

I G  5  (■) 

Sobre  a  abobada  do  arco  existia  antigamente  uma  sala, 
em  que  estavam  pintadas  todas  as  guerras  dos  portugue- 
zes  na  índia. 

Do  palácio  da  Fortaleza  —antigo  serralho  do  Hidal-Kan 
e  depois  residência  dos  vice-reis—  que  estava  ligado  a  este 
arco,  existe  apenas  uma  parte  do  pórtico,  que  representa  o 
desenho  com  essa  denominação.  Este  palácio  e  o  da  inqui- 
sição foram  mandados  deniolir,  por  assento  da  junta  da  fa- 
zenda, em  19  de  Junho  de  1820. 

Não  podemos  deixar  de  consignar  n'este  logar  algumas 
palavras  que  o  sr.  conselheiro  Rivara  nos  dirigiu  na^^occa- 
siáo  em  que  esboçávamos  estas  ruinas. 

—«Continue  na  sua  louvável  tarefa  de  desenhar  os  gran- 
diosos monumentos  que  restani  da  nossa  índia,  e  a  que  es- 
tão ligadas  tão  gloriosas  tradições  dos  nossos  antepassados, 
porque  d\iqui  a  trinta  ou  quarenta  annos,  da  maior  parte 
d^elles  não  ficarei  mais  do  que  a  memoria  e  os  seus  desenhos. 
Trabalhe  pois:  esqueça-se  de  que  na  índia  o  homem  que 
trabalha  de  vontade  tem  sempre  contra  si  as  rivalidades 
invejosas,  os  inimigos  do  trabalho  e  aquellcs  que  querem  vi- 
ver á  sombra  dos  abusos;  e  sirva-lhe  de  incentivo  o  conse- 
lho do  immortal  Cam6es,  que  aqui  esteve  como  nós  estamos 
agora. 

«Busque  a  foma  por  trabalho  e  lida, 
Morre  inglório  quem  passa  em  ócio  a  vida.» 

Na  cidade  de  Velha  Goa  estiveram  mui  notáveis  escripto- 
res  portuguezes,  como  os  insignes  poetas  CamGes,  Bocage, 
o  sr.  Thomaz  Ribeiro  e  o  illustrado  orientalista  Joaquim 
Hehodoro  da  Cunha  Rivara. 


68 


A  IXDIA 


Cam5es,  concebendo  os  Lusíadas  e  cantando  os  feitos 
heróicos  de  nossos  maiores;  Bocage,  stygmatisando  com 
satyras  as  demasias  dos  descendentes  de  nossos  conquista- 
dores; e  o  sr.  Thomaz  Ribeiro,  chorando  sobre  as  ruinas  de 
Velha  Goa  a  decadência  de  tanta  gloria  e  passada  grandeza. 


CONSELHEIRO  THOMAZ  RIBEIRO 

Conselheiro  Thomaz  Ribeiro.— W\o  é  licito  escrever  este 
nome  sem  ter  a  certeza  de  que  nenhum  portuguez  o 
ignora.  Com  relação  aos  negócios  da  índia,  basta  dizer 
que  tendo  acompanhado  o  sr.  visconde  de  S.  Januário 
como  secretario  do  governo  geral,  tomou  parte  em  todos 
os  negócios  que  illustraram  aquelle  governo,  a  que  o  cha- 
maram a  sua  elevada  posição  otficial,  poderosissima  intelli- 
gencia  e  consummado  saber.  Temos  d^essa  epocha  os  dois 
primorosos  livros  intitulados  Jornadas:   Do  Tejo  ao  Man- 


PORTUGUEZA 


69 


dorj'  e  Entre  Palmeiras,  que  dizem  do  seu  auctor  o  que 
não  poderíamos  resumir  n"estas  breves  linhas. 

O  sr.  Tliomaz  Ribeiro,  como  esses  génios  de  eleiçro  a 
quem  a  Providencia  concede  dons  especiaes,  pôde  ser  con- 
siderado  sob  variadissimos   aspectos :  poeta,  parlamentar, 


CONSLLHLIIIO  J.   H.   DA  CUNHA  BIVARA 


estadista  e  publicista;  e,  se  a  historia  das  letras  pátrias  se 
apodera  do  seu  nome  para  o  illustrar  n'uma  brilhante  au- 
reola, ha  de  a  politica  fazer-lhe  justiça,  quando  serena  apre- 
ciar a  missão  de  bem  social  que  está  fazendo  com  a  sua 
publicação  politica — Republicas. 

Conselheiro  Joaquim  Heliodoro  da  Cunha  Rirara. — Foi 
muito  conhecido  em  Portugal.  Dotado  de  um  espirito  su- 
perior e  de  muito  bom  senso,  illustrado  por  uma  erudição 


A  INDTA 


vastíssima,  incansável  no  trabalho  e  exemplarissimo  o  seu 
comportamento,  era  homem  de  valioso  conselho  em  todos 
os  assumptos  da  maior  importância  e  gravidade,  e  ao 
mesmo  tempo  um  conversador  alegre  e  espirituoso. 

Em  complemento  do  que  deixamos  dito  acerca  doeste  va- 
rão illustre,  transcrevemos  em  nota  os  apontamentos  biogra- 
phicos,  que  a  seu  respeito  publicámos  no  Occidente,  n.°  3i, 
do  I."  de  abril  de  1879^ 


1  Na  antiga  e  notável  villa  de  Arrayolos,  da  província  do  Alemtejo, 
nasceu  Joaquim  Heliodoro  da  Cunha  Rivara,  em  23  de  junho  de  1809. 
O  pae,  posto  que  nascido  em  Lisboa,  era  de  origem  estrangeira,  por 
ser  íilho  de  Jocão  Rivara,  italiano  natural  de  Génova,  que  viera  esta- 
belecer-se  em  Portugal. 

Depois  de  adquirir  no  lar  paterno  os  primeiros  rudimentos  littera- 
rios,  passou  a  continuar  os  estudos  em  Évora,  habihtando-se  ahi  com 
os  preparatórios  necessários  para  seguir  em  Coimbra  o  curso  de  me- 
dicina. 

De  feito,  achâmol-o  matriculado  nos  primeiros  annos  das  faculda- 
des de  philosophia  e  mathematica  da  universidade  no  anno  lectivo  dç 
1S24  a  1825;  e  com  resultado  correspondente  ao  seu  talento  e  appli- 
cacão  havia  concluído  o  terceiro  anno  medico,  quando  as  vicissitudes  e 
transtornos  políticos  por  que  passámos  de  1828  em  diante,  o  obriga- 
ram a  quebrar  o  fio  de  seus  estudos,  fechando-se  por  algum  tempo  as 
aulas  da  universidade.  Teve,  pois,  de  recolher- se  a  sua  casa,  até  que 
terminada  a  lucta  civil  em  1834,  pôde  entrar  novamente  na  carreira 
interrompida  e  ultimar  os  trabalhos  escolares,  fazendo  acto  de  forma- 
tura em  i836. 

Sentindo-se,  ao  que  parece,  com  pouca  disposição  para  o  exercício 
clinico  da  medicina,  entrou  no  serviço  publico  como  primeiro  official 
da  secretaria  da  administração  geral  do  districto  de  Évora,  em  3  de 
fevereiro  de  1837,  de  cujas  funcçóes  foi  dispensado  em  27  de  outubro 
seguinte,  para  ir  reger,  no  lyceu  da  mesma  cidade,  a  cadeira  de  phi- 
losophia racional.  A  este  cargo  veiu,  pouco  depois,  accumular-se  o  de 
bibliothecario  da  bibliotheca  eborense,  cuja  nomeação  lhe  foi  confe- 
rida em  25  de  dezembro  de  i838,  prestando  a  este  estabelecimento 
relevantes  serviços.  - 

Repartido  o  tempo  entre  os  deveres  do  professorado  e  os  cuidados 
da  bibliotheca,  as  sobras  do  que  lhe  ficava  para  seu  estudo  particular 
eram  por  Cunha  Rivara  aproveitadas  utilmente  em  serviço  das  letras 


PORTUGUEZA 


Misericor^dia  de  Goa.— A  instituição  da  santa  casa  da 
misericórdia  de  Goa,  á  imitação  da  de  Lisboa,  teve  prin- 
cipio entre  os  annos  de  i5i5  a  i5  2o. 

A  irmandade  da  Misericórdia,  que  era  composta  primiti- 
vamente dos  portuguezes  casados  na  índia,,  tinha  por  timbre 
favorecer  em  geral  a  humanidade  desvalida,  e  em  especial 
proteger  os  orphãos,  sustentar  as  viuvas  honestas,  alimen- 
tar os  expostos,  remir  os  captivos,  soccorrer  e  defender  os 


e  beneficio  commum,  escrevendo  numerosos  c  instructivos  artigos  de 
historia,  critica  e  philologia,  com  os  quaes  enriquecia  as  columnas 
dos  jornaes  litterarios  mais  notáveis,  que  entre  nós  se  publicaram 
durante  o  periodo  citado.  Foi  assiduo  e  diligente  collaborador  do  Pa- 
norama,  da  Revista  litteraria  do  Porto,  da  Revista  universal  Lis- 
bonense, da  Aurora  e  outros.  Teve  ainda  uma  parte  importante  na  pu- 
blicação das  Reflexões  sobre  a  lingua  portuguesa,  obra  inédita  do  padre 
Francisco  José  Freire,  dada  a  luz  em  1842  pela  Sociedade  propagadora 
dos  conhecimentos  úteis,  e  que  hoje  corre  já  em  segunda  edição,  for- 
necendo para  ella  não  só  o  erudito  prefacio,  mas  varias  notas  interes- 
I  santes,  taes  como  a  Breve  dissertação  sobre  o  que  devemos  entender 
por  auctores  clássicos,  etc,  sisudamente  pensadas,  e  escriptas  com 
penna  fluente,  em  lingua  chã  e  desaff'ectada.  Estes  escriptos,  lidos 
com  proveito  pelos  que  mais  se  contentam  da  solidez  da  doutrina  e 
da  conscienciosa  averiguação  dos  factos,  que  da  harmonia  das  pala- 
vras e  da  estructura  dos  periodos,  crearam  a  seu  auctor  nome  e  fama, 
e  lhe  mereceram  na  estima  e  benevolência  publicas  a  primeira  recom- 
pensa de  suas  estudiosas  fadigas. 

Possuindo  Cunha  Rivara,  afora  outros,  os  dotes  de  conselho  e  exe- 
cução necessários  para  a  útil  gerência  das  cousas  publicas,  do  que  deu 
depois  provas  plenas  e  irrecusáveis,  trocou  a  cadeira  de  professor  pelo 
mandato  de  representante  ás  cortes,  acceitando  o  diploma  de  depu- 
tado, com  que  os  seus  concidadãos  o  distinguiram  no  anno  de  i853, 
em  que  saiu  eleito  por  Évora. 

Sendo  nomeado  governador  geral  da  hidia  o  fallecido  António  Cé- 
sar de  Vasconcellos  Correia,  mais  tarde  conde  de  Torres  Novas,  este, 
que  na  camará  dos  deputados  tivera  opportunidade  de  conhecer  e 
apreciar  as  distinctas  qualidades  do  seu  collega,  escolheu  e  propoz 
para  secretario  geral  d'aquelle  estado  a  Cunha  Rivara. 

Successivamente  reconduzido  naquelle  cargo  por  decretos  de  3o 
de  março  de  i858  e  20  de  igual  mez  de  1861;  nomeado  commissario 


/- 


A   índia 


presos,  e  curar  os  doentes  pobres  sem  fazer  distincçao  da 
naturalidade,  casta  ou  cor  dos  protegidos.  Esta  irmandade 
está  actualmente  estabelecida  na  igreja  do  recolhimento  de 
Ghimbel. 

A  igreja  do  recolhimento  da  Serra,  contigua  ás  ruínas 
da  igreja  da  Misericórdia,  serve  presentemente  de  cemitério 
á  quasi  deserta  freguezia  da  Sé.  Foi  mandada  construir  em 
i5i4  por  AlTonso  de  Albuquerque,  e  á  sua  custa,  em  desem- 


regio  para  a  circumscripção  Jos  bispados  da  índia,  pertencentes  ao  pa- 
droado portuguez,  regulado  pela  concordata  de  21  de  fevereiro  dei 85-. 
Estrénuo  e  zeloso  campeão  das  regalias  da  coroa,  Cunha  Rivara  empe- 
nhou todos  os  seus  esforços  na  sustentação  dos  direitos  que  competem 
ao  padroado,  pugnando  pelo  decoro  e  honra  nacional;  e  isto  não  só 
nas  negociações  officiaes,  mas  ainda  como  escriptor  publico  em  pole- 
micas levantadas  na  imprensa,  combatendo  victoriosamente  em  diver- 
sos opúsculos,  com  as  armas  da  rasão,  as  injustas  pretensões  e  dema- 
sias dos  vigários  apostólicos. 

Uma  honrosa  portaria  do  ministério  da  marinha  e  ultramar,  datada 
de  3 1  de  maio  de  i858,  auctorisou  o  governador  geral  da  índia  a  pres- 
tar a  Cunha  Rivara  todo  o  auxilio  para  que  podesse,  como  se  propu- 
nha, continuar  os  trabalhos  históricos  de  Barros  e  Couto  sobre  as 
conquistas  e  dominio  dos  portuguezes  na  Ásia.  Mandava  outrosim  que 
se  lhe  abonassem  todas  as  despezas  por  elle  feitas  nas  visitas  que  hou- 
vesse de  emprehender  fora  de  Goa,  para  pesquizar  e  recolher  .esclare- 
cimentos relativos  aos  factos  e  successos  da  epocha. 

Sem  aproveitar  o  favor  pecuniário  que  a  portaria  lhe  conferia,  e 
por  conseguinte  sem  gravame  do  thesouro,  o  incansável  erudito  effe- 
ctivamente  correu  e  visitou,  com  diligente  investigação,  desde  Diu 
até  ao  cabo  Comorim,  e  desde  a  costa  do  Malabar  até  á  de  Choroman- 
del,  os  logares  mais  notáveis  onde  ou  as  magestosas  ruinas  ou  os 
monumentos  que  ainda  existem  de  pé,  attestam  os  feitos  gloriosos  de 
nossos  maiores  n'aquellas  paragens. 

Não  são  poucos,  nem  de  pequena  monta,  os  subsídios  colhidos 
n'estas  excursões.  Avultam,  porém,  sobre  todos,  os  que  oflerecem  os 
archivos  do  governo  geral  da  índia,  que  Cunha  Rivara  examinou  tão 
attenta  e  pacientemente,  como  se  prova  dos  numerosos  documentos 
por  elle  extrahidos  d'essa  mina  riquíssima,  e  postos  ao  alcance  da  cu- 
riosidade publica,  já  insertos  no  Boletim  official  do  governo,  no  Chro- 
nista  do  Tissuary  e  em  outras  publicações  periódicas. 


PORTUGUEZA 


73 


penho  da  promessa  por  elle  feita  a  Nossa  Senhora  da  Serra, 
pelo  haver  livrado  do  perigo  em  que  se  viu,  quando  seguia 
viagem  para  a  ilha  do  Camarão. 

O  estylo  da  architectura  indica  que  ella  fora  reformada 
em  epocha  muito  posterior  á  sua  fundação.  Foi  n'esta  igreja 
que  primeiramente  esteve  sepultado  Affonso  de  Albuquer- 
que, sendo  os  seus  restos  mortaes  transportados  d'aqui  para 
a  igreja  do  convento  da  Graça  de  Lisboa,  em  i566. 


Repetidas  demonstrações  da  munificência  real,  sobre  elle  accumu- 
ladas,  abonam  a  justa  consideração  devida  ao  seu  mérito  e  serviços- 
e  bom  fora  que  todas  as  graças  e  mercês  assentassem  em  tão  sólidos 
fundamentos.  Por  decreto  de  14  de  abril  de  i865  foi-lhe  conferido  o 
grau  de  «commendador  da  antiga,  nobilíssima  e  esclarecida  ordem 
de  S.  Thiago,  do  mento  scientifico,  litterario  e  artistico,  em  attenção 
ao  seu  merecimento  e  como  testemunho  da  real  consideração  e  apreço 
pelo  empenho  com  que  se  tem  dedicado  a  illustrar  a  historia  dos  do- 
mínios portuguezes  na  Ásia,  colligindo  e  fazendo  imprimir  grande  co- 
pia de  documentos  de  reconhecido  valor». 

Anteriormente  fora  já  nobilitado  com  igual  grau  de  commendador 
da  ordem  de  Nossa  Senhora  da  Conceição  de  ViUa  Viçosa,  por  decreto 
de  4  de  junho  de  1860;  e  teve  o  titulo  de  conselho  de  sua  magestade 
por  outro  decreto  de  1 1  de  março  de  1861. 

Varias  corporações  scientíficas  e  litterarias  quizeram  também  hon- 
ral-o,  e  honrarem-se  a  si  próprias,  inscrevendo-lhe  o  nome  no  catalogo 
dos  seus  membros.  Era  sócio  correspondente  da  academia  real  das 
sciencias  de  Lisboa,  do  instituto  histórico  e  geographico  do  Brazil,  do 

j  instituto  de  Goa,  da  sociedade  de  geographia  de  Lisboa,  e  cremos  que 

j  de  algumas  outras. 

i       Cunha  Rivara  falleceu  em  Évora,  na  idade  de  sessenta  e  nove  an- 

j  nos  e  oito  mezes,  no  dia  20  de  fevereiro  ultimo.  Mereceu  sempre  as 

I  sympathias  e  o  respeito  de  todos;  deixou  na  terra  tantos  amigos  sau- 
dosos quantos  o  conheceram;  e  na  índia,  aonde  demorou  vinte  e  dçis 
annos  e  tivemos  a  honra  e  ventura  de  conviver  com  elle  desde  1862  a 
187 1,  deixou  incontestada  reputação  de  homem  honesto  e  altamente 

■  considerado. 

O  retrato  do  illustre  finado,  que  o  Occidente  offerece  hoje  aos  seus 
leitores,  é  copia  de  uma  photographia,  a  ultima  que  tirou  na  sua  pas- 

I  sagem  por  Paris  de  regresso  á  pátria  que  tanto  amou,  e  que  com  tanta 
dedicação  serviu. 


74  A  ÍNDIA  I 

; .  Í 

Do  recolhimento  da  Serra  e  do  de  Santa  Maria  Magda-  • 
lena  ainda  se  vê  entre  palmeiras,  á  esquerda  do  cemitério,  | 
a  parte  restante  das  suas  ruinas.  | 

Estes  recolhimentos  foram  fundados  em  i6o5  pelo  piedoso  j 
arcebispo  D.  Fr.  Aleixo  de  Menezes:  o  primeiro  para  n''elle  ; 
serem  recebidos  os  orphãos,  filhos  dos  fidalgos,  dos  cavai-  j 
leiros,  e  de  cidadãos  do  estado  da  índia;  e  o  segundo  para  ! 
recolher  as  mulheres  que  tivessem  feito  má  vida,  e  quizes-  j 
sem  re^enerar-se.  1 

Na  igreja  da  Serra  ainda  se  encontram  os  túmulos  de    | 
Francisco  de  Albuquerque,  D.  Diogo  de  Noronha  e  de  Fer- 
não de  Albuquerque,  dos  quaes  apresentamos  o  desenho  a 
pag.  7Ó,  77  e  80.        ^ 

Entre  a  Sé  e  as  ruinas  da  Misericórdia  estão  as  da  igreja 
de  Santa  Maria  Magdalena,  que  representa  o  nosso  de- 
senho. 

Convento  de  S.  Francisco.  —  Este  convento,  segundo  as 
informações  que  o  sr.  conselheiro  Rivara  nos  deu,  teve 
principio  no  anno  de  i5io,  em  que  a  cidade  de  Goa  foi 
conquistada  por  Affonso  de  Albuquerque,  que  cedeu  aos 
frades,  que  o  acompanharam,  a  mesquita  grande  dos  mou- 
ros, para  a  converterem,  como  a  converteram,  em  igreja 
christã,  instituindo-a  em  custodia  sob  a  a  invocação  do 
apostolo  S.  Thomé.  Ali  residiram  elles  até  i52i,  anno  em 
que  ficou  completa  a  nova  igreja,  mandada  erigir  por  el- 
rei  D.  Manuel.  Esta  igreja  foi  depois  sagrada  com  o  titulo 
do  Espirito  Santo,  pelo  arcebispo  primaz  D.  Fr.  Aleixo 
de  Menezes,  no  anno  de  i6o3.  Mais  tarde,  como  amea- 
çasse ruina,  foi  necessário  demolil-a  para  ser  reedificada, 
como  foi,  no  anno  de  1G61.  O  architecto  teve  a  discrição 
de  conservar  na  igreja  restaurada  o  primeiro  portal;  é  o 
único  fragmento  que  resta  hoje  em  Velha  Goa  da  nossa 
architectura  portugueza  dos  principios  do  século  xvi.  Assim 
representa  esta  igreja  as  duas  memoráveis  epochas  da  his- 
toria dos  portuguezes  na  índia:  a  epocha  gloriosa  da  con- 
quista sob  os  auspícios  do  felicíssimo  rei  D.  Manuel,  e  a 


PORTUGUEZA.  -yS 


epocha  lastimosa  de  D.  AíTonso  VI,  em  que  os  membros 
do  grande  império  portuguez  do  oriente  se  laceraram  e  des- 
conjuntaram. 
i      Para  a  restauração  doesta  igreja  fez  o  mesmo  rei  D.  Af- 
;  fonso  VI  mercê  das  capitanias  de  Sofala  e  de  Diu,  para  que 
;  os  prelados  as  podessem  vender  na  primeira  occasião,  appli- 
I  cando  o  seu  producto  para  as  obras  da  dita  igreja;  mas  como 
as  esmolas  dos  fieis  eram  sufficientes,  renunciaram  elles  a 
mencionada  mercê.  No  anno  de  1707  arruinaram-se  os  claus- 
tros do  convento,  que  foram  reedificados  com  as  esmolas 
dos  fieis  e  dos  parochos  de  Bardez  e  do  Norte.  No  anno  de 
I  1762  reedificaram-se  as  cellas  do  dormitório  do  Rato,  a  por- 
taria e  as  cellas  contíguas  á  aula  da  Assumpta;  e  em  1765 
fez-se  a  portaria  do  carro  e  o  dormitório  do  guardião.  A  igre- 
ja estava  quasi  desmantelada,  quando  a  desenhámos,  e  não 
se  celebrava  n^ella  acto  algum  do  culto.  Posteriormente,  e  a 
expensas  de  alguns  devotos,  foi  restaurada  e  restabelecido  o 
culto  religioso. 

A  poucos  passos  está  a  capella  de  Santa  Catharina,  que 
o  nosso  desenho  representa. 

Foi  fundada  esta  capella  pelo  governador  Jorge  Cabral, 
em  i55o;  porém,  a  que  vae  representada  em  o  nosso  dese- 
nho é  de  construcção  mais  moderna.  Ainda  ali  se  vê  a  lapide 
que  na  primitiva  capella  estava  sobre  a  porta,  e  que  na  actual 
se  acha  coUocada  ao  lado  da  porta  lateral,  conservando  a 
seguinte  inscripção: 

AQUI  n'eSTE  LOGAR  ESTAVA  A  PORTA 

POR  QUE  ENTROU  O  GOVERNADOR  AFFONSO 

d' ALBUQUERQUE  E  TOxMOU   ESTA 

CIDADE  AOS  MOUROS  EM  DIA  DE 

SANTA  CATARINA  ANNO  DE  I  5  IO 

EM  CUJO  LOUVOR  E  MEMORIA  O  GOVERNADOR 

JORGE  CABRAL  MANDOU  FAZER  ESTA   CASA 

ANNO  DE  l55o  Á  CUSTA  DE  S.  A. 

Todos  os  annos,  aos  2  5  de  novembro,  dia  em  que  a  igreja 
celebra  a  festividade  de  Santa  Catharina  de  Alexandria,  se 


76 


A  índia 


solemnisa  em  Velha  Goa  a  da  tomada  da  cidade  aos  mouros 
por  Aífonso  de  Albuquerque. 

Em  25  de  novembro  de  1840  foi  dispensada  a  camará  mu- 
nicipal de  solemnisar  as  festividades  do  Corpo  de  Deus  e  de 
Santa  Catharina,  passando  este  encargo  ao  cabido  da  Sé. 
Por  isso,  a  procissão  que  antigamente  saía  doesta  capella, 
sae  hoje  da  Sé,  e  a  ella  recolhe,  e  ahi  se  celebra  a  festi- 
vidade com  assistência  do  governador  geral,  camará  muni- 
cipal, nobreza,  clero,  corporações  e  empregados  do  estado. 


TUMULO  DE   FRANXISCO  DE  ALBUQUERQUE 


Sé  de  Goa.  —  Conquistada  pela  segunda  vez  a  cidade  de 
Goa  por  Affonso  de  Albuquerque,  aos  2  5  de  novembro  de 
i5io,  dia  em  que,  como  já  dissemos,  a  igreja  celebra  a 
festividade  de  Santa  Catharina  de  Alexandria,  elegeu  este 
pio  e  grande  capitão  a  gloriosa  santa  por  padroeira  da 
cidade,  e  cuidou  logo  em  lhe  erigir  um  templo,  onde  fosse 
publicamente  venerada,  e  que  servisse  de  igreja  parochial 
aos  christãos  que  ali  fizessem  assento.  Em  breve  se  com-  [  \ 
pletou  esse  templo;  e,  quando  em  i5i2  regressou  a  Goa  o  <  \ 
mesmo  heroe,  de  volta  da  conquista  de  Malaca,  ahi  correu  ■  \ 
logo  a  dar  graças  a  Deus  pelas  mercês  recebidas. 


PORTUGUEZA 


77 


Mais  tarde  passou  esta  igreja  a  ser  collegiada,  e  em  1Õ34 
foi  erigida  em  cathedral  do  bispo  de  Goa,  por  bulia  Aeqiium 
reputamus,  de  3  de  novembro,  do  summo  pontífice  Paulo  III, 
passando  então  o  prior  a  deão,  os  beneficiados  a  dignidades 
e  cónegos,  e  preenchendo-se  os  mais  logares  com  os  clérigos 
de  fora.  Por  bulia  Etsi  Saneia,  de  4  de  fevereiro  de  i557, 
elevou-a  Paulo  IV  a  sé  archiepiscopal  metropolitana,  prima- 
cial das  índias,  que  desde  o  arcebispo  D.  Fr.  Aleixo  de  Me- 


:Jr. 


TUMULO  DE  D.   DIOGO  DE  NORONHA 


nezes  se  intitula  «primaz  do  Oriente».  Foi  até  1642  a  única 

parochia  da  cidade,  e  comquanto  pelo  progressivo  augmento 

do  numero  dos  christãos  se  creassem  depois  outras,  esta 

contava  ainda  no  anno  de  1600  mais  de  80:000  freguezes; 

e  por  isso  o  arcebispo  D.  Fr.  Christovão  de  Lisboa,  dando 

regimento  á  mesma  cathedral  no  anno  de  16 14,  estabeleceu 

ali  dois  curas  para  a  administração  dos  sacramentos. 

Em  i532  ampliou-se  o  primitivo  templo,  e  em  i5G2  tratou- 

I  se  de  edificar  no  mesmo  local  outro  mais  grandioso,  a  cujas 

I  obras  o  referido  arcebispo  D.   Fr.  Christovão  deu  grande 


78  A  índia  II 

.  fl 

impulso.  O  novo  templo  foi  sagrado  pelo  seu  successor  D.  jj 
Fr.  Sebastião  de  S.  Pedro,  o  qual  governou  a  diocese  du-  h 
rante  seis  annos,  começados  em  1623.  j| 

Este  edifício,  um  dos  mais  esplendidos  e  grandiosos  de  [! 
Goa,  está  em  perfeito  estado  de  conservação,  exceptuando 
a  torre  do  lado  esquerdo,  que  abateu  em  junho  de  1776. 

A  lapide  collocada  na  parede  externa  do  frontispício,  por 
cima  do  portão  do  centro,  tem  a  seguinte  inscripção: 


'■ 


REIX.i>o  o  MUI  CAT.co  +  A  MANDARAM.  CONTI- 

REY  O  SER/M  M.Dou  >^  /^%^^v%w /íí^  ^^  '''^  ^  CUSTA 

FAZER  ESTA  SSE  W\^^^^fôC^  ^^^"^  ^^"^  ^^"^'^  ^-^ 

O  AN  NO  DO  ^li/^^^^P%^  Z  °*  ATE  O  PREZENTE 

S.»  DE  562  SÈ  DO  ^    ^^^W 

ADMINISTRADORES  X^^^^^^^^^M^^JZ 

DELLA  OS  ARCEBISPOS  ^^^^í^fW^W^ 

PRIMAZES  W  W  >-;  fÊ(^  ^^  ''°^  MARTYRES  E 

OS  CATÓLICOS  REIS  SEUS    VV     *^  (P"     4)  ^'^'^'^  ^EY  DESTE 

SUCCESSORES  &i=:^             ^=^ssSS  ESTADO. 


QHE  O  ARCEBISPO  PRI 
-MAZ  D.  FREY  FRA-Co 


No  centro  das  duas  columnas,  que  divide  a  inscripção, 
vê-se  em  relevo,  como  mostra  o  desenho,  uma  tiara  com  as 
chaves,  insígnias  do  papa.  No  logar  da  lacuna  estão  apaga- 
das algumas  palavras,  que  parecem  ser  as  seguintes;  O  V. 
Rei  D.  Francisco  Coutinho,  ou  estas  equivalentes:  O  V.  Rei 
Conde  de  Redondo,  escriptas  em  breve,  porque  de  facto 
este  vice-rei  ordenou  a  construcção  doesta  Sé,  por  provisão 
de  4  de  novembro  de  i562,  como  consta  de  documentos 
consultados  pelo  sr.  Rivara,  que  nos  forneceu  estes  apon- 
tamentos. 

Por  carta  regia  de  8  de  fevereiro  de  iSqi  incumbia-sc  a 
Ambrósio  Argueiros  e  a  mestre  Simão  a  direcção  das  obras 
da  Sé.  Por  outra  carta  regia  de  2  de  janeiro  de  092  man- 
dou-se  applicar  ás  mesmas  obras  a  importância  das  penas, 
condemnações,  descaminhos,  e  o  producto  da  renda  da  via- 
gem para  a  China. 

Em  I  de  março  de  1597  fixou-se  o  dote  do  arcebispo  de 
Goa  em  10:000  cruzados,  entrando  n^esta  conta  1:000  cruza- 
dos para  serem  repartidos  pelos  ministros  da  Sé. 


INTERIOR  DO  TEMPLO  DO  BOM  JESl: 


PORTUGUEZA 


79 


Pela  provisão  regia  de  27  de  dezembro  de  iDyS  mandou- 
se  também  applicar  ás  obras  da  Sé  o  dinheiro  dos  ab-intes- 
tados,  cujos  lierdeiros  não  o  tivessem  procurado  durante  dez 
annos.  Conforme  a  participação  do  governador  da  índia,  de 
14  de  fevereiro  de  1620,  as  obras  do  corpo  da  igreja  ficaram 
concluídas  em  16 19,  e  no  mez  de  julho,  em  dia  do  Anjo  Cus- 
todio, teve  logar  a  coUocação  do  Santíssimo,  com  grandes 
solemnidades  e  festejos  que  duraram  por  alguns  dias. 

Em  i863,  epocha  em  que  desenhámos  este  magestoso 
templo  e  colligimos  os  apontamentos  históricos  que  deixa- 
mos escriptos,  governava  a  archidiocese  de  Goa  s.  ex.'"*  rev."'* 
o  sr.  arcebispo  primaz  do  Oriente,  D.  João  Chrysostomo 
de  Amorim  Pessoa,  de  espirito  finíssimo  e  de  muita  illus- 
tração,  de  quem  apresentamos  o  retrato  copia  de  uma  pho- 
tographia  que  s.  ex.^  então  se  dignou  offerecer-nos. 

Este  nobre  e  esclarecido  prelado,  actualmente  arcebispo 
resignatarío  de  Braga  e  primaz  das  Hespanhas,  vive  na 
sua  magnífica  propriedade  de  Cabanas,  próximo  de  Braga, 
aonde  exerce  piedosamente  as  praticas  religiosas,  obras 
de  caridade,  e  presta  incessante  culto  desvelado  ás  lettras 
e  á  sciencia. 

S.  Boaventura.  —  O  edificio  do  antigo  collegio  de  S.  Boa- 
ventura assenta  na  margem  esquerda  do  Mandovy  a  oeste 
do  arsenal  do  exercito.  Está  abandonado  e  quasi  em  ruinas. 
Foi  construído  a  expensas  de  algumas  ricas  e  nobres  senho- 
ras de  Baçaim,  que  n'elle  pretendiam  estabelecer  um  mos- 
teiro para  duzentas  irmãs,  freiras  da  ordem  de  Santa  Clara 
do  patriarcha  S.  Francisco-,  mas  oppondo-se  a  esta  institui- 
ção o  arcebispo  D.  Fr.  Aleixo  de  Menezes,  o  Custodio  Fr. 
Miguel  deS.  Boaventura,  que  dirigia  a  construcção,  applicou 
este  edificio  para  collegio  ou  casa  de  estudos  em  i(3o2. 

Os  seus  rendimentos  consistiam  em  1:000  xerafins  an- 
nuaes  concedidos  por  alvará  régio  de  16  de  abril  de  1617,  e 
no  producto  das  missas,  acompanhamentos,  e  suffragios 
pelos  soldados  brancos  do  primeiro  regimento  e  da  legião 
dos  voluntários  reaes  de  Pondá,  que  se  enterravam  no  ca- 


8o 


A  índia 


pitLilo  e  claustro  d''este  collegio.  Tinha  a  seu  cargo  o  hospí- 
cio de  Nossa  Senhora  da  Saúde,  de  Valverde  dos  Reis  Ma- 
gos e  o  do  Monte  de  Guirim,  em  Bardez. 

Priorado  do  Rosaria. — A  igreja  do  priorado  do  Rosário 
foi  construída  em  i543,  vindo  para  esse  fim  operários  de 
Portugal.  Assenta  na  eminência  do  outeiro  denominado 
Monte  Santo.  Este  monte  esteve  despovoado  até  i526,  epo- 
cha  em  que  foi  comprado  por  Pedro  de  Faria,  capitão  que 
fora  de  Malaca,  o  qual  mandou  ali  construir  um^a  casa  de 


TUMULO  DE  FERNÃO  DE  ALBUQUERQUE 


residência,  dando  logar  para  que  igualmente  se  construíssem 
as  igrejas  de  Nossa  Senhora  do  Rosário  e  a  de  Santo  An- 
tónio, que  lhe  fica  contigua. 

A  casa  de  Pedro  de  Faria  foi  depois  comprada  pelos 
jesuítas  em  iSyS  a  Marques  Botelho,  que  então  a  possuia, 
para  residência  dos  convalescentes  da  companhia,  passando 
em  i58o  até  i585  a  ser  casa  professa.  Posteriormente  foi 
esta  casa  transferida  para  o  Bom  Jesus,  ficando  na  residên- 
cia do  Monte  Santo  o  noviciado  da  ordem. 


ALTAR   DE  S.    FRANCISCO  XAVIER 


PORTUGUEZA 


8l 


Mais  tarde  passou  este  noviciado  a  collegio,  com  a  deno- 
minação de  Collegio  Novo  de  S.  Paulo  ou  de  S.  Roque. 

Em  uma  parte  doeste  magestoso  edifício  esteve  estabele- 
cido o  Hospital  Real,  entre  os  annos  de  1760  a  1764,  por 
se  achar  arruinado  o  primitiv^o  hospital,  situado  na  proxi- 
midade do  arsenal,  e  emquanto  se  não  promptificava  o  pa- 
lácio de  Panelim,  de  que  já  falíamos,  destinado  para  o  sub- 
stituir em  virtude  da  resolução  do  vice-rei,  conde  da  Ega. 


IGREJA  DE  SANTA  MARIA  MAGDALENA 


Soffreu  este  collegio  quatro  incêndios,  sendo  o  ultimo  em 
6  de  janeiro  de  1675. 

Em  i83o  parte  doeste  grande  edifício  foi  demolido  para 
com  as  suas  pedras  se  construir  em  Pangim  o  quartel,  de 
artilheria. 

Igreja  de  Santo  António.  —  Está  esta  igreja  situada  no 
Monte  Santo,  entre  os  conventos  das  Monicas,  de  Santo 
Agostinho,  e  o  priorado  do  Rosado.  Foi  doada  em  19  de 
junho  de  1G06  aos  religiosos  de  Santo  Agostinho  pelo  arce- 


82  A  índia 

bispo  D.  Fr.  Aleixo  de  Menezes,  sendo  a  doação  confirma- 
da por  el-rei  e  pelo  pontífice  Paulo  V.  Em  9  de  fevereiro  de 
1G79  foi  erecta  n'esta  igreja  a  irmandade  de  Santo  Antó- 
nio, composta  dos  ofticiaes  e  soldados  de  mar  e  de  terra,  e 
confirmada  pelo  arcebispo  primaz  D.  Fr.  António  Brandão. 

Collcgio  do  Popiilo. — 'O  collegio  do  Populo  era  uma  de- 
pendência do  convento  de  Santo  Agostinho,  ao  qual  se 
achava  ligado  por  meio  de  um  grande  arco,  como  se  vê  no 
desenho.  Este  edificio  foi  fundado  em  i633.  Era  magnifico 
e  bem  situado.  Por  baixo  do  grande  arco  seguia  a  extensa 
e  larga  rua  denominada  dos  Judeus,  que  conduz  á  forca  do 
preto  Tipeti. 

A  forca  assim  denominada  é  de  pedra,  e  foi  construída  de 
propósito  para  n''ella  ser  enforcado  um  celebre  preto  d"'este 
nonie,  que  era  o  terror  do  povo  de  Goa. 

Havendo  os  religiosos  da  ordem  de  Santo  Agostinho  es- 
colhido no  Monte  Santo  um  logar  apropriado,  lançaram  os 
fundamentos  d*'este  convento,  sob  a  invocação  de  Nossa 
Senhora  da  Graça,  em  9  de  setembro  de  1397,  com  a  assis- 
tência do  vice-rei  conde  da  Vidigueira,  D.  Francisco  da  Ga- 
ma, do  arcebispo  primaz,  D.  Fr.  Aleixo  de  Menezes,  e  da 
nobreza. 

A  igreja  doeste  convento  era  sumptuosa,  toda  de  abobada, 
e  mais  ampla  que  todas  as  dos  outros  conventos  da  cidade. 

A  abobada  abateu  na  madrugada  do  dia  8  de  setembro 
de  1842,  ficando  apenas  a  capella  mór. 

A  ordem  augustiniana  construiu  em  1622  um  seminário 
em  Neurá-o-Grande,  recebeu  por  doação  a  casa  e  ermida 
de  Santa  Ignez,  na  freguezia  de  Taleigão,  e  edificou  a 
igreja  da  Cruz  dos  Milagres. 

Convento  de  S.  João  de  Deus. — El-rei  D.  Pedro  II  man- 
dou em  1G81  alguns  religiosos  da  ordem  denominada  da 
Hospitalidade,  para  se  estabelecerem  na  índia. 

Passando  por  Moçambique  na  sua  viagem  para  a  índia, 
construiram  ali  um  convento.  Da  Africa  oriental  seguiram 
para   Goa,   onde  edificaram  o  convento  que  representa  o 


TV.MULO   DE   S.    FRANCISCO  XAVIER 


PORTUGUEZA  §3 


nosso  desenho,  comprando  uma  pequena  casa  ligada  a  outra 
maior,  que  para  aquelle  fim  lhes  doou  D.  Fernando  Martins 
Mascarenhas,  que  governou  a  índia  portligueza  por  via  de 
successão.  Este  convento  foi  depois  elevado  a  cabeça  de 
província,  sob  a  denominação  de  S.  João  de  Deus;  c  a 
igreja,  actualmente  desmantelada,  teve  a  invocação  de  Nos- 
sa Senhora  do  Bom  Successo. 

O  convento  tinha  de  instituição  oito  religiosos,  sustenta- 
dos pela  fazenda  publica  a  i  xerafim  diário,  e  os  demais 
eram  sustentados  á  custa  das  esmolas  que  recebiam.  Pela 
extincção  dos  jesuítas  passaram  os  religiosos  de  S.  João  de 
Deus  a  servir  de  enfermeiros  no  real  hospital  militar,  em 
substituição  d^aquelles,  continuando  a  exercer  estas  func- 
ções  até  á  extincção  da  ordem  em  i835. 

Eram  filiaes  doesta  província  os  conventos  de  Moçambi- 
que, Damão  e  Diu. 

A  camará  municipal  das  Ilhas  de  Goa  estabeleceu  as  suas 
sessões  n^este  convento,  emquanto  se  não  concluiu  a  con- 
strucção  dos  novos  paços  em  Pangím. 

Convento  das  Monicas .—EsXq  convento,  situado  no  Monte 
Santo^ao  norte  e  entre  os  conventos  de  Santo  Agostinho  e 
S.  João  de  Deus,  foi  construído,  com  auctorisacao  de  el- 
rei  D.  Filíppe  III,  pelo  arcebispo  D.  Fr.  Aleixo  de  Mene- 
zes em  1G06,  com  o  título  de  Mosteiro  de  Santa  Mónica,^ 
debaixo  do  instituto  e  regra  de  Santo  Agostinho,  para  ceni 
religiosas. 

Este  instituto  mereceu  a  confirmação  do  papa  Paulo  V, 
por  breve  de  27  de  novembro  de  161 3,  de  Gregório  ^\\ 
por  breve  de  10  de  março  de  1622,  e  o  beneplácito  régio 
por  cartas  regias  de  24  de  janeiro  de  1629  e  24  de  dezembro 
de  i633.  Sua  magestade  acceitou  o  seu  padroado  por  alvará 
regio  de  3i  de  março  de  i636. 

Segundo  o  que  sobre  este  mosteiro  escreveu  o  vice-rei, 
conde  de  Linhares,  em  4  de  janeiro  de  i(33o,  é  o  maior  de 
todos  os  mosteiros  portuguezes,  com  excepção  do  de  Odi- 
vellas. 


84 


A  índia 


Divide-se  em  oito  dormitórios,  com  as  seguintes  denomi- 
nações :  da  Madre  de  Deus,  com  onze  cellas;  de  SanfAiina, 
com  dezeseis;  do  Dhnno  Salvador,  com  onze;  de  Santo 
Agostinho,  com  dezeseis;  do  Sepulchro,  de  Belém,  da  Se- 
nhora das  Candeias,  e  De  cima.  Os  últimos  quatro  estáo  ha 
muito  deshabitados  e  arruinados. 


CAPELLA   DE  SANTA   CATHARINA 


Em  1804  tinha  quarenta  e  duas  religiosas  de  véu  preto,  e 
dezenove  de  véu  branco,  quatro  noviças  e  cinco  pupillas. 

Actualmente  (1871)  existe,  apenas  com  as  suas  creadas, 
a  respeitabilissima  soror  Josepha  do  Coração  de  Jesus,  tia 
dos  srs.  visconde  de  Bucellas  e  barão  de  Combarjua. 

Igreja  do  Bom  Jesus.  —  Este  magestoso  edifício,  situado 
no  antigo  terreiro  dos  Gallos  da  velha  cidade  de  Goa,  foi     ^ 


PORTUGUÈZA 


8ò 


construído  á  custa  dos  legados  de  D.  Jcronymo  Mascare- 
nhas, como  consta  da  inscripcão  esculpida  sobre  uma  la- 
mina de  bron/e  dourado,  na  parede  do  mesmo  edifício,  do 
lado  do  evangelho,  junto  da  porta  lateral  do  norte. 

Começada  a  construir  em  24  de  novembro  de  i5o4,  como 
se  infere  das  inscripções  escriptas  em  latim  e  portuguez  nas 


D.    JOÃO   CHKVS0ST0..10  DE  AMOlilM   PESSOA 

columnas  que  sustentam  o  coro,  foi  esta  igreja  sagrada  pelo 
arcebispo  primaz  D.  Fr.  Aleixo  de  Menezes,  em  i5  de  maio 
de  i(3o5. 

Enriquecida  mais  tarde  pelos  summos  pontífices  com  gra- 
ças e  privilégios,  em  virtude  da  universal  devoção  dos  fieis 
que  a  ella  concorriam,  concedeu-lhe  o  papa  Urbano  VIII  in- 
dulgências plenárias,  iguaes  áquellas  que  se  ganham  visi- 
tando as  cinco  principaes  igrejas  de  Roma. 


86  A  índia 

A  fachada  principal,  que  olha  para  oeste,  é  toda  de  gra- 
nito. Tem  três  grandes  portões,  três  amplas  janellas  e  três 
ellipses,  sendo  os  portões  e  janellas  rematados  por  frontões 
ornados  de  esculpturas. 

Este  esplendido  frontispício,  formado  pelo  conjuncto  das 
cinco  ordens  de  architectura  civil:  toscana,  dórica,  jónica, 
corintliia  e  compósita,  vae  rematar  depois  do  rectângulo,  em 
cujo  centro  se  vê  em  alto  relevo  a  divisa  da  companhia  de 
Jesus,  em  um  grande  artezão  ornado  de  acroterios  e  bocetes, 
uns  pendentes  e  outros  á  maneira  de  escudetos.  Três  sólidos 
contrafortes  sustentam  a  parede  lateral  do  templo,  do  lado 
do  norte,  a  qual  termina  em  uma  elegante  balaustrada  que 
apenas  deixa  ver  o  cume  do  telhado  mourisco.  Este  telha- 
do, bem  como  o  tecto,  foi  mandado  reconstruir  em  substi- 
tuição do  antigo,  que  se  achava  arruinado,  em  1862,  durante 
o  governo  do  ex.™  conde  de  Torres  Novas,  com  o  producto 
das  ofterendas  pecuniárias  feitas  a  S.  Francisco  Xavier  na 
exposição  de  i85q. 

No  altar  situado  debaixo  do  coro  do  lado  do  evangelho 
estão  as  reliouias  da  martvr  Santa  Paulina,  authenticadas 
pelo  bispo  Prophvriense,  prefeito  do  sacrário  das  reliquias, 
e  reconhecidas  pelo  arcebispo  primaz  em  23  de  outubro 
de  1784. 

Passando  a  famosa  grade  de  sissó,  que  se  acha  na  parte 
superior  da  única  nave  do  templo,  vè-se  do  lado  do  evan- 
gelho a  capella  de  S.  Francisco  de  Borja,  padroeiro  do  reino 
de  Portugal  e  suas  conquistas;  do  lado  da  epistola,  a  do 
venerável  santuário  do  corpo  de  S.  Francisco  Xavier,  ten- 
do á  entrada  a  campa,  que  encerra  os  ossos  de  D.  Luiz  de 
Menezes,  conde  da  Ericeira,  e  depois  marquez  de  Louriçal, 
que  foi  duas  vezes  vice-rei  da  índia,  e  falleceu  a  12  de  julho 
de  1741.  Em  frente  está  a  capella  mór.  No  altar  doesta  ca- 
pella, posto  que  seja  destinado  ao  Bom  Jesus,  orago  doeste 
templo,  e  do  qual  a  igreja  e  a  casa  professa  derivam  o  nome, 
não  figura,  como  era  de  esperar,  o  Menino  Jesus,  mas  em 
seu  logar  está  no  centro  de  uni  primoroso  e  amplo  retábulo 


FORTUGUEZA  87 


a  colossal  imagem  de  Santo  Ignacio  de  Lo\ola,  com  os  olhos 
levantados  ao  céu  e  a  dextra  estendida,  como  se  vê  no  dese- 
nho, representando  d''este  modo  o  patriarcha  dos  jesuítas, 
quando  n'um  extasis  exclamou :  Qucim  sordet  milii  tellus 
quum  coelo  aspiciol  cfQuão  vil  me  parece  a  terra  quando 
olho  para  o  céu  I  » 

O  edifício  que  a  estampa  mostra  ligado  á  igreja  é  a  antiga 
Casa  Professa  do  Bom  Jesus,  mandada  construir  pelos  pa- 
dres da  companhia  em  i58(3. 

Sobe-se  aos  três  andares  superiores  doeste  edifício  por 
uma  ampla  escadaria  composta  de  noventa  e  oito  degraus, 
sendo  vinte  de  granito  até  ao  primeiro  andar  e  claustro,  c 
os  restantes  de  madeira  de  teca.  Estes  três  andares,  softri- 
velmente  conservados,  contêem:  o  primeiro,  dez  cellas,  duas 
salas  e  a  casa  de  parla;  o  segundo,  compõe-se  de  igual  nu- 
mero de  compartimentos;  e  o  terceiro,  que  occupa  apenas 
a  parte  contigua  á  igreja,  consiste  n\im  espaçoso  salão. 
Alem  doestas  accommodações  existem  outras  dispersas  e  ir- 
regulares na  parte  meridional  do  edifício,  que  nos  primeiros 
tempos  da  construcçao  soflVeu  um  grande  incêndio. 

Depois  da  expulsão  dos  padres  da  companhia,  foi  con- 
fiada a  administração  da  casa  professa  e  da  igreja  do  Bom 
Jesus  ao  arcebispo  primaz.  Ali  se  estabeleceu  posterior- 
mente um  seminário  para  instrucção  do  clero;  e,  depois  da 
extincção  doeste,  passou  a  ser  administrada  por  um  cónego 
da  Sé,  que  o  prelado  propõe  para  esse  cargo  á  junta  da  fa- 
zenda publica,  ficando  dependente  a  proposta  de  confirma- 
ção do  ministro  da  marinha  e  ultramar. 

Altar  de  S.  Francisco  Xavier. — Este  altar  é  de  madeira 
dourada.  As  três  alampadas  de  prata  que  se  vêem  no  de- 
senho, e  que  no  tempo  dos  religiosos  ardiam  continuamente, 
pesam  cada  uma  70  marcos. 

O  caixão  de  prata  em  que  está  o  sagrado  deposito  do 
santo,  na  capella  por  detraz  doeste  altar,  pesa  600  marcos. 
A  imagem  do  mesmo  santo,  que  se  ve  sobre,  o  altar,  é  de 
prata  fundida,  e  pesa  200  marcos.  Foi  offerta  de  uma  se- 


88 


A  índia 


nhora  genovcza,  c  tem  6,5  palmos  de  altura,  incluindo  o 
pedestal,  aonde  se  lê  a  seguinte  inscripção: 

SANCTISSIMO  INDIARUM  APOSTOLO 

FRANCISCA  DE  SOPRANIS  PATRITA  GENUVENSIS 

URBAM  DURATY  OLIM  UXOR 

NUNC  MARIA  FRANCISCA  XAVERIA 

IN  CELEBERRIMO  INCARNATIONIS  MONASTERIO 

CHRISTI  SPONSA 

PEREGRINO  COETESTI 

PEREGRINI  AMORIS  VOTUM,  ET  MONUMENTUM 

P.  P.  ANNO  DNI   1G7O. 

A  imagem  conserva  ainda  o  bastão  que  o  conde  de  Alvor 
lhe  coUocou  em  uma  das  mãos  em  i683. 


PRIORADO  DO  ROSÁRIO 


O  mais  notável  para  ver  na  igreja  do  Bom  Jesus,  e  que 
mais  attrahe  a  attencão  dos  visitantes  da  cidade  velha  de 


PORTUGUEZA 


89 


Goa,  é  o  famoso  tumulo  de  mármore  e  de  prata  onde  re- 
pousa o  maior  conquistador  do  Oriente,  S.  Francisco  Xa- 
vier, que  todos  os  povos  da  índia  visitam  com  a  mais  acri- 
solada devoção. 

Este  esplendido  mausoléu  de  fínissimos  mármores  de  Itá- 
lia de  diíferentes  cores,  é  um  trabalho  artístico  primoroso, 
e  uma  magnifica  otTerta  de  um  gráo-duque  de  Toscana, 
como  refere  o  padre  Francisco  de  Sousa  no  seu  Oriente 
conquistado. 

Comp5e-se  de  três  partes  distinctas,  alem  do  caixão  de 
prata  que  encerra  o  corpo  mumificado  do  glorioso  apostolo 
das  índias,  como  se  vê  do  respectivo  desenho. 

Tem  approximadamentc  6  metros  de  altura  desde  a  base 


IGREJA  DE  SANTO  ANTÓNIO 


até  á  parte  superior  da  cruz  que  remata  o  caixão,  3  metros 
de  comprimento  e  2,5  de  largura. 


MO 


A  índia 


A  primeira  parte  representa  os  quatro  altares  em  forma 
de  urna,  um  em  cada  face  do  tumulo.  Esta  parte,  que  con- 
stituc  actualmente  a  base  do  sarcophago,  é  de  bcUissimo 
mármore  de  côr  encarnada  raiado  de  branco,  com  os  resal- 
tos  de  mármore  branco  e  raios  alaranjados. 

Os  ornatos  em  alto  relevo,  assim  como  os  cherubins  dos 
ângulos,  sáo  de  jaspe  e  alabastro  puríssimo.  No  centro  do 
frontal  de  cada  um  dos  altares  tem  differentes  emblemas 
em  alto  relevo,  representando  no  altar  da  face  norte  do  sar- 
cophago, de  que  offerecemos  o  desenho,  o  sol  com  dois  cír- 
culos concêntricos  radiosos;  no  altar  que  olha  para  o  occi- 
dente,  mostra  um  livro  e  differentes  cruzes  descendo  sobre 
elle;  no  do  sul,  um  coração  exhalando  chammas  entre  dois 
círculos  radiosos;  e,  finalmente,  no  da  cabeceira,  representa 
o  céu  nebuloso,  despedindo  raios  que  derribam  uma  mes- 
quita coroada  de  meia  lua. 

A  segunda  parte  é  um  parallelipipedo  de  excellente  már- 
more verde,  salpicado  de  pintas  brancas,  pretas  e  cinzentas, 
com  resaltos  e  frisos  de  mármore  amarcllado  com  veios 
brancos  e  côr  de  sépia.  No  centro  de  cada  uma  das  quatro 
faces  está  uma  grande  lamina  de  bronze  escuro  de  elevado 
mérito  artístico,  representando  em  alto  relevo,  e  em  figuras 
quasi  destacadas  do  fundo,  as  mais  notáveis  passagens  da 
vida  do  Santo.  Xa  lamina  da  face  do  tumulo,  que  mostra  ;| 
o  nosso  desenho,  e  que  no  original  fica  voltada  ao  norte  ou  \ 
para  a  igreja,  está  representado  o  glorioso  apostolo  doutri-  ] 
nando  os  povos  da  índia.  \ 

Superior  a  este  quadro  existe  um  medalhão  de  bronze,  j 
siístentado  por  dois  anjos  de  grandes  dimensões  e  de  alvis-  l 
simo  alabastro,  o  qual  representa  o  sol  nascente,  e  é  rema-  * 
lado  por  uma  fita  também  de  bronze,  onde  está  escripta  a     | 


seguinte  legenda 


NOX  INIMIGA   FUGAT 


A  lamina  da  parte  occidental  representa  S.  Francisco  Xa- 
vier baptisando. 


PORTUGUEZ.V  •         tjl 


S.  Francisco  está  descalço,  com  roupeta,  sobrepeliz  c  es- 
tola, tendo  na  mão  esquerda  a  imagem  do  Crucificado,  e 
baptisando  com  a  direita  uma  multidão  de  indígenas  nas 
Molucas.  Ao  lado  esquerdo  do  apostolo  e  entre  a  multidão 
ve-se  um  padre  que  a  catechisa. 

Na  parte  superior  d"'este  quadro  está  um  medalhão  tam- 
bém de  bronze,  representando  o  sol  no  zenith,  e  na  facha 
sustentada  pelos  anjos  lè-se: 

UT  VITAM   HABEAM 

Na  lamina  da  face  meridional  vê-se  o  defensor  do  Oriente 
procurando  atravessar  um  rio  sobre  um  madeiro,  para  fugir 
á  perseguição  dos  Jávaros  da  ilha  de  Moro, 

No  medalhão  sobreposto  a  este  quadro  vê-se  um  leão  no 
meio  de  uma  medonha  tempestade,  e  lèem-se  as  seguintes 
palavras: 

NIHIL   HORUM   VEREOR 

Finalmente,  o  quadro  do  lado  oriental  ou  da  cabeceira 
mostra  o  Santo  na  hora  do  passamento  abraçado  estreita- 
mente a  um  crucifixo,  na  praia  de  Sanchoão. 

Está  recostado  sobre  uma  esteira  na  choupana  do  portu- 
guez  Jorge  Alvares,  entre  os  seus  discípulos  António  eChris- 
tovão,  e  assistido  de  anjos.  Ali  morre,  exclamando:  /;/  te 
Domine  sperari. 

O  medalhão  sobreposto  ao  quadro  representa  o  sol  no 
occaso,  e  n'elle  se  lê  o  seguinte: 

MAIOR   IN   OCCASU 

Atraz  dos  medalhões  está  a  balaustrada,  que  forma  a  ter- 
ceira parte  do  tumulo.  É  de  mármore  roxo  com  manchas 
brancas.  Os  frisos  e  resaltos  das  quatro  columnas  dos  ân- 
gulos são  de  mármore  escuro  raiado  de  branco,  e  de  már- 
more amarello  os  plinthos  superiores  e  inferiores. 


A  índia 


Sobre  esta  balaustrada  assenta  o  caixão,  guarnecido  exte- 
riormente de  prata  rendilhada  sobre  velludo  carmezim  e 
cravejada  de  diíferentes  pedras  preciosas.  É  este  caixão 
que  conserva  o  precioso  deposito  do  corpo  de  S.  Francisco 
Xavier. 

Nas  quatro  faces  do  caixão  existem  trinta  e  dois  quadros 
ou  laminas  de  prata,  que  illustram  a  vida,  e  representam 
em  relevo  os  passos  e  milagres  do  astro  brilhante,  que  dif- 
fundiu  por  todo  o  Oriente  os  raios  fecundos  do  evangelho. 


FORCA   DO   PRETO   TIPETI 


De  todas  estas  laminas  possuímos  os  desenhos,  que  reser- 
vamos para  apresentar  em  trabalho  especial. 

Na  parte  superior  do  caixão  ha  dezeseis  anjos  de  prata, 
e  n''outras  posições  seis  pinhas  grandes  e  outras  pequenas, 


PORTUGUEZA  g3 


também  de  prata  brincada  e  com  flores  douradas  guarne- 
cidas de  pedras  preciosas. 

A  peanha  da  cruz  que  remata  o  caixão  apresenta,  nos  la- 
dos oriental  e  occidental,  dois  anjos  com  emblemas  na  mão. 
O  anjo  do  lado  oriental  tem  na  mão  um  coração  em  laba- 
redas, e  o  do  lado  occidental  ou  dos  pés,  este  distico:  Satis 
est  Domine,  satis  est,  palavras  que  S.  Francisco  Xavier  cos- 
tumava repetir,  quando  sentia  aquelles  extasis  de  amor  di- 
vino, que  o  tornavam  um  verdadeiro  inspirado  e  um  verda- 
deiro santo. 


CAPITULO  III 


Ilha  deTissuaiy  —  Pangim^ Palácio  do  governo  —  Affonso  de  Albuquer- 
que—  Alfandega  de  Nova  Goa  —  Paços  do  concelho  —  Praça  das  sete 
janellas  —  Quartel  da  guarda  municipal  e  dos  contingentes  —  Hospi- 
tal militar  e  escola  medica  —  Casa  dos  cathecumenos — Fonte  da 
Vacca — Dansa  das  bailadeiras  —  Igreja  da  Conceição — Escola  hindu 
— Vaizá  —  Prôssad — Medicina  hindu — hislrumentosaratorios — Nan- 
gòr  —  Pachú — Vraxabhá-boilá — Reddó  —  Campeiros  —  Constituição 
da  propriedade  e  divisão  da  superfície  productiva — Moral,  leis  pe- 
naes  e  leis  civis  —  Leis  hindus  e  portuguezas  —  Gentia  amamentando 
o.  tilho. 


ilha  de  Goa  ou  de  Tissuar}*,  que 
em  linguagem  do  paiz  significa 
trinta  aldeias,  e  onde  se  acham 
a  antigi  e  a  nova  capital  da  ín- 
dia portugueza,  é  formada  por 
dois  braços  de  mar.  O  Mando- 
vy,  entrando  pelo  lado  norte  e 
iWYlt     separando  esta  ilha  da  província 

tde  Bardez  na  terra  firme,  for- 
ma a  bellissima  entrada  da  praça 
de  Aguada,  tao  lorte  pela  parte 
do  mar  como  de  terra.  Entra  o  outro  braço  pelo  lado  sul 
com  o  nome  de  Ziiary,  que  separa  a  mesma  ilha  da  pro- 
víncia de  Salcete,  formando  a  entrada,  que  defende  a  praça 


0-''miá 


96 


A  índia 


de  Mormugão,  não  menos  forte.  A  ilha  tem  20  kilometros 
de  comprimento,  desde  a  ponta  que  se  denomina  de  Nossa 
Senhora  do  Cabo  até  ao  forte  de  Benastary  ou  de  S.Thia- 
go,  e  de  largura  media  5  a  6  kilometros.  O  seu  perímetro 
é  de  35  a  40  kilometros,  e  contem  muitas  fortalezas  em 
passagens,  onde  os  rios  são  vadeáveis. 

Esta  ilha  e  as  adjacentes  abrangem  uma  superfície  qua- 
drada de  i5o  kilometros.  Tem  2  cidades,  Sy  aldeias,  28  fre- 
guezias,  io:236  fogos  e  48:847  habitantes  de  ambos  os  sexos, 
sendo  33:980  catholicos,  e  14:867  não  catholicos  ou  gentios 
e  mouros. 

O  solo  comp5e-se,  na  sua  maior  parte,  de  terrenos  con- 
stituídos pelo  deposito  lento  e  contínuo  de  argilla,  silica, 
lodo  e  outras  matérias,  que  as  aguas  trazem  em  suspensão, 
e  que  são  provenientes  dos  schistos,  dos  granitos  e  de  ro- 
chas calcareas. 

É  durante  a  estação  das  chuvas  que  a  natureza  ali  des- 
dobra toda  a  sua  magnificência,  e  poucos  mezes  bastam 
para  lavrar  as  terras,  semear  e  colher  as  searas. 

A  frescura,  a  força  da  vegetação  nova,  a  abundância  das 
producções,  que  cobrem  a  terra,  transcendem  a  tudo  o  que 
se  admira  nos  mais  gabados  climas  da  Europa. 

Durante  os  mezes  de  junho  a  novembro,  o  território  de 
Goa  offerece  de  uma  a  outra  extremidade  a  mais  surpre- 
hendente  perspectiva  de  um  magnifico,  deleitoso  e  continua- 
do vergel;  ostentando,  por  entre  frondosos  arvoredos,  aqui 
extensas  campinas  floridas,  alem  vastidões  de  espigas  a  per- 
der de  vista,  mais  adiante  prados  verdejantes  matizados 
de  boninas,  e  por  toda  a  parte  a  inexhaurivel  riqueza  de 
uma  vegetação  luxuriante  e  esplendida. 

Pangim  ou  Nova  Goa. — Moderna  capital  da  índia  portu- 
gueza,  era  um  bairro  da  aldeia  de  Taleigão,  elevado  á  ca- 
tegoria de  cidade  por  ah^ará  de  22  de  março  de  1843. 

Situada  na  margem  esquerda  do  rio  Mandovy,  na  base 
do  outeiro  de  Santa  Ignez,  com  exposição  ao  norte,  e  o 
bairro   das    Fontainhas  a  leste,   tem   edifícios  grandiosos, 


PORTUGUEZA 


['7 


taes  como:  palácio  do  governo;  quartéis  de  artilheria,  da 
guarda  municipal,  dos  contingentes,  da  escola  mathematica 
e  militar;  lyceu  e  bibliotheca  publica,  e  outros  com  que  o 
vice-rei  D.  Manuel  de  Portugal  e  Castro  a  dotou  e  embel- 
lezou  em  i'S  Í2,  e  mais  tarde  o  ex.™°  conde  de  Torres  Novas. 
Oito  anncs  depois  da  transferencia  do  Mandory  ou  al- 
fandega de  Goa  para  Pangim, 
foram  igualmente  transferidas 
em  1819  a^relaçáo,  a  chancella- 
ria  e  seus  cartórios,  a  contado- 
ria da  fazenda  publica  e  as  re- 
partições annexas. 

Palácio  do  governo.  —  Este 
palácio  tinha  sido  nos  primitivos 
tempos  uma  fortaleza  do  Hidal- 
cão  ou  Hidal-Kan,  que  D.  An- 
tónio de  Noronha,  sobrinho  de 
Alíonso  de  Albuquerque,  con- 
quistou pela  primeira  vez  aos 
mouros,  em  i5  de  fe^•ereiro  de 
i5io. 

Foi  nas  proximidades  d"'esta 
fortaleza,  entre  Pangim  e  a  Pe- 
nha de  França,  que  o  grande 
Affonso  de  Albuquerque  veiu 
postar-se  com  a  sua  frota  no 
Mandovy,  em  3 1  de  maio  do 
mssmo  anno. 
Decorridos  alguns  dias,  o  Hidal-Kan,  sabedor  de  que  os 
portuguezes  por  falta  de  alimentos  já  illudiam  a  fome,  co- 
mendo ratos  e  o  couro  dos  bahus,  mandou-lhes  offerecer 
viveres  e  refrescos,  e  participar  que  pelas  armas  queria 
vencer  seus  inimigos  e  não  pela  fome.  Ou\indo  esta  ironia 
pungente,  Affonso  de  Albuquerque  mandou  expor  na  tolda 
uma  quartola  de  vinho  e  algum  biscoito,  que  tinha  reser- 
vado para  os  doentes,  a  fim  de  que  os  inimigos  vissem  que 

7 


98 


A  índia 


ainda  hão  estavam  na  extrema  penúria,  e  respondeu  aos 
embaixadores  do  Hidal-Kan  o  seguinte:  id)i\ci  ao  vosso 
senhor  que  eu  lhe  sou  ohri^j;ado,  mas  que  não  receberei  os 
seus  presentes  senão  quando  formos  amigos^^ 

Depois  d^isto,  como  a  frota  de  Albuquerque  estivesse  re- 
cebendo contínuo  damno  da  artilheria  da  fortaleza,  n'uma 
madrugada  atacou  denodadamente  a  guarnição,  reforçada 
na  noite  antecedente  com  mais  quinhentos  homens,  e  to- 
mou a  fortaleza,  matando  cento  e  quarenta  dos  inimigos,  e 
perdendo  apenas  um  dos  seus,  que  morreu  afogado  no 
Mandovy. 

No  mesmo  dia  e  ao  mesmo  tempo  toma  também  de  as- 
salto o  baluarte  de  Bardez  —Reis  Magos—  e  retira-se  com 
a  artilheria,  munições  de  guerra  e  de  boca,  que  encontrou 
em  ambas  as  fortalezas,  para  quatro  mezes  depois  voltar  a 
reconquistal-as  em  25  de  novembro,  dia  de  Santa  Catha- 

rina. 

O  conde  da  Ega  foi  o  primeiro  vice-rei  que  fixou  a  sua 
residência  (em  dezembro  de  1759)  no  palácio  de  Pangim, 
no  qual  continuaram  e  continuam  a  residir  os  seus  succcs- 

sores. 

Alfandega.— Tia  architectura  e  disposição  do  edifício  da 
alfandega,  o  desenho  diz  d'elle  muito  mais  e  melhor  do  que 
nós  o  poderíamos  fazer-  com  palavras. 

O  Mandovy  ou  casa  onde  se  recebiam  os  direitos  na  epocha 
da  conquista' de  Goa,  estava  situado  no  angulo  que  forma 
o  rio  ao  norte  da  ilha.  Por  este  motivo  os  terrenos  circum- 
vizinhos  á  alfandega,  ou  mandovy  em  linguagem  do  paiz, 
se  designam  também  mandovis;  nome  que  o  tempo  tornou 
exclusivo  ao  rio,  e  pelo  qual  é  conhecido  e  marcado  nas 
cartas  geographicas. 

O  mappa  que  se  segue  é  um  resumo  do  rendimento  das 
alfandegas  de  Goa  do  anno  de  1866,  comparado  com  o  do 
anno  de  i863,  sendo  o  serviço  aduaneiro  regido  pelo  regi- 
mento decretado  para  as  alfandegas  da  índia  pelo  marquez 
de  Pombal. 


PORTUGUEZA 


99 


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A  INDlA 


Palácio  da  miimcipalidade.—Ko  sul  da  alfandega  encon- 
tra-se  a  casa  da  camará  municipal  das  Ilhas  de  Goa,  man- 
dada construir  pelo  município  durante  o  governo  do  ex."^» 
conde  de  Torres  Novas. 

A  torre,  que  no  desenho  se  vê  ao  centro  do  edifício,  foi 
eri^ida  por  subscripçiío  publica  á  memoria  gloriosa  do  ex.  "^^ 
conde  de  Torres  Novas,  sendo  então  pela  segunda  vez  go- 
vernador geral  do  Estado  da  índia  o  ex."^°  conselheiro  José 
Ferreira  Pestana,  e  presidente  da  municipalidade  o  auctor 

deste  livro. 

A  municipalidade  das  Ilhas  de  Goa  é  a  actual  succes- 
sora  do  senado  da  camará,  representante  da  cidade  de 
(;oa,  e  creado  pelo  ínclito  Aiíonso  de  Albuquerque. 

Para  os  cargos  de  vereadores,  juizes,  almotacés,  vinte  e 
quatro  dos  mesteres,  e  mais  officios,  escolheu  Aflbnso  de 
Albuquerque,  d"entre  os  portuguezes  que  haviam  casado 
com  as  indígenas,  os  que  julgou  mais  dignos,  concedendo- 
Ihes  os  mesmos  privilégios  de  que  o  senado  de  Lisboa  go- 

sava. 

Os  vereadores  venciam  nos  primeiros  tempos  gratifica- 
ções sob  a  denominação  de  soldo,  e  mais  tarde  com  o  ti- 
tulo de  propinas.  Tinha  o  senado  a  seu  cargo  as  obras  ci- 
vis e  militares  do  Estado;  possuía  avultadíssimas  rendas,  e 
gosava  de  muitas  isenções,  e  variadas  attribuiçÕes  e  rega- 
lias, concorrendo  muito  para  essa  grandeza  as  qualidades 
pessoaes   dos   ricos    e   opulentos   fidalgos,   de   que   elle   se 

compunha. 

Monumento  de  AJfonso  de  Albuquerque.— Este  monumento 
foi  mandado  construir  por  solicitações  do  sr.  Cláudio  La- 
grange  Monteiro  de  Barbuda,  para  n'elle  se  collocar  a  es- 
fatua  de  Aflbnso  de  Albuquerque,  que  tendo  sido  transferida 
do  Arco  dos  vice-reis  para  o  frontispício  do  recolhimento 
da  Serra,  e  ficando  envolvida  nas  ruínas,  a  que  o  tempo 
reduziu  este  edificio,  foi  depois  transportada  para  Pangím. 

A  solemnidade  e  o  auto  de  abertura  do  alicerce  do  mo- 
numento teve  logar  em  17  de  fevereiro  de  1843,  sendo  go- 


'ORTUGUEZA 


lOI 


vernador  geral  o  conde  das  Antas,  e  a  inauguração  da  es- 
tatua em  29  de  outubro  de  1847,  governando  então  o 
Estado  o  ex.™  conselheiro  José  Ferreira  Pestana. 


As  columnas  de  granito  e  algumas  traves  de  ferro  em- 
pregadas na  construcção  do  monumento  pertenciam  ao 
convento  de  S.  Domingos  da  cidade  de  Goa. 


102  A  índia 

Affonso  de  Albuquerque. —  A  gravura  que  representa  o 
grande  Affonso  de  Albuquerque,  conquistador,  fundador,  e 
pae  do  império  que  os  portuguezes  fundaram  na  índia,  a 
de  D.  Vasco  da  Gama,  que  se  vê  no  capitulo  ii,  pagina  64, 
e  a  de  D.  Francisco  de  Almeida  no  capitulo  vii,  são  copias 
dos  retratos  a  óleo,  de  corpo  inteiro,  que  estavam  no  arse- 
nal de  Goa  e  no  palácio  do  governo  em  Pangim,  quando 
as  desenhámos. 

Affonso  de  Albuquerque,  do  conselho  de  sua  magestade, 
commendador  da  ordem  de  S.  Thiago,  capitão-mór  e  go- 
vernador da  índia,  filho  segundo  de  Gonçalo  de  Albuquerque, 
senhor  de  Villa  Verde,  e  de  sua  mulher  D.  Leonor  de  Mene- 
zes, filha  de  D.  Álvaro  Gonçalves  de  Athaide,  i.°  conde 
de  Athouguia,  nasceu  em  1453  na  quinta  do  Parai\o,  situa- 
da entre  Alhandra  e  Villa  Franca  de  Xira. 

Tendo  vinte  e  sete  annos  de  idade,  foi  em  soccorro  de 
D.  Fernando  de  Nápoles,  contra  os  turcos. 

Depois  de  servir  por  alguns  annos  em  Arzila,  voltou  a 
Portugal,  onde  exerceu  as  funcções  de  estribeiro-mór  de 
el-rei  D.  João  II.  Combateu  contra  Mulei  Xeque,  rei  de 
Fez,  em  1489,  e  voltou  novamente  para  Arzila. 

Regressando  a  Portugal  foi  despachado  capitão-mór  de 
três  naus  para  a  índia,  saindo  de  Lisboa  em  6  de  abril  de 
i5o3.  Durante  esta  viagem  mandou  construir  em  Cochim 
a  fortaleza  da  invocação  de  S.  Thiago,  e  uma  igreja  (a  pri- 
meira na  índia)  dedicada  a  S.  Bartholomeu.  Entrou  nas 
terras  de  Repelim  e  na  ilha  de  Cambalão.  De  volta  comba- 
teu com  5o  paráos  de  Calecut,  e  victorioso  entrou  em  Co- 
chim. Estabeleceu  uma  feitoria  em  Ceylão,  e  voltou  a  Por- 
tugal, onde  chegou  nos  fins  de  Julho  de  1504. 

No  dia  6  de  março  de  1Õ06  partiu  novamente  de  Lisboa 
para  a  índia  na  qualidade  de  capitão-mór  de  uma  armada, 
para,  em  seguida  á  conquista  de  Socotorá,  succeder  ao  vi- 
ce-rei  D.  Francisco  de  Almeida  no  governo  da  índia,  de  que 
tomou  posse  no  dia  4  de  novembro  de  1609.  Do  que  prati- 
cou como  governador  falíamos  anteriormente. 


I 


1'ORTl'GUEZA  '  lOJ 


Quartel  de  artilheria. — O  quartel  de  artilheria  occupa  o 
lado  oriental  do  grande  rectângulo  formado  pelo  lyceu  e 
bibliothcca  publica,  installada  em  i832,  pelo  referido  quar- 
tel, academia  militar,  quartel  da  guarda  municipal,  e  quartel 
dos  contingentes. 

Os  quartéis  da  guarda  municipal  c  dos  contingentes  oc- 
cupam  os  lados  septentrional,  occidental  e  meridional  do 
rectângulo.  Sobre  a  porta  principal  do  quartel  de  artilhe- 
ria, que  se  vê  no  desenho  da  Praça  das  sete  janellas,  está 
a  seguinte  legenda: 

NÃO  vos  HADE  FALTAR  GENTE  FAMOSA 
HONRA,  VALOR,  E  FAMA  GLORIOSA 
NO  BOM  E  FELIZ  GOVERNO  DO 
ILL^^E  EX^^SNR  D.  MANOEL  DE  POR- 
TUGAL E  CASTRO  V.  REI  DA  ÍNDIA. 
ANNO  DE  l832. 

Caminhando  pela  margem  do  Mandovy,  na  direcção  do 
occidente  até  ao  extremo  da  muralha  que  confina  com  o 
rio  de  Santa  Ignez,  depara-se  com  o  edificio,  onde  se  acha 
estabelecido  o  hospital  militar  e  a  escola  medica. 

Hospital  militar.  —  Este  hospital  fora  transferido  de  Pa- 
nelim,  onde  tinha  a  designação  de  Hospital  Real,  em  vir- 
tude da  representação  que  o  physico-mór,  o  sr.  Moacho, 
dirigiu  ao  governador  Lopes  de  Lima  em  1841,  ponde- 
rando a  insalubridade  d^aquclle  local,  a  sua  vizinhança  da 
Casa  da  pólvora,  e  a  distancia  a  que  se  achava  dos  quar- 
téis da  tropa.  Situado  actualmente  no  extremo  occidental 
de  Pangim,  em  frente  da  barra  de  Aguada,  e  exposto  ás 
virações  no  verão,  satisfaz  aos  fins  prescriptos  pela  mais  ri- 
gorosa hygiene  d"aquelles  climas. 

Em  frente  do  hospital  militar,  em  Batim,  da  província 
de  Bardez,  na  margem  direita  do  Mandovy,  está  situada  a 
casa  dos  cathecumenos. 

Catheciimenos. —  N^esta  casa  recolhiam-se  as  creanças  il- 
legitimas  dos  gentios  para  serem  baptisadas;  até  que,  pela 


104  A  índia 

portaria  de  3o  de  novembro  de  1842,  se  extinguiu  este  es- 
tabelecimento, sendo  os  seus  bens  encorporados  nos  pró- 
prios da  fazenda. 

Em  3i  de  maio  de  1845  determinou-se  ao  governador  ge- 
ral de  Goa,  que,  de  accordo  com  o  arcebispo  primaz, 
fizesse  accommodar  os  neophytos  do  sexo  masculino  no  se- 
minário, e  os  do  sexo  feminino  no  recolhimento  da  Mise- 
ricórdia em  Chimbel. 

Fonte  da  ]\icca. — Esta  fonte,  que  está  situada  na  base 
septentrional  do  outeiro  de  Santa  Ignez  a  SO.  da  cidade 
de  Pangim,  comquanto  seja  menos  importante  de  que  a 
fonte  Fénix,  é  todavia  muito  apreciável  pela  excellente  e 
abundante  agua  que  d'ella  corre  durante  todo  o  anno;  fica 
próxima  do  único  pagode  que  existe  em  Nova  Goa,  aonde 
algumas  vezes  assistimos  á  dansa  das  calaroiílcs  ou  baila- 
deiras. 

Bailadeiras. —  As  bailadeiras  estão  vestidas  com  ricos 
pannos  de  musselina  azul,  branca  ou  rosada,  bordados  de 
seda,  prata  ou  oiro.  Os  cabellos  atados  no  alto  da  cabeça 
são  envolvidos  por  grinaldas  de  flores  naturaes  excessiva- 
mente aromáticas;  e  o  pescoço,  orelhas,  nariz,  mãos  e  pés 
estão  ornadas  de  jóias. 

As  bailadeiras  dão  principio  á  dansa,  cantando  separada- 
mente, e  depois  todas  ao  mesmo  tempo,  emquanto  os 
músicos  ou  inurdauífueiros  tangem  com  as  mãos  sobre  as 
murdaiigas,  que  têem  ligadas  á  cintura.  Em  certas  occasiÕes 
o  canto  e  a  dansa  das  bailadeiras  são  acompanhados  pelos 
sons  de  uma  espécie  de  rebeca  denominada — senmgin. 

O  canto  das  bailadeiras  é  monótono  e  cadenciado. 

Se  elevam  a  voz  é  só  para  formar  os  sons  guturaes  tão 
frequentes  e  tão  desagradáveis  ao  ouvido  europeu. 

A  dansa  reduz-se  a  algumas  contorsões  dos  dedos  das 
mãos  e  a  um  fraco  movimento  de  progressão  obtido  com 
grande  esforço  sobre  os  calcanhares,  e  com  as  pontas  dos 
pés,  quando  recuam.  N 'estes  movimentos  fazem  grande 
sonido  com  os  guizos,  que  trazem  em  volta  dos  tornozellos. 


1'ORTUGUEZA 


io5 


Sobre  o  outeiro  de  Santa  Ignez  ou  de  Pangim,  entre  o 
pagode  e  o  palácio  do  governo,  está  situada  a  igreja  matriz 
de  Nossa  Senhora  da  Conceição. 

Igreja  matri:{. — Esta  igreja  foi  edificada  em  1541,  sob  o 
titulo  de  ermida  e  invocação  de  Nossa  Senhora  da  Concei- 
ção, padroeira  do  reino  e  conquistas. 

Próximo  d'esta  igreja  foi  construido  em  i5Si  o  collegio 


OlARTEr.   DA   GUARDA   MlNlClrAL 


de  S.  Thomaz,  que,  por  ser  muito  infestado  de  cobras  de 
capello,  foi  transferido  para  Banguenim  em  1626. 
A  noroeste  da  antiga  e  opulenta  fonte  de  Banguenim' 


•  A  fonte  de  Banguenim  tinha  amplas  tinas  de  cantaria  para  banhos, 
e  por  meio  de  aqueductos  construídos  em  diversas  direcções  (hoje-  to- 
dos em  ruinas)  fornecia  agua  em  abundância  ao  hospital  da  Misericór- 
dia, Casa  da  pólvora  e  outros  pontos  da  cidade.  Actualmente  ainda  for- 
nece agua  á  Casa  da  pólvora,  mas  em  diminuta  quantidade  por  causa 
do  mau  estado  do  respectivo  aqueducto.  No  governo  do  ex.mo  conde  de 
Torres  Novas  concebeu-se  o  projecto  de  canalisar  a  agua  d'este  grande 
manancial  para  Pangim. 


io6  A  índia 


existia  — em  S.  Pedro —  a  esplendida  casa  do  sr.  D.  An-  i 

tonio  de  Carcomo  Lobo,  que  mostra  o  nosso  desenho  do  - 

natural  feito  em  i865.  Como  esta  havia  muitas  casas  par-  i 

ticulares  em  Goa  pertencentes  á  primeira  nobreza,  e  das  ! 

quaes  apenas  se  encontram  hoje  montões  de  ruinas  ou  pai-  j 

mares  nos  sitios  que  occuparam.  ; 

Escola  hindu. — As  escolas  gentílicas  de  instruccão  pri-  ' 

maria  são  sempre  debaixo  do  alpendre  da  habitação  do  guru  \ 

ou  xenoy  (mestre-escola),  como  se  observa  principalmente  , 

nas  Novas  Conquistas,  aonde  logo  de  madrugada  se  acham  | 

os  choros  — rapazes —  sentados  no  chão,  de  pernas  encru-  i 

zadas,  traçando  com  o  dedo  índex  da  mão  direita,  sobre  j 

uma  taboa  coberta  de  areia  fina,  ou  com  um  bocado  de  ' 

bambu  fino  sobre  folhas  de  bananeira,  as  figuras  das  letras,  ; 
que  ao  mesmo  tempo  vão  pronunciando  ou  cantando  em 

voz  alta.  " 

Por  este  methodo  aprendem  simultaneamente  a  ler  e  a 

escrever.  j 

O  methodo  de  ensino  gentílico  consiste  em  tomar  o  mes-  * 

tre  lição  de  leitura  aos  discípulos  que  já  lêem  os  manu-  ; 
scriptos,-  mandar-lhes  depois  copiar  alguns  excerptos  dos 
Vedas,  que  o  guru  lhes  tem  dado  da  sua  letra,  e  repetir 

de  cór  o  alphabeto,  a  taboada  maratha  até  20  de  inteiros,  ] 

e  de  quebrados  até  4Y2,  e  algumas  poesias  indianas,  que  o  1 
mestre  lhes  tiver  ensinado.  O  xenòj'  está,  como  mostra  o 
desenho,  com  o  seu  gorguly  (espécie  de  cachimbo)  em  pu- 
nho, em  pé  no  meio  dos  estudantes,  corrigindo  os  defeitos, 
e  admoestando  ou  punindo  os  que  se  mostram  descuidados 
e  menos  zelosos  em  seus  deveres. 

As   mulheres   hindus,    exceptuando    as   bailadeiras,  não  ) 

aprendem   a   ler  nem   a  escrever,  por  se  persuadirem  os  ' 

gentios  que  toda  a  illustração  que  ellas  podessem  adquirir,  1 
as  afastaria  d'essa  simplicidade  de  costumes,  em  que  vivem, 
e  que  elles  julgam  necessária  para  a  felicidade  domestica. 

Quando  os  gentios  não  estejam  reduzidos  á  extrema  in- 
digência, mandam  ensinar  seus  filhos  a  ler  e  escrever  a  \ 


s 


1 


I 


FORTUGUEZA  10' 


lingua  materna,  e  são  instruídos  nos  princípios  fundamcn- 
tacs  da  sua  religião;  mas,  em  geral,  ficam  somente  habili- 
tados a  ler  os  manuscriptos  da  língua  materna,  e  a  ler  can- 
tando alguma  poesia  maratha. 

Alguns  particulares  téem  em  suas  casas  mestres,  que 
dão  lições  de  lingua  maratha  a  seus  filhos  e  aos  mancebos, 
que  ali  concorrem  da  vizinhança.  Mas,  ordinariamente,  são 
estes  mestres  pouco  instruídos.  Apenas  iniciados  em  ler  e 
escre^'er  mal  as  duas  espécies  de  caracteres  Bolbodh  e 
Mody,  ignoram  completamente  a  grammatica  maratha,  e 
não  possuem  conhecimento  algum  da  vastissinia  litteratura 
dos  hindus,  para  poderem  doutrinar  os  alumnos  com  apro- 
veitamento. 

Medicina  hindu. — A  j'aidicai  ou  medicina  hindu  está  na 
nossa  índia,  como  na  primitiva. 

Os  gentios  não  têem  escolas  de  medicina  nem  de  cirur- 
gia: é  uma  arte  que  todos  podem  cultivar  e  exercer  livre- 
mente. 

Os  brahmanes  são  os  que  possuem  maior  somma  de  co- 
nhecimentos de  raidicai,  mas  não  exercem  a  profissão  como 
médicos.  No  entender  dos  brahmanes,  todas  as  doenças 
tcem  quatro  princípios,  que  são  os  quatro  elementos  dos 
antigos:  a  pcinj'  (agua),  o  vare  (ar),  a  matf  (terra)  e  o  11^0 
(fogoj;  e  explicam  tudo  em  medicina  pelas  quatro  qualida- 
des: o  iismia  (calor),  o  Iwwattf  (frio),  a  thanddaye  (humi- 
dade) e  a  sucaty  (seccura) :  assim  os  upa]-as  ou  remédios 
são  quentes,  frios,  húmidos  ou  seccos,  e  applicados  se- 
gundo as  regras  do  fatalismo.  Para  explicar  os  phenomenos 
da  \-ida,  admittem  um  humor  2'ital. 

O  gentio  que  se  intitula  ;'j/-á  (medico)  ou  o  vaqhatfá 
(aquelle  que  dá  medicamentos,  seja  ou  não  medico  de  pro- 
fissão) pertence  á  casta  dos  siidros. 

São  ignorantes,  e  exercem  simultaneamente  as  profissões 
de  cirurgião  e  de  pharmaceutico. 

O  SN-stema  therapeutico  dos  gentios  é  o  empirismo.  Este 
funda-se,  como  é  sabido,  em  que  a  therapeutica  não  pôde 


io8  A  índia 

ser  deduzida  a  priori  da  natureza  da  doença,  por  isso  que 
esta  é  quasi  sempre  desconhecida.  Estabelecem,  pois,  o 
tratamento  por  analogia,  applicando  em  cada  doença  ou 
ballicá,  os  roqhadás  ou  medicamentos,  que  porventura  te- 
nham curado  em  algum  caso  similhante. 

Alguns  brahmanes  fundam,  o  seu  systema  de  curar  sobre 
a  observação  do  homem  doente  e  a  experiência  dos  medi- 
camentos e  remédios  próprios  para  obter  a  sua  cura;  e 
finalmente,  sobre  a  historia  e  a  analogia.  Este  systema  as- 
similha-sc  muito  á  medicina  hippocratica. 

É  sabido  que  Hippocrates  olhado,  com  fundamento,  como 
pae  da  medicina,  admittia  que  as  doenças  tinham  sua  sédc 
nos  humores  do  corpo. 

Galeno,  um  dos  médicos  mais  famosos  da  antiguidade, 
tinha  adoptado  a  medicina  hippocratica,  e  pensava  também 
que  a  doença  era  devida  á  alteração  dos  humores,  tanto 
em  sua  qualidade,  como  em  sua  quantidade.  Gomo  os 
brahmanes,  explicava  Galeno  tudo  cni  medicina,  pelos 
quatro  elementos  dos  antigos. 

As  idéas  humoraes  de  Hippocrates  e  de  Galeno  foram 
adoptadas  pelos  médicos  árabes,  e  notavelmente  pelo  cele- 
bre Rhazcs  durante  todo  o  longo  periodo  da  antiguidade 
e  da  idade  media.  Muitos  médicos,  e  os  veterinários  gre- 
gos Absyrto  e  Eumclio  Pelagonius,  os  agricultores  romanos 
Varrão,  Golumella,  e  muitos  outros  antigos  e  modernos 
adoptaram  também  as  opiniões  professadas  pelos  humo- 
ristas. 

Quando  morre  um  ]\-ii\á,  deixa  a  seu  filho,  a  seu  neto, 
ou  a  algum  parente,  um  livro  de  receitas,  com  o  qual  o 
novo  rai:^á  começa  a  exercer  a  arte  de  Esculápio,  com  tan- 
ta confiança  em  si,  como  se  tivesse  passado  toda  a  sua 
vida  entregue  com  proficuidade  ao  estudo  da  sciencia  me- 
dica. 

O  livro  de  receitas  serve  para  auxiliar  a  memoria  dos 
novos  rai\ás,  e  também  para  estes  colherem  d'elle  os  ma- 
ravilhosos segredos  de  curar  toda  a  qualidade  de  doença. 


I 


il 


PORTUGUEZA 


lOQ 


Applicando  esses  remédios  muitas  vezes,  sem  saberem  como 
e  quando  o  devem  ser,  e  não  obstante  verem  morrer  innu- 
meraveis  doentes,  que  lhes  caem  nas  mãos,  vivem  todavia 
persuadidos  da  etiicacia  dos  seus  especificos  universaes.  Para 
quasi  todas  as  espécies  de  enfermidades  impõem  ou  prescre- 
vem rigorosa  dieta,  as  bebidas  e  os   cautérios;  e  sempre 


IHN  I  K    HA    \ 


que  liies  morre  algum  enfermo,  attribuem  a  esse  facto  o 
ter  elle  comido  alguma  cousa  de  mais,  ou  deixado  de  tomar 
alguma  beberagem,  ou  a  não  ter  sido  abundantemente  cau- 
terisado. 

O  gentio  doente  mette-se  com  toda  a  confiança  entre  as 
mãos  d'estes  médicos  improvisados,  e  nunca  recorre  aos 


no  A   IM)IA 

médicos  fvangiiins  (europeus'),  nem  aos  seus  compatriotas 
christãos,  porque  a  sua  religião  llVo  prohibe. 

Todavia,  nos  casos  de  maior  gravidade,  alguns  gentios 
mais  civilisados,  que  residem  nasA^elhas  Conquistas,  quando 
é  preciso  empregar  a  arte  obstetrícia,  depois  de  consulta-  j 
rem  os  :ioixvs  (astrólogos),  e  a  Saty  (deusa  que  preside  . 
aos  partos),  e  de  se  persuadirem  que  esta  lhes  dá  o  \ 
consentimento  pedido,  procuram  para  suas  mulheres  os  j 
soccorros  dos  nossos  facultativos.  i 

Havendo  mais  de  um  facultativo  christáo  na  localidade, 
mandam    consultar    um    brahmane    para    lhes    dizer    qual     j 
d'elles  deva  ser  chamado. 

O  brahmane  vae  então  ao  pagode  consultar  o  idolo  por 
meio  do  próssad.  Diversos  são  os  modos  de  fazer  o  pros- 
sad.  Eis-aqui  um : 

Prossad. —  O  brahmane  ou,  á  falta  doeste,  o  chefe  da  fa- 
mília, coUoca  em  frente  da  divindade  gentílica  um  vaso  de 
cobre,  mettendo-lhe  dentro  uma  varinha  com  outra  atra- 
vessada na  parte  superior,  em  cujas  extremidades  prende 
mal  seguras  duas  flores  ou  raniinhos  de  tuUossy,  tendo  em 
cada  uma  os  nomes  dos  facultativos. 

Imprime  depois  um  movimento  de  rotação  á  varinha 
horisontal,  esperando  que  uma  das  flores  caia  primeiro  do 
que  a  outra:  será  esta  a  que  indicará  o  facultativo,  que 
deve  tratar  o  doente. 

Só  depois  d*'esta  e  de  outras  muitas  praticas  supersticiosas 
é  que  o  gentio  doente  se  sujeita  a  tcmar  as  substancias 
medicamentosas  e  alimentares,  que  o  facultativo  christão 
lhe  prescrever,  menos  caldo  ou  carne  de  vacca. 

Os  gentios  nunca  ousaram  dissecar  um  cadáver,  para 
sobre  elle  estudarem  a  estructura,  o  uso  e  emprego  dos 
diversos  órgãos  que  compõem  o  corpo  humano. 

D^aqui   provém   a  sua   crassa  ignorância   en"i   anatomia, 
phvsiologia,  pathologia,  e  o  estudo  imperfeito  da  sua  ci-    } 
rurgia.  i ' 

Como  não  tcem  noções  precisas  sobre  os  agentes  thera-    [\ 


pppp 


itiiiaii:.i:;iii!Bi&aiiii;i;;íiii:iiiiiiiiffi,;i,i,ii:ii,fi.ft 


PORTUGUEZA  III 


peuticos,  administram  poucos  medicamentos  interiormente, 
servindo-se,  sobretudo  nas  curas,  de  unguentos  e  cata- 
plasmas. 

Quando  a  doença  não  cede  aos  remédios  ordinários,  o 
]'ai-d,  depois  de  ter  folheado  todo  o  seu  livro  de  medicina 
e  astrologia,  herdado  de  seus  antepassados,  recorre  a  ridi- 
culos  sortilégios,  como  faziam  os  antigos  hindus,  os  árabes, 
persas,  gregos,  e  finalmente  os  romanos,  que  attribuiram 
certas  doenças  a  causas  sobrenaturaes. 

O  estudo  da  etiologia,  ou  causas  das  doenças  e  dos  tem- 
peramentos, é  desconhecido  pelos  j>at-ds,  a  quem  a  super- 
stição opprime  ordinariamente  o  espirito. 

Se  o  gentio  enfermo  tiver  a  infelicidade  de  ser  atacado 
de  coma,  symptoma  mui  frequente  nas  doenças  cerebraes, 
e  que  consiste  num  somno  profundo,  arrisca-se  a  ser  col- 
locado  no  doròbo,  logar  onde  depositam  os  moribundos;  e 
em  vez  de  applicarem  medicamentos,  que  possam  aprovei- 
tar ao  doente,  entregam-se,  já  desesperados  da  cura,  a 
praticas  supersticiosas,  que  mais  prejudicam  do  que  beni- 
ficiam  o  desgraçado. 

Se  o  doente  é  insultado  de  uma  grande  febre  acompa- 
nhada de  delírio,  suppÔem  logo  que  está  possuido  do  Xe- 
tam  (diabo).  Então  os  j'ai\ds,  os  bottos,  e  os  joguvs  ou 
santões  fazem  ao  infeliz  enfermo  toda  a  espécie  de  ceremo- 
nias  ridículas  para  o  esconjurar.  O  doente,  n^este  caso,  em 
logar  do  espirito  das  trevas  — a  febre  que  lhe  devora  as 
entranhas —  tem  contra  si  mais  os  que  o  rodeiam,  e  que 
na  melhor  boa  fé,  muitas  vezes,  o  arrastam  prematura- 
mente á  fogueira! 

Mas  se  o  gentio  for  acomniettido  de  typho  ou  de  bexi- 
gas, em  vez  de  esconjurarem  o  enfermo,  adoram-no  conio 
a  um  deus,  por  julgarem  assim  que  adoram  a  Typhom, 
génio  do  mal,  que  julgam  ver  reproduzido  no  doente,  e  a 
quem  attribuem  a  origem  das  plantas  venenosas,  dos  ani- 
mães  nocivos,  e  das  dhamys  ou  epidemias  que  assolam  a 
terra. 


I  12 


A   IN  Dl  A 


Em  todos  os  casos  de  enfermidade  nunca  deixam  de 
consultar  os  ídolos;  o  que  geralmente  fazem  por  interven- 
ção do  chefe  da  familia  ou  dos  brahmanes — bottos. 

Estes  sacerdotes  hindus  são  assas  crédulos;  acreditam 
que  os  seus  deuses  lhes  faliam,  e,  instigados  por  esta  con- 
vicção, revelam  aos  seus  similhantes  muitas  vezes  verda- 
des úteis,  aconselhando-lhes  o 
emprego  de  certas  plantas  me- 
dicinaes,  em  que  abunda  o  paiz, 
e  que  n^um  grande  numero  de 
casos  mórbidos  produzem  bons 
resultados  e  curas  maravilhosas. 
Os  i'ãiyás  curam  frequentes 
vezes  e  com  facilidade  os  feri- 
mentos mais  graves,  acompa- 
nhados de  accidentes  superve- 
nientes, que  entre  nós  seriam 
reputados  mortaes.  Em  alguns 
casos,  sem  saberem  o  porque, 
reduzem  luxações  e  fracturas 
com  bon"!  êxito. 

O  apparelho  circulatório,  a 
lanceta  e  o  seu  uso  são  desco- 
nhecidos pelos  j>ãi~ds,  que  nun- 
ca sangram.  Sobre  este  ponto, 
pensamos  que  talvez  tenham  ra- 
são,  se  se  attender  ao  clima  e 
á  maneira  de  viver  dos  hindus. 
No  entretanto  supprem  elles  a  sangria  pelas  sanguesugas  e 
pela  dieta. 

Nas  doenças  internas  empregam  algumas  vezes  tisanas 
compostas  de  cravo  da  índia  e  de  outros  ingredientes  esti- 
mulantes, que,  em  alguns  casos  de  inconsciente  applicação, 
produzem  inflammações  e  aggravam  a  doença.  Nas  inflam- 
mações  externas  escariíicam  a  parte  inflammada  com  a  ponta 
de  uma  coity  ou  de  uma  navalha,  e  applicam  depois  uma 


VENDEDEIRA   DE   HORTALIÇA 


PORTUGUEZA 


ii3 


espécie  de  ventosa  de  cobre,  que  tem  um  tubo,  por  meio 
do  qual  chupam  o  sangue  com  a  boca. 

Os  vaiiás  tomam  o  pulso,  applicando  por  diíTerentes 
vezes  os  dedos  sobre  as  artérias  dos  braços.  Depois  de  as 
terem  por  alguns  momentos  compulsado,  olham  attenta- 
mente  para  a  physionomia  do  doente,  persuadidos  de  que 
o  movimento  dos  olhos,  junto 
com  os  das  artérias,  é  um  meio 
seguro  para  fazerem  o  diagnos- 
tico da  doença. 

Para  curarem  a  cólica  tèem 
um  remédio,  que,  segundo  ellcs 
dizem,  nunca  deixa  de  ser  efii- 
caz.  Consiste  em  um  annel  de 
ferro  de  o"\o3  de  diâmetro  e 
de  proporcional  grossura,  que 
applicam,  depois  de  posto  em 
braza,  sobre  a  região  umbilical 
do  doente.  Este  cautério  actual 
produz  uma  súbita  revolução 
no  abdómen,  e  as  dores  de 
cólica  em  pouco  tempo  se  dis- 
sipam. 

Para  combater  as  febres,  em- 
pregam os  refrigerantes  em  gran- 
de quantidade;  e,  para  as  febres 
palustres,  ministram  com  succes- 
so,  no  intervallo  da  febre,  as 
plantas  amargas,  em  que  abunda  o  Concão,  e  com  espe- 
cialidade o  cozimento  da  raiz  e  das  folhas  das  plantas 
denominadas  niumbó  e  cuddó,  que  produzem  o  elTcito  da 
quina. 

Nas  febres  intermittcntes  simples  também  empregam  o 
polme  da  casca  da  niumbó  roçado  com  Jinim,  na  dose  de 
3o  a  45  grammas.  Esta  e  outras  muitas  interessantes  recei- 
tas de  medicina  hindu  encontram-se  já  publicadas  no  Avchi- 

8 


VENDEDEIRA  DE  ÓLAS  TECIDAS 


114 


A  índia 


vo  de  pharmacia  e  sciencias  accessorias,  do  Estado  de  Goa, 
por  A.  Gomes  Roberto. 

As  doenças  de  debilidade  são  communs  entre  os  gentios; 
por  isso  quasi  todos  os  medicamentos  que  empregam  são 
compostos  de  hervas,  raizes,  e  decocções  aromáticas  e 
estimulantes.  Os  hindus  são  igualmente  sujeitos  ás  suppres- 
sões  de  transpiração  e  aos  exanthemas,  por  dormirem 
quasi  sempre  nús  sobre  os  pavimentos  térreos,  e  se  exporem 
a  todas  as  variações  atmosphericas  e  ás  mordeduras  dos 
insectos  imperceptíveis  =  » 

De  tempos  a  tempos  os  hindus  untam  o  corpo,  e  sobre- 
tudo a  cabeça  com  óleo  de  coco.  Esta  operação  é  conside- 
rada refrigerante  e  útil  á  saúde  por  embaraçar  os  excessos 
da  transpiração. 

Tanto  no  estado  de  saúde,  como  de  doença,  fazem  grande 
uso  de  fricções  seccas.  Quando  um  rico  hindu  pretende  re- 
pousar, faz-se  friccionar  ou  maçar  brandamente  com  a 
mão  secca  por  um  dos  seus  domésticos,  que  desempenham 
este  mister  com  muita  delicadeza  e  dexteridade.  Este  uso  é 
também  adoptado  não  só  pelos  nativos  christãos,  mas  pela 
maioria  dos  portuguezes  nascidos  na  índia. 

Também  deitam  óleo  de  coco  nos  ouvidos,  quando  pre-     \ 
tendem  dormir.  Dizem  que  o  óleo  nos  ouvidos  refresca  a    ' 
cabeça  e  concilia  o   somno;  e  que  as  fricções  seccas  são 
necessárias  n^este  clima,  onde  o  sangue,  por  assim  dizer, 
carece  de  ser  posto  continuamente  em  movimento.  j 

Nangôro. —  O  nangòro  ou  arado,  a  grade  (dantó),  o  es-     1 
terroador  (divló),   terraplenador   (olloj-J,    enxada  (corem),     | 
sacho  ponteagudo  (moqhi-cuddoli),   sacho  de  ponta  larga 
(pan-ciiddoU),  machado  (curaddi),  e,  finalmente,  ò  coito  e 
a  coity  (instrumentos   cortantes),  tal   é   a  principal  alfaia 
aratoria  usada  na  nossa  índia. 

Todas  as  camisponas  ou  amanhos  da  terra  são  feitos  com 
esses  poucos,  simples  e  defeituosos  instrumentos. 

As  lavouras  são  executadas  com  o  nann;òvo,  que  repre- 
senta o  nosso  desenho,  e  que  é  construído  na  própria  loca- 


PORTUGUEZA  I  l5 


lidade  onde  funcciona  e  produz  resultados  muito  imperfei- 
tos. 

Esta  machina  aratoria  hindu  é  toda  de  madeira,  tendo 
simplesmente  a  ponta  do  dente,  em  concany  denominado 
boiig;hi,  e  a  relha  ou  :{ogol  revestidas  de  uma  lamina  de  ferro 
triangular.  Compõe-sc  de  três  partes  principaes: 

i.'^  O  temão  ou  guiithó,  que  prende  a  canga  ou  :^um,  o. 
por  onde  a  junta  (:{otá)  de  bois  ou  de  búfalos  faz  a  tracção, 
tem  de  comprimento  i^^cjS. 

2.''  A  rábica,  que  mede  o"\85,  e  o  rabello  de  o'^,3o  de 
extensão,  que  é  a  extremidade  posterior  por  onde  o  casso 
ou  lavrador  segura  e  governa  o  arado. 

3."  Emfim  o  dente  ou  boughi,  que  mede  o'^,33,  e  o  :{ogol, 
de  o™,43,  que  rasga  a  terra.  Taes  são  as  peças  de  que  é 
formada  esta  machina  agrícola  dos  tempos  primitivos. 

Este  arado  não  tem  aivecas  nem  sega. 

Os  cassas  ou  lavradores  não  espicaçam,  como  na  Euro- 
pa, o  gado  jungido,  para  o  fazer  andar  mais  ligeiro;  limi- 
tam-se  a  gritar-lhes  e  torcer-lhes  a  cauda.  Em  logar  de 
aguilhada,  fazem  uso  de  um  ramo  de  qualquer  delgado 
arbusto,  que  lhes  serve  promiscuamente  para  excitar  os 
animaes  e  para  lhes  sacudir  os  insectos.  Os  animaes  bo- 
vinos hindus  são  muito  dóceis  e  de  apurado  instincto. 

Pachú  ou  animaes  domésticos. — O  Estado  da  índia,  se- 
gundo os  dados  estatistico-pecuarios,  publicados  em  Goa 
no  anno  de  i85i,  contava  cerca  de  67:206  cabeças  de  gado 
vaccum,  16:000  cabeças  de  reddós  ou  búfalos,  e  34:5oo  de 
gado  caprino,  bocris  ou  cabras. 

Goddós  ou  cavallos  contam-se  actualmente  apenas  aquel- 
les  que  são  importados  da  índia  ingleza,  como  cavallos  de 
tiro  e  de  sella,  por  conta  de  alguns  particulares  mais  abas- 
tados e  dos  ranes  e  dessays. 

Os  serviços  ruraes  são  feitos  pelos  vráxabhás  ou  bois,  e 
pelos  búfalos;  e  só  se  emprega  a  gaitri,  gó  ou  vacca,  todas 
as  vezes  que  os  trabalhos  não  são  penosos,  e  quando  aos 
lavradores  faltam  bois  ou  búfalos. 


ii6  A  índia 

Encontram-se  na  nossa  índia  as  seguintes  raças  de  bois: 

Vráxabháboilá  (bos  indicus). —  Os  caracteres  mais  dis- 
tinctivos  doesta  raça  consistem  em  ter  uma  grande  col  ou 
gcba  sobre  a  cernelha;  as  pernas  curtas  proporcionalmente 
ao  comprimento  e  sobretudo  ás  dimensões  do  tronco.  A  ca- 
beça é  perfeita,  sem  ser  de  uma  grossura  notável-,  o  foci- 
nho longo  e  obtuso-,  as  orelhas  grandes;  os  chifres  grossos, 
curvos  para  traz  e  graciosamente  contornados,  mas  de 
um  comprimento  medíocre.  O  peitoral  largo;  o  thorax  con- 
vexo; a  papada  pendente  e  ondeada;  o  dorso  ligeiramente 
achatado;  as  pernas  delgadas  e  a  cauda  longa.  A  côr  do 
pcllame  poucas  vezes  é  simples  e  pronunciada:  c  quasi  sem- 
pre uma  mistura  de  tintas,  um  matiz,  mas  as  cores  mais  or- 
dinárias são  o  castanho  alaranjado. 

Raça  Surratana.  —  Esta  segunda  raça  diíTere  essencial- 
mente da  primeira  pela  ausência  da  geba,  pela  posição  dos 
chifres  que  são  de  còr  branca  e  se  projectam  para  diante, 
sendo  também  a  cabeça  mais  estreita  e  delicada.  Esta  raça 
tem  os  olhos  mais  approximados  dos  chifres,  e  o  olhar  doce 
e  tranquillo;  pescoço  mais  delgado  e  a  papada  mais  pen- 
dente, convexa  e  caída  abaixo  do  joelho;  peito  oval,  corpo 
alongado,  pellc  flaccida  e  ligeiramente  espessa,  com  pouco 
pello  e  fino;  côr  branca  matizada  de  côr  de  rosa,  e  uma 
estatura  em  geral  mais  esvelta  e  os  movimentos  mais  ágeis: 
dotada  de  grande  docilidade,  é  boa  para  o  trabalho,  dá  bas- 
tante leite,  e  engorda  facilmente. 

Raça  curta  dos  Gattes. — É  uma  raça  de  pequena  esta- 
tura, mas  gentil;  tem  os  olhos  grandes  c  vi\'os,  e  as  pontas 
curtas;  as  fêmeas  produzem  muito  leite  e  de  boa  qualidade, 
e  os  machos  são  diligentes  no  trabalho;  a  côr  é  branca- 
cinzenta,  ou  castanho-claro.  Estes  animaes  são  dóceis,  fortes, 
intelligentcs  e  aptos  para  trabalhos  variados. 

Os  bois  c  os  búfalos  são  os  únicos  animaes  de  tiro,  de 
lavoura  e  de  carga  da  nossa  índia. 

Reddó  ou  biifalo. — O  búfalo  (bos  bubalusj  é  caracterisa- 
do  por  um  frontal  arqueado  e  amplo  entre  as  pontas,  que 


ÍW\ 


BAILADEIRAS 


I 


PORTUGUEZA 


117 


são  mais  ou  menos  prismáticas,  approximadas  das  orbitas 
pela  sua  base,  e  dirigidas  para  traz.  O  costado  ou  paredes 
lateraes  do  peito  são  achatadas  e  largas.  As  tetas  obser- 
vam-se  dispostas  em  trapézio  na  fêmea,  e  em  linha  recta 
no  macho. 

O  talho  do  búfalo  ordinário  é  quasi  igual  ao  dos  bois. 
Seu  porte  d  desairoso;  quando  corre  estende  o  focinho  a 
fim  de  dar  livre  passagem  ao  ar.  O  mugido  do  búfalo  é 
especial  d'esta  raça;  não  se  confunde  com  o  das  raças  si- 
milhantes,  


NANGORO  OU  ARADO 


Apesar  da  sua  apparencia  bronca,  estúpida  e  muitas 
vezes  de  aspecto  medonho,  o  búfalo  é  um  animal  precioso, 
em  rasão  dos  serviços  que  presta  ao  homem.  Recompensa 
bem  a  sua  deformidade  por  suas  proveitosas  qualidades. 

Sua  força  é  muito  maior  que  a  dos  bois,  e  sua  rus.tici- 
dade  e  sobriedade  são  singulares  entre  os  outros  animaes 
domésticos. 

No  Estado  da  índia  serve  o  búfalo  como  animal  de  carga, 
e  no  serviço  de  tiro  para  lavoura  e  para  carros. 

As.  bufalas  prestam  os  mesmos  serviços  que  os  machos: 


1 1 8  A  índia 

são  boas  creadeiras,  e  dão  leite  abundante  e  de  boa  quali- 
dade, do  qual  se  obtém  excellente  loiínj-  (manteiga). 

A  estes  animaes,  mais  fortes  que  os  bois  ordinários, 
apraz-lhes  muito  o  viver  nos  brejos  e  logares  pantanosos, 
aonde  muitas  vezes  passam  algumas  horas  mergulhados  na 
agua,  conservanda  apenas  fora  d^clla  a  ponta  do  focinho. 

O  craneo  dos  búfalos  contém  enormes  cellulas  cheias  de 
ar,  que  communicam  com  o  interior  dos  chifres.  A  existên- 
cia d"'estas  cellulas  é  que  os  búfalos  devem  a  forma  con- 
vexa da  cabeça;  e  julga-se  que  esta  disposição  dos  seios 
frontaes  é  que  dá  ao  búfalo  a  faculdade  de  poder  estar 
mergulhado  na  agua,  e  dormir  n^esta  apparentemente  in- 
commoda  posição,  sem  mergulhar  a  cabeça. 

Nas  florestas  das  Novas  Conquistas  habitam  no  estado 
selvagem  algumas  espécies  de  búfalos,  que  os  indígenas  de- 
nominam garós,  e  os  seguintes  animaes:  Vag'os  (tigres)  de 
differentes  qualidades  (real,  bibió,  vagantis,  dos  salgueiros 
e  outros);  meriim  (veado),  chitol  (chitella),  bocris  (cabras), 
bencrem  (camursa),  vansiiellos  (ursos  pretos  e  brancos),  ran- 
diicor  (porco),  sonso  (lebre),  sallé  (porco-espinho),  colsiindós 
(cães),  macòres  (macacos),  eiil  (lobo),  babcó  (gato),  pacma- 
{oro  (gato  alado),  catandiir  (espécie  de  arganaz),  scncnim 
(doninha),  colló  (adi\'e),  coliindir  (arganaz),  chaniin  (rato  de 
palmeira),  sivló  ou  topió  (camaleão  com  ou  sem  azas),  sap 
ou  gar  (talagoia),  tirió  (bicho  vergonhoso).  Grande  numero 
d"'estes  animaes  encontra -se  também  nas  Velhas  Conquistas, 
e  igualmente  diversos  reptis,  dos  quaes  os  principaes  são: 
Panró  (cobra  de  capello),  naguine  (macho  do  panró),  gi- 
boia  (surôpo  ou  cobra  de  grandes  dimensões:  encontra-se 
nas  florestas  dos  Gattes  das  Novas  Conquistas),  o  dii'odó, 
agiiió  (cobra  alcatifa),  fiirscm  (vibora),  cnvalem  (cobra  de 
aguai,  maluiid  (cobra  de  rato),  oliari  (cobra  verde),  e  avó 
(cobra  madeira). 

Garupeiros. — Os  hindus  chamados  ganípciros  agarram 
as  cobras,  e  depois  de  lhes  arrancarem  os  dentes  injecto- 
res do  veneno,  andam  com  ellas  em  exposição  pelos  povoa- 


PORTUGUFZA 


119 


dos,  como  mostra  o  desenho,  auferindo  d''esta  industria  os 
meios  de  sua  subsistência. 

Existe  também  na  nossa  índia,  principalmente  na  qua- 
dra chuvosa,  uma  immensa  quantidade  de  insectos;  e,  alem 
de  outras,  as  seguintes  aves  de  caça:  coscadreni  ou  perdiz, 
lai'0  (codorniz),  bcn  caro  (narceja);  garças:  branca  e  par- 
da, boquem  ou  bolar,  ciidcm,  boqiiem,  real,  camardongo; 
fclio  ou  biiddi  (mergulhador),  rolas  (coiidós  de  diversos  ta- 
manhos e  cores),  ran-comby  (gallinhola  de  matto),  moro 
(pavão),  goroiipoquio  ou  guroiid  (grou),  parpós  (pombos 
de  varias  espécies),  golerans  (tordos),  addos  (marrecas), 
congofod  (dominíco  real),  gallinhas,  gallos  e  outras  aves. 

Constituição  da  propriedade. — Na  índia  portugueza  a 
propriedade  territorial,  que  data  de  remota  antiguidade, 
foi  distribuída  mais  entre  communidades,  que  entre  indiví- 
duos. Os  mais  antigos  documentos  descrevem  a  população 
agrícola  como  aggregada  em  grupos  gãos  ou  aldeias,  tendo 
ligada  á  parte  em  que  residiam,  um  tracto  de  terra  cuja  por- 
ção cultivável  fosse  sufficiente  para  seu  sustento  e  que  era 
cultivada  em  commum.  A  administração  interna  dos  negó- 
cios da  aldeia  foi  deixada  em  grande  parte  aos  próprios  ha- 
bitantes, sob  a  geral  superintendência  de  um  ofQcial  nomeado 
pelo  Rajá,  a  cujo  cargo  estava  o  regimen  policial,  a  co- 
brança das  rendas  do  governo  e  a  administração  da  jus- 
tiça, sob  consulta  das  principaes  pessoas  da  aldeia. 

Estas  communidades  das  aldeias  têem  sobrevivido  ás 
dynastias,  invasões  e  a  todas  as  commocões  politicas. 

Pôde  uma  aldeia  por  eííeito  de  pilhagem  e  matança,  diz 
J.  Talbo3's  Whecler,  ter  ficado  despovoada  por  annos,  que 
quando  volverem  tempos  tranquillos,  e  a  posse  do  terreno 
for  ainda  possível,  os  aldeãos  dispersos  tornarão  as  suas 
antigas  habitações.  Pôde  ter  passado  uma  geração,  mas 
succederá  que  se  os  seus  filhos  voltarem  a  restabelecer-se 
na  aldeia  em  seu  antigo  sitio,  reedifiquem  as  casas  que  seus 
pães  occupavam,  e  novamente  cultivem  os  campos  que  suas 
famílias  possuíram  desde  tempo  immemorial. 


120 


A  índia 


Emfim,  diz  o  sr.  conselheiro  J.  H.  da  Cunha  Rivara  nos 
Brados  a  favor  das  comminiidades :  «As  communidades 
são  corporações  de  ordem  publica  com  um  extenso  poder 
municipal,  e  jurisdicção  administrativa,  fiscal,  judicial  e  elei- 
toral, se  bem  que  com  os  tempos  tenha  havido  em  alguns 
doestes  pontos  tal  ou  qual  alteração,  que  não  infringe,  nem 
contradiz  os  princípios.  Provam-no  as  leis,  refere-o  a  histo- 
ria, e  vemol-o  por  nossos  olhos». 
Quando  o  egrégio  Aífonso  de 
Albuquerque  conquistou  Goa,  re- 
servou para  o  nascente  estabele- 
cimento, que  Portugal  acabava  de 
dever  á  sua  gloriosa  espada,  as 
terras  e  heranças  que  possuíam 
os  mouros.  Estas  terras  foram  de- 
pois, por  carta  patente  de  el-rei 
D.  Manuel,  dei5  demarco  dei 5 1 8, 
distribuídas  pelos  portuguezes,  que 
casaram  e  assentaram  vivenda  em 
Goa,  cabendo  ao  que  era  fidalgo 
três  quinhões,  ao  cavalleiro  dois, 
e  ao  peão  um'. 

Em  1326  el-rei  de  Portugal  deu 
aos  agricultores  um  foral,  deter- 
minando os  foros,  contribuições 
e  mais  encargos  convencionados 
pelo  illustre  fundador,  e  que  fos- 
sem reduzidos  a  escripto  os  usos 
e  costumes  que  respeitavam  a  heranças,  successões,  afora- 
mentos e  encampações  de  terras,  com  o  intuito  de  firmar 
em  bases  mais  solidas  o  direito  da  fazenda  publica. 

Em  Goa  todos  os  proprietários  cultivam  por  sua  conta  os 
prédios  rústicos,  menos  os  que  vivem  longe  de  suas  terras,  e 


BOTTO   OU   SACERDOTE  HIXDÚ 


'  Archivo  portuguez  oriental. 


PORTUGUEZA  121 


as  corporações  de  mão  morta.  Os  rendeiros  são  poucos,  e 
os  arrendamentos  fazem-se  ordinariamente  de  um  a  três 
annos,  e  alguns  de  seis  a  dez. 

Calculando,  como  F.  L.  Gomes  (A  Uberdade  da  terra 
e  economia  rural  da  índia  portiígne:{a,  1862)  em  40  xera- 
tins  o  rendimento  de  cada  hectare  cultivado,  e  dividindo  por 
este  numero  o  rendimento  total  dos  diversos  productos 
agrícolas,  temos  que  as  cifras  das  propriedades  pertencen- 
tes á  fazenda  publica,  ás  corporações  de  mão  morta,  ás 
communidades,  vínculos,  etc,  são  approximadamente  as  se- 
guintes : 

hectares 

Terrenos  das  communidades 3 1 :00o 

Prazos  da  coroa 7:032 

Confrarias 886 

Santa  casa  da  Misericórdia  ' 375 

Convento  de  Santa  Mónica    3oo 

Fabricas  das  igrejas ' 25o 

Seminário  e  bens  da  Mitra  ' 1 00 

Morgados  e  capellas 3:25o 

Dessayados  e  sar-dessayados 2:65o 

Bens  nacionaes  ou  da  fazenda 2:5oo 

Mattas  nacionaes 17:000 

Aldeias  commissas 25o 

r>t'i:  i()3 
Em  resumo : 
Terras  pertencentes  á  fazenda  publica,  ás  corpo- 
rações de  mão  morta,  communidades,  etc 6("):iq3 

Terras  pertencentes  aos  particulares  e  livres  ....     53:407 
Florestas  (denominadas  de  3. a  classe  que  compre- 
hendem  i3:ooo  hectares),  pastagens  naturaes, 
terrenos  de  matto  rasteiro,  estradas,  caminhos 

e  rios 28:400 

400:000 


'  Por  decreto  de  14  de  setembro  de  1880,  mandou-se  proceder  a  venda  de  todos  os  pré- 
dios rústicos  e  urbanos  pertencentes  ás  corporações  a  que  esta  nota  se  refere,  exceptuando 
d'esta  desamortisação  as  residências  parochiaes  e  liortas  annexas,  os  paços  episcopaes  e  suas 
dependências  e  os  bens  immobiliarios  indispensáveis  para  o  desempenlio  dos  deveres  das  re- 
feridas corporações;  determinando-se  igualmente  que  a  desamortisação  do  convento  de  Santa 
Mónica  e  das  cercas  e  dependências  respectivas  só  se  verificaria  depois  do  fallecimento  da 
sua  ultima  religiosa. 


122  A  TXDIA 

Moral,  leis  penaes  e  civis.  —  A  moral  não  é  invenção  hu- 
mana. É  uma  planta  disposta  por  Deus  no  coração  de  to- 
dos os  homens,  e  que  firma  entre  o  céu  e  a  terra  uma 
estreita  alliança.  A  moral  éi,  pois,  de  todos  os  tempos  e  de 
todos  os  povos. 

As  difterenças  apparentes,  que  se  notam  na  moral  dos 
diversos  povos  do  globo,  são  de\idas  á  diversidade  do 
clima,  ao  caracter  particular  das  raças,  e  sobretudo  ao  re- 
gimen alimentar  e  educação. 

Conforme  os  elementos,  que  entram  na  alimentação  — 
poderoso  modificador  das  funcções  orgânicas —  assim  ella 
imprime  a  cada  individuo  tendências  physiologicas  e  psy- 
chologicas  incontestavelmente  differentes,  e  modifica  de  uma 
maneira  durável  a  organisação  vital  e  politica  de  um  povo. 
Pôde  applicar-se  a  cada  um  d"elles  este  axioma  de  Brillat 
Savarin:  al)i-c-mc  o  que  tu  comes,  dir-te-hei  o  que  tu  és». 

A  escola  brahmanica  e  posteriormente  a  de  P^-thagoras, 
admittindo  que  os  alimentos  exerciam  poderosa  influencia 
sobre  as  faculdades  intellectuaes  e  moraes,  consideravam  o 
regimen  vegetal  como  o  mais  favorável  para  o  desenvolvi- 
mento da  intelligencia,  para  a  quietação  dos  sentidos,  e  para 
a  conservação  da  vida  em  commum.  Nós  acreditamos  que 
a  alimentação  vegetal  exerce  sobre  os  costumes  dos  hindus, 
e  principalmente  dos  brahmanes,  uma  feliz  influencia. 

A  doçura  dos  costumes,  e  a  resignação  com  que  os  hindus 
softrem  qualquer  adversidade,  são  proverbiaes;  e,  particu- 
larmente, nas  classes  superiores,  é  muito  raro  ver-se  um 
individuo  possuído  de  cólera,  ou  entregar-se  ao  mais  ligeiro 
excesso,  tanto  em  suas  palavras,  como  em  suas  acções. 

A  moral  dos  hindus  tem  por  base  a  natureza  do  homem, 
considerado  como  ente  racional.  As  leis  civis  dos  brahma- 
nes estão  amalgamadas  com  as  leis  religiosas.  Como  mé- 
dicos reconhecem  uma  grande  influencia  sobre  a  moral 
exercida  pelos  alimentos,  como  já  dissemos;  e,  segundo 
elles,  as  diversas  castas  devem-se  alimentar  conforme  os 
seus   misteres   dependem   das    faculdades   intellectuaes   ou 


PORTUGUEZA  123 


das  forças  physicas.  É  assim  que  os  brahmanes,  precisando, 
como  sacerdotes,  de  maior  desenvolvimento  intellectuai,  se 
sustentam  unicamente  de  lacticinios  e  vegetaes,  e  não  fazem 
uso  de  bebidas  espirituosas. 

A  vida  diária  dos  gentios  admitte  pouca  variedade,  e 
cada  uma  das  suas  acções  está  prescripta  por  uma  lei. 

Os  puranas  contêem  as  regras  concernentes  á  maneira 
de  se  alinientarem,  e  o  tempo  em  que  devem  tomar  os  ali- 
mentos. Determinam  igualmente  os  deveres  que  os  gentios 
têem  de  observar  religiosamente,  antes  de  comer,  as  pes- 
soas que  podem  ser  admittidas  á  sua  mesa,  e  insistem  sobre- 
tudo no  modo  por  que  devem  proceder  em  qualquer  parte 
em  que  se  acharem,  e  as  precauções  que  devem  tomar 
para  não  serem  tocados  por  nenhum  objecto  impuro. 

O  arroz  forma  a  base  da  alimentação  indiana,  e  é  com- 
mum  a  todas  as  castas.  Alem  do  arroz,  os  brahmanes  sus- 
tentam-se,  como  vimos,  de  lacticinios  e  vegetaes;  os  quctrys, 
de  vegetaes  e  ainda  de  carne,  menos  a  de  vacca;  os  raixds, 
de  fructos,  lacticinios  e  peixe;  e  os  siidros,  alem  dos  ali- 
mentos concedidos  ás  castas  superiores,  comem  aves. 

Os  almoços,  tanto  dos  gentios,  como  dos  catholicos  in- 
dígenas, consistem  quasi  sempre  em  canja,  que  é  uma  de- 
cocção  espessa  de  arroz. 

O  caril  é  o  condimento  mais  usual.  As  castas,  que  de- 
vem abster-se  de  toda  a  nutrição  animal,  usam  do  caril 
feito  simplesmente  de  fructos  ou  de  legumes,  e  com  elie 
con'«em  ao  meio  dia  o  arroz  cozido  em  agua, 

A  noite  fazem  geralmente  uso  de  caldo,  um  pouco  es- 
pesso, de  farinha  de  nachinim  (dolichos  biflorus),  que  se 
denomina  ambil. 

O  leite,  a  manteiga  de  vacca  e  de  bufala,  o  assucar,  as 
hervas,  os  legumes,  os  fructos  de  todas  as  espécies  vege- 
taes, as  raizes  e  as  plantas  labiadas  formam  com  o  arroz 
f^oda  a  culinária  dos  brahmanes.  Nada  de  carne. 

E  para  que  serve  comer  carne?  dizem  os  brahmanes.  É 
o  mais  nocivo  e  repugnante  dos  alimentos.  Um  regimen  de 


124 


A   ÍNDIA 


farináceos,  de  fructas,  de  legumes,  de  ovos  e  de  leite  é  in- 
contestavelmente mais  barato,  sadio  e  saboroso.  Encon- 
tram-se  n'elle  todos  os  elementos  necessários  para  as  func- 
coes  de  nutrição.  Os  principies  alimentares  da  carne  acham- 
se  facilmente  assimiláveis  sob  a  forma  vegetal.  Este  regi- 
men pôde  e  deve  ser  adaptado  á  coijdição  individual,  aos 
trabalhos  inte'lcctivo  e  muscular,  ao  clima,  aos  recursos  do 

consumidor;  mas  é  sempre  suf- 
ficiente  e  preferível  ao  regimen 
carnívoro. 

Um  bom  cozinheiro  pôde  or- 
ganisar,  com  legumes,  hortali- 
ças, farináceos,  fructas,  leite  e 
ovos,  um  jantar  de  quatrocen- 
tos pratos  e  mais. 

Os  gentios  das  castas  supe- 
riores não  comem  com  suas  mu- 
lheres, mas  concedem  a  estas  a 
honra  de  comerem  depois  no 
potravolv  (prato)  em  que  seus 
maridos  comeram. 

Leh  hindus. — As  leis  hindus 
acham-se  conformes  coni  os 
princípios  religiosos;  comtudo 
resentem-se  do  tempo  em  que 
foram  escriptas,  muitos  séculos 
antes  do  christianismo. 

Justiça. — Nos  primeiros  tem- 
pos da  conquista  de  Goa  pelos 
portuguezes  a  justiça  nas  Velhas  Conquistas  era  administra- 
da summariamentc  por  um  auditor  das  índias,  que  acompa- 
nhava o  vice  rei  ou  governador.  Depois  estabeleceram-se 
os  ouvidores  geraes,  sendo  em  *3  de  abril  de  1544  creada 
a  relação  das  índias,  que  ainda  subsiste,  mais  ou  menos 
modificada  pelo  andar  dos  tempos  com  as  designações  de 
Junta  de  Justiça,  Tribunal  da  segunda  instancia,  e  Relação 


VAIZÁ  OU   CIRANDEIRO 


PORTUGUEZA 


125 


de  Goa.  Este  tribunal  judicial  tem  tido  um  variado  numero 
de  desembargadores,  ministros  ou  juizes.  Foi  elevado  a  dez 
o  numero  de  seus  membros,  pelo  decreto  de  17  de  fevereiro 
de  1587,  reduzido  a  cinco  por  carta  regia  de  14  de  dezem- 
bro de  1628,  acrescentado  em  seis  por  decreto  de  24  de 
fevereiro  de  1748,  e  baixou  outra  vez  a  cinco,  a  quatro  e 
três,  desde  o  1.°  de  abril  de  1778. 

D"entre  os  mencionados  desem- 
bargadores eram  escolhidos  o 
chanceller,  o  ouvidor  geral  do  ei- 
vei, o  do  crime,  o  juiz  dos  feitos, 
o  provedor-mór  dos  defuntos  e 
ausentes,  o  juiz  intendente  das 
Novas  Conquistas,  e,  finalmente, 
o  procurador  da  coroa  e  fazenda, 
com  as  variadas  attribuições  que 
os  seus  titulos  indicam  evcm  mar- 
cados no  regimento  da  relação  de 
22  de  março  de  iSqS,  e  com  juris- 
dicção  extensiva  a  todo  o  estado. 
Os  mais  membros  da  magistra- 
tura saíam  d'entre  a  classe  dos 
advogados  do  numero  da  mesma 
relação,  com  voto  approvativo  do 
desembargo  e  licenciados  por  sua 
magestade,  como  os  ouvidores  da 
cidade,  os  de  Salcete  e  Bardez,  e  ^^~ 
praças  do  Norte,  os  juizes  dos  or- 
phãos,  os  auditores  dos  corpos  do 
exercito,  os  juizes  das  alfandegas,  e  os  das  communidades. 

A  antiga  organisação  judicial  foi  alterada  pelo  decreto 
de  7  de  dezembro  de  i836,  e  este  decreto  foi  modificado 
pelo  regimento  de  justiça  de  i  de  dezembro  de  i86(3,  que 
dá  á  relação  4  juizes  effectivos  e  3  supplentes.  Actualmen- 
te a  nova  organisação  judicial  está  estabelecida  nos  termos 
do  decreto  de  14  de  novembro  de  1878. 


GOPALLA  OU  GUARDADOR  DE  GADO 


126  A   ÍNDIA 

Leis  c/;'/5.— Variam  as  leis  civis  das  Novas  e  das  Velhas 
Conquistas.  A  estas  são,  por  diíTerentes  disposições  da  me- 
trópole, applicaveis  as  leis  geraes  do  reino;  mas  aquellas 
são  regidas  pelo  chamado  Código  dos  usos  e  costumes  de 
seus  habitantes,  muito  differentes  em  certos  pontos  da  le- 
gislação do  reino,  especialmente  a  respeito  da  successão, 
e  da  consideração,  quasi  nuUa,  dada  á  mulher! 

Nota-se  um  facto  primitivo  na  origem  da  grande  familia 
hindu.  É  a  escravidão.  A  posse  do  homem  pelo  homem, 
contra  o  direito  natural,  que  todo  o  individuo  tem  á  conser- 
vação da  sua  existência  livre,  como  o  mais  sagrado  de  todos 
os  direitos,  e  que  hoje  revolta  as  nossas  idéas  de  justiça, 
tem  suas  raizes  na  desigualdade  natural  das  raças  e  dos  indi- 
víduos. Os  homens  no  principio  fizeram  pesar  sobre  os  seus 
similhantes  o  horrível  domínio,  que  os  nossos  órgãos  predo- 
minantes ás  vezes  exercem  sobre  a  nossa  própria  vontade. 

Um  hediondo  sentimento  de  orgulho  e  de  propriedade 
impelliu  os  primeiros  habitantes  da  terra  a  tornarem-se  se- 
nhores de  seus  irmãos. 

Leis  de  3/<.7»z/.  — Segundo  as  leis  de  Manú,  o  brahmane 
deve  obrigar  o  sudro,  seja  ou  não  comprado,  ao  cumpri- 
mento das  obrigações  servis;  porque  elle  foi  creado  pelo 
Ser  Eterno  (Anant)  para  o  serviço  dos  brahmanes. 

«O  sudro  forro  por  seu  senhor,  diz  Manú,  não  fica  livre 
do  estado  de  servidão ;  porque  se  este  estado  lhe  é  natural, 
quem  o  poderá  isentar  d"elle? 

«São  seis  as  dilTerentes  espécies  de  servidores,  a  saber:  i 
o  cue  foi  feito  prisioneiro  sob  uma  bandeira  no  campo  da 
batalha;  o  domestico,  que  se  sujeita  ao  serviço  de  quem  o 
sustenta;  o  servo  nascido  de  uma  escrava,  em  casa  de  seu 
senhor;  o  que  foi  comprado  ou  vendido;  o  que  passou  de 
pae  a  filho;  e  finalmente  o  feito  escravo  por  castigo,  por 
não  ter  podido  pagar  uma  multa. 

«A  mulher  casada,  o  filho  e  o  escravo  nada  podem  pos- 
suir, próprio,  segundo-  a  lei ;  tudo  o  que  adquirirem  é  pro- 
priedade d'aquelle,  de  quem  dependem. 


PORTUGUEZA 


127 


«O  brahmane  necessitado  pôde,  em  boa  consciência, 
apropriar-se  dos  bens  do  sudro,  seu  escravo,  sem  que  o 
rei  o  deva  punir,  porque  um  escravo  nada  tem  que  de 
propriedade  liie  pertença,  e  nada,  portanto,  possue  de  que 
seu  senhor  não  possa  lançar  mão. 

«O  rei,  diz  ainda  Manú,  empregue  todo  o  cuidado  em 
obrigar  os  vesias  e  sudros  ao  cumprimento  das  suas  obri- 
gações; pois  se  estes  homens  se  desviam  da  linha  dos  seus 
deveres,  são  capazes  de  destruir  o  mundo.» 

Os  gentios  possuem  uma  espécie  de  digesto  em  vinte  e 
sete  volumes;  mas  só  os  bottos  o  entendem.  O  povo  até 
ignora  a  existência  de  tal  código !  Os  preceitos  do  juiz  fun- 
dam-se  nos  costumes  e  nos  casos  julgados;  os  negócios,  que 
saem  d'essa  esphera,  decide-os  elle  a  seu  arbítrio.  No  tempo 
de  Manú  administrava-se  a  justiça  sem  apparato;  — cada  um 
advogava  a  sua  causa,  c  o  mais  acreditado  no  districto 
servia  de  juiz. 

Leis  do  processo.— Mé  1866  continuaram  os  processos 
crimes  a  ser  julgados  pelas  camarás  geraes  ou  agrarias, 
com  recurso  para  o  juiz  de  direito,  e  appellação  para  o  tri- 
bunal da  relação  de  Goa,  ex  officio  por  parte  da  justiça;  e 
os  eiveis,  nas  causas  ordinárias,  eram  julgados  por  árbitros 
nomeados  pelas  partes.  Foi  isto  algumas  vezes  feito  com 
rigor,  sendo  nomeados  os  árbitros  d'entre  os  habitantes 
das  Novas  Conquistas;  mas  ultimamente  essa  faculdade 
tinha-se  estendido  aos  habitantes  das  Abelhas  Conquistas,  e 
algumas  vezes  eram  nomeados  esses  árbitros  d'entre  os 
advogados  dos  auditórios.  D"estes  julgamentos  ou  decisões 
podiam  as  partes  recorrer  para  a  relação  do  Estado  da 
índia.  Comtudo  ás  camarás  geraes  não  competia  o  co- 
nhecimento dos  crimes  commettidos  contra  o  Estado  e 
contra  as  auctoridades  constituídas. 

^  A  forma  do  processo,  quer  nas  causas  crimes,  quer  nas 
cíveis,  estava  prescripta  no  regulamento  do  processo  de  14 
de  outubro  de  i853;  mas  todos  os  casos  omissos  se  regu- 
lavam pela  reforma  judicial  e  legislação  geral  portugueza. 


I 


128 


A  ÍNDIA 


Com  a  crcação  dos  julgados,  em  as  Novas  Conquistas, 
em  virtude  da  portaria  do  governo  geral  de  5  de  março  de 
1864,  ficou  abolida  a  jurisdicção  da  camará  geral,  no  crime, 
c  a  forma  do  processo  por  árbitros  no  eivei.  A  obrigação 
de  julgar  passou  então  para  os  juizes  de  direito,  não  se 


GENTIA  AMAMENTANDO  O  FILHO 

alterando  comtudo  o  código  dos  usos  e  costumes  dos  ha- 
bitantes das  Novas  Conquistas'. 


I  O  citado  regulamento  de  14  de  outubro  de  iS53,  que  continha  estas    |l 
e  outras  disposições,  foi  revogado  pelo  regimento  de  justiça  approvado 
por  decreto  de  i  de  dezembro  de  1866. 


Jl 


['ORTlOrEZ.V 


I2C) 


O  que  n^esta  portaria  se  ve  mais  notável  é  a  creação  de 
novos  tabelliães,  devendo  estes  fazer  em  portuguez  os  con- 
tratos, que  até  ali  eram  feitos  pelos  citlcomins  (escrivães 
judiciaes)  em  lingua  maratha'. 

Depois  que  por  decreto  de  i8  de  dezembro  de  1854  se 
pôz  em  execução,  em  todo  o  Estado  da  índia  Portugueza, 
o  código  penal,  o  decreto  de  10  de  dezembro  de  i852  e  a 
carta  de  lei  de  iS  de  agosto  de  i863,  as  penas  foram  rec^u- 
ladas,  e  os  casos  crimes  classificados  pelo  mesmo  código, 
assim  como  as  fianças. 

Porém,  pela  portaria  do  governo  geral  em  conselho,  as- 
signada  pelo  illustre  conde  de  Torres  Novas,  em  17  de  abril 
de  i856,  e  inserta  no  Boletim  do  gorerno,  n."  3o  do  mesmo 
anno,  foi  abolida  para  os  gentios  a  pena  de  degredo,  tanto 
nas\>lhas  como  nas  Novas  Conquistas;  e  substituída,  nos 
casos  em  que  tinha  logar,  pela  prisão  com  trabalho,  ou  sim- 
ples. Assim  alcançaram  elles  um  deferimento  á  sua  repre- 
sentação. 

Para  se  fazer  idéa  da  pouca  ou  quasi  nenhuma  conside- 
ração dada  á  mulher  nas  Novas  Conquistas,  podem  ver-se, 
alem  dos  artigos  i.»  e  3.°  do  respectivo  código  dos  usos  e 
costumes,  que  trancreveremos,  quando  tratarmos  do  casa- 
mento gentílico,  os  artigos  seguintes: 

«Art.  7.°  As  viuvas  entre  os  gentios,  sejam  púberes,  se- 
jam impúberes,  não  podem  casar-se;  e  quando  alguém  toma 
uma  viuva  para  fazer  com  ella  vida  de  casado  (e  chama-se 
então  mulher  do  panno),  esta  união  não  tem  etíeitos  de  ma- 
trimonio, nem  os  filhos  d'ahi  nascidos  podem  ser  reputa- 
dos legítimos  para  qualquer  efféito  civil  ou  religioso.» 


•  Esta  disposição  foi  substituída  pelo  artigo  S5°  do  mesmo  regimento, 
que  estatuiu  que  os  tabelliães  dos  julgados  das  Novas  Conquistas  es- 
crevam na  lingua  portugueza  os  actos  próprios  do  seu  officio,  dando 
na  mesma  lingua  ou  na  maratha  os  respectivos  traslados,  segundo  lhes 
for  exigido;  ficando  em  tudo  o  mais  a  referida  portaria  alterada  pelo 
alludido  regimento  de  justiça. 


9 


1 

f 

i3o  A  índia  I 

^ 

Dos  direitos  e  obrigações  entre  os  cônjuges. — «Artigo  8.° 

Em  regra  tudo  quanto  a  mulher  leva  para  casa  do  seu  ma-  ^ 

rido,  ao  tempo  do  seu  casamento,  ou  depois  vem  a  adqui-  ' 
rir,  pertence  ao  mesmo  marido». 

« Art.  IO."  A  administração  do  marido  é  ampla  e  exclusiva,  i 

e  não   é  necessário   concurso   da  mulher  para  quaesquer  ; 

actos  ou  contratos,  ainda  que  versem  sobre  bens  de  raiz.»  j 

«Art.  17.°  Um  marido   pôde  requerer   a   dissolução   do  I 

matrimonio  unicamente  no  caso  de  adultério  da  mulher.»  \ 

«Art.  19.°  ^^erificada  a  dissolução,  a  mulher  é  expulsa.  I 

Reputa-se  como  morta  para  a  família  do  marido,  e  perde  | 

a  favor  doeste  tudo  quanto  trouxe  da  casa  de  seus  pães,  \ 

ou  por  qualquer  outra  via  adquiriu,  não  tendo  direito  a  j 

pedir  alimentos.»  | 

Dos  alimentos. — «Art.  67.°  Uma  mulher  casada,   como 

já  faz  parte  da  familia  do  marido,  torna-se  estranha  á  de  ' 
seus  pães,  e  por  conseguinte  não  tem  direito  a  pedir  ali- 
mentos aos  parentes  paternos.» 

Da  successão  e  partilhas. — «Art.   q7.°    As   fêmeas   não 

têem  direito  á  successão,  mas  unicamente  aos  alimentos;  e  j 

as  viuvas,  na  deficiência  de  herdeiros,  têem  durante  a  sua  ! 

vida  usufructo  dos  bens,  os  quaes,  por  falta  de  successão,  j 
devolvem  ao  fisco.» 

A  índia,  tendo  em  tempos  remotos  caminhado  na  dian- 
teira da  civilisação,  deixou  depois  outras  nações  tomarem- 
Ihe  o  passo.  Aqui  vemos  ainda  a  mulher  gentia  submersa 
n*'uma  tal  inferioridade  social,  que  apenas  é  tida  como  um 

instrumento  de  prazer,  um  agente  material  da  procreação.  \. 

N''este  paiz  as  relações  dos  sexos  estão  ainda  taes  quaes  as  : 

exigiam  as  primeiras  precauções.  A  polygamia,  que  outr^ora  |; 

foi  uma  garantia  de  multiplicação,  não  passa  hoje  de  um  j 

aperfeiçoamento  de  sensualidade  para  o  homem  e  de  um  \\ 

requinte  de  escravidão  para  a  mulher.  'i 

Oxalá  que  sejam  em  breve  extensivas  aos  habitantes  das  jJ 

Novas  Conquistas  as  leis  suaves  e  humanitárias,  que  regem  'i 

os  povos  do  continente  da  monarchia.  E  não  pedimos  muito,  :  j 


PORTUGUEZA  l3l 


porque  na  matéria  do  artigo  107.°  da  prescripção  já  está 
determinado  que  regulem  as  leis  portuguezas. 

O  artigo  a  que  nos  referimos  reza  assim: 

«Art.  107.°  Na  matéria  das  prescripções,  e  benefícios  da 
restituição  se  observará  em  tudo  o  direito  portuguez.» 

Para  dizer  verdade  inteira  e  francamente,  como  nos 
cumpre,  vemos  que  os  gentios  das  Novas  Conquistas  não 
estão  menos  aptos  para  receber  essas  leis,  e  gosar  no  seio 
de  suas  famílias  da  sua  influencia  civilisadora,  do  que  es- 
tavam os  das  Velhas  Conquistas,  quando  lhes  foram  outor- 
gadas. A  mulher  ali,  pelo  estado  de  degradação  social  a 
que  está  condemnada,  jamais  poderá  comprehender  o  gran- 
de papel  que  a  natureza  lhe  destinou  sobre  a  terra.  Mas 
quando  se  realisar  a  salutar  medida,  que  deixamos  indica- 
da; quando  pelo  poderoso  influxo  das  nossas  leis  a  mulher 
gentia  sentir  moderados  os  rigores  do  seu  tristíssimo  e  do- 
loroso captiveiro,  temperado  pela  doçura  dos  sentimentos 
humanitários,  então  verá  irradiar  puríssima  e  formosa,  por 
entre  as  horrorosas  e  densas  trevas  da  ignorância,  dos 
preconceitos  e  das  cruéis  superstições  que  a  subjugam  e 
tyrannisam,  a  luz  da  verdadeira  civilisação. 

Então,  avaliando  e  comprehendendo  esses  sublimes  e 
immutaveis  princípios,  inoculados  por  Deus  no  coração  hu- 
mano, se  não  poder  ser  ainda  coUocada  a  toda  a  altura  da 
sua  dignidade,  ao  menos  avançará  o  primeiro  passo  na 
senda  da  sua  emancipação  social  e  gosará  as  doçuras  da 
vida  familiar  e  as  honras  tão  suas  de  uma  gloriosa  mater- 
nidade. 

Prouvera  a  Deus  que  os  homens  de  todas  as  crenças, 
de  todas  as  civilisações  e  de  todas  as  latitudes  do  globo 
se  compenetrassem  profundamente  das  incalculáveis  vanía- 
gens  que  proviriam  á  humanidade  pela  regeneração  da  mu- 
lher. 

Essa  regeneração,  cuja  realidade  se  conseguiria  por  meio 
de  uma  educação  esmeradamente  esclarecida  e  adequada  á 
alta  missão  commettida  pelo  Creador  á  primeira  educadora 


,32  A   ÍNDIA 

do  género  humano,  a  mulher,  e  pelo  despedaçar  dos  ferros, 
que  o  orgulho  do  homem  lhe  forjou  ao  crear  leis  iniqua- 
mente  egoístas,  importaria  nada  menos  que  a  regeneração 
da  humanidade. 

Mas  emquanto  não  podemos  chegar  tão  longe,  esforce- 
mo-nos  deveras  para  que  a  mais  bella  e  interessante  me- 
tade dos  habitantes  das  Novas  Conquistas  attinja  a  consi- 
deração que  merece  aos  olhos  da  civilisação  portugueza'. 

Para  completar  a  coUecção  dos  desenho  relativos  a  Pan- 
gim,  apresentamos  n'este  capitulo  o  desenho  do  palácio  do 
sr.  conde  de  Nova  Goa,  situado  a  montante  da  ponte  de 
Minerva,  no  Campal  de  D.  Manuel,  e  que  servia  de  resi- 
dência ao  sr.  arcebispo  primaz,  D.  João  Chrysostomo  de 
Amorim  Pessoa,  quando  o  desenhámos  em  1866. 


I  O  decreto  de  18  de  novembro  de  1869,  fazendo  extensivas  ás  pro- 
víncias ultramarinas  as  disposições  do  código  civil,  resalvou  no  Estado 
da  índia  (artigo  8.0  §1.0)  os  usos  e  costumes  das  Novas  Conquistas  j* 
colligidos  no  respectivo  código  de  14  de  outubro  de  i853,  no  que  se 
não  oppozesse  á  moral  ou  á  ordem  publica. 

i:ma  commissão  nomeada,  por  eífeito  da  regia  portaria  de  3i  de 
maio  de  1878,  para  propor  um  conjuncto  de  providencias  tendentes  a  ^ 
promover  a  prosperidade  d"aquellas  possessões,  entendendo  que  o  ai-  U 
ludido  código  carecia  de  ser  revisto,  para  manter  só  o  que  se  devesse  ;. 
considerar  resalvado,  e  excluir-se  o  que  se  oppozesse  á  moral  ou  á  I 
ordem  publica,  e  ainda  o  que  tivesse  caducado  em  consequência  da  ; 
nova  lei  civil  ou  podesse  supprimir-se  sem  inconveniente,  procedeu  |. 
effectivamente  a  essa  revisão,  e  em  resultado  d'ella  offereceu  á  consi-  : 
deração  do  governo  uma  proposta,  restringindo  a  manutenção  dos  usos 
e  costumes  "das  Novas  Conquistas  aos  que,  por  serem  estrictamente 
connexos  com  os  ritos  e  organisação  familiar  dos  hindus,  nem  convinha  1 
abolir  completamente  desde  logo,  nem  modificar  mais  do  que  as  cren-  1 
ças  e  hábitos  d'elles  o  permittissem.  1 

Esta  proposta  foi  convertida  no  decreto  de  16  de  dezembro  de  1880,  j 
que  trata  não  só  da  successão  e  da  consideração  devida  á  mulher  i 
hindu  gentia,  mas  também  de  outros  assumptos  que  alteram  profunda-  ■ 
mente  o  modo  de  ser  da  vida  dos  hindus  gentios  das  Novas  Conquistas, 
cujos  usos  e  costumes  especiaes  e  privativos  se  regiam  pelo  citado  có- 
digo de  14  de  outubro  de  i853. 


PORTUGL'KZA 


i33 


Temos  transcripto  n'este  livro  diversos  artigos  das  leis 
de  Manú,  primeiro  legislador  da  índia,  filho  deVirady  e 
neto  de  Brahmá,  vertidos  em  portuguez  do  original  fran- 
cez  — Les  livres  sacrés  de  rOrient,  de  mr.  G.  Pauthier — 
por  José  de  Vasconcellos   Guedes  de  Carvalho,  bacharel 


VISCONDE  DE  RIBA  TÂMEGA 


formado  em  direito  pela  universidade  de  Coimbra,  e  juiz 
da  relação  do  Estado  da  índia,  publicado  em  Nova  Goa 
em  1859. 

As  leis  de  Manú  dividem-se  em  doze  livros,  contendo  as 
seguintes  matérias:  i.°,  da  creação  do  mundo;  2.°,  dos  sa- 
cramentos e  do  noviciado;  3.°,  do  casamento  e  deveres  do 
chefe  de  familia;  4.°,  dos  meios  de  subsistência  e  preceitos; 


i34  A  índia 

5.°,  das  regras  da  abstinência,  e  puriticaalo  das  muliíe- 
res;  6.°,  dos  deveres  do  joguy  ou  anachoreta  e  devoto  as- 
cético; 7.°,  do  comportamento  dos  reis  e  da  classe  militar; 
8."  e  9.",  do  officio  dos  juizes,  deveres  da  classe  commer- 
cial  e  servil,  leis  civis  e  criminaes;  10.",  das  castas  mestiças; 
1 1.°  das  penitencias  e  expiações;  e,  emhm,  o  12.°,  que  trata 
da  transmigração  das  almas  e  beatitude  final. 

Foram  os  8.°  e  q.°  livros  que  o  ex."°  sr.  José  de  ^'ascon- 
cellos,  primeiro  barão  e  primeiro  visconde  de  Riba  Tâmega, 
traduziu  com  o  fim  não  só  de  divulgar  o  conhecimento  das 
leis  primitivas  do  povo  hindu,  entre  o  qual  s.  ex.''  habitou 
alguns  annos,  mas  principalmente  para  o  producto  da  pu- 
blicação, que  foi  importante,  ser  applicado  em  beneficio  das 
famílias  que  soffrerani  perdas  irreparáveis  com  o  tiagello 
da  febre  amarella,  que  em  1837  grassou  na  capital  do  nosso 
reino,  e  por  cuja  philanthropica  dedicação  foi  s.  ex.-''  louvado 
oficialmente  em  portaria  do  ministério  da  marinha  e  ultra- 
mar de  28  de  setembro  de  i85c),  e  obteve  da  camará  mu- 
nicipal de  Lisboa  a  medalha  de  serviços  relevantes,  com 
que  o  município  condecorou  aquelles  que  mais  se  haviam 
distinguido  por  occasiao  d^aquella  terrível  epidemia. 

O  sr.  visconde  de  Riba  Tâmega,  de  quem  damos  aqui  o 
retrato,  actualmente  juiz  do  supremo  tribunal  de  justiça,  é 
um  dos  membros  da  magistratura  judicial  que  mais  a  tem 
honrado  pelo  seu  procedimento  de  homem  publico  e  de  ho- 
mem particular. 

Despachado  em  iS  de  dezembro  de  i852  juiz  de  direito 
para  a  comarca  de  Bardez,  e  depois  para  a  das  ilhas  de 
Goa,  foi  em  14  de  abril  de  1837  promovido  ao  logar  de  juiz 
da  Relação  do  Estado  da  índia,  onde  completou  nove  an- 
nos de  serviço,  que  exerceu  sempre  com  distincção  e  inte- 
gridade. 

Durante  a  sua  residência  na  índia  portugueza  desempe- 
nhou differentes  commissões  de  serviço  publico,  occupando 
o  logar  de  vogal  do  conselho  do  governo.  N'esta  qualidade 
e  servindo  de  presidente  da  Relação,  recitou  'na  solemnida- 


PORTUGUEZA  1 JD 


de  da  acclamação  de  el-rei  D.  Pedro  V,  na  sé  primacial 
de  Goa,  no  dia  3  de  dezembro  de  i855)  um  importante  dis- 
curso, onde  notou  diversos  pontos  a  corrigir  na  publica 
administração. 

Espirito  generoso,  e  dedicado  ás  idéas  liberaes,  os  dese- 
jos que  então  o  animavam,  e  a  opinião  que  sustentou,  pa- 
recendo a  todos  n''essa  occasião  a  maior  das  utopias,  deu  cm 
breves  annos  a  s.  ex.-''  a  satisfação  de  reconhecer  a  sua 
previdência,  e  de  ver  as  suas  utopias  traduzidas  em  factos. 

O  plano  do  nosso  livro  não  nos  permitte  explanações 
biographicas,  por  isso  remettemos  o  leitor  para  o  Correio 
da  Europa,  publicado  em  Lisboa  no  i.°  de  março  de  1881, 
aonde  achará  ampla  noticia  sobre  as  qualidades  moraes  que 
distinguem  o  nobre  caracter  de  s.  ex.^,  e  que  são  as  de  um 
verdadeiro  homem  de  bem. 

Ainda  pelo  motivo  acima  exposto,  não  podemos,  como 
muito  desejávamos,  mencionar  aqui  os  relevantes  serviços 
prestados  na  índia  pelos  digníssimos  magistrados  judiciaes, 
com  quem  tivemos  a  honra  de  conviver  em  Goa  e  de  quem 
fomos  sincero  amigo,  os  ex.™*  conselheiros  João  Maria  de 
Sequeira  Pinto,  Augusto  Henriques  Ribeiro  de  (Carvalho, 
actualmente  vogal  da  junta  consultiva  do  ultramar  e  juiz 
do  supremo  tribunal  de  justiça,  João  Caetano  da  Silva 
Campos,  Thomaz  Nunes  da  Serra  e  Moura  (de  quem  falla- 
remos  quando  tratarmos  dos  arrendamentos  de  Satar}}, 
Manuel  de  Carvalho  e  Vasconcellos,  António  Faustino 
dos  Santos  Crespo,  João  Ferreira  Pinto,  Luiz  Adriano 
de  Magalhães  e  Menezes  de  Lencastre,  par  do  reino  e  juiz 
presidente  do  tribunal  do  commercio,  Luiz  Augusto  de 
Mancellos  Ferraz,  e  José  Ignacio  de  Abranches  Garcia, 
actual  presidente  da  Relação  de  Lisboa,  que  publicou  na 
índia  o  Archiro  da  Relação  de  Goa,  contendo  vários  docu- 
mentos dos  séculos  xvii,  xviii  e  xix  até  á  organisação  da 
nova  Relação  pelo  decreto  de  7  de  dezembro  de  i836 — tra- 
balho de  grande  valor,  porque  subtrahiu  á  destruição  do 
tempo   importantíssimos    subsídios    históricos,    que    ainda 


i3()  A  índia 

restam,  e  estão  eloquentemente  attestando  os  actos  e  as 
decisões  d^essa  longa  seria  de  julgadores,  que  desde  o  prin- 
cipio da  conquista  até  os  nossos  dias  acompanharam  sem- 
pre com  suas  luzes  e  pareceres,  tanto  na  mesa  da  Relação, 
como  no  conselho  do  despacho,  o  governo  do  Estado  da 
índia. 

A  cidade  de  Pangim,  conforme  o  recenceamento  geral 
da  população,  feito  em  17  de  fevereiro  de  1881,  tem  i:i85 
fogos  e  8:478  habitantes,  sendo  494  europeus,  5;43i  chris- 
tãos  e  3:047  não  christãos,  e  varias  typographias  onde  se 
publicam  os  seguintes  jornaes  políticos  e  litterarios: 

Álbum  littcrario— Boletim  do  governo  do  Estado  da  ín- 
dia— .4  Civil isação — O  Correio  de  Goa — O  Correio  da 
índia — .4  Crii\ — Echo  popular — A  Ga-eta  de  Goa — A  Im- 
prensa— Instituto  de  Vasco  da  Gama  — Jornal  das  Novas 
Conquistas — Jornal  da  pharmacia,  chimica  e  historia  natu- 
ral medica— Nova  Goa — A  Verdade. 


i 


CAPITULO  IV 


Uma  excursão  a  Neurá  —  Salinas  —  convento  do  Pilar — Frades  capu- 
chinhos—  Agricultura  indiana — Communidades  agricolas—  Igreja  de 
Mandur  —  Cruz  dos  Milagres — Pelourinho  novo  —  Igreja  de  S.  Cae- 
tano—  Porta  de  Nossa  Senhora  da  Serra  —  D.Vasco  da  Gama^ 
Ruinas  do  convento  de  S.  Domingos — Igreja  de  S.  Thomé  —  Rui- 
nas  do  convento  do  Carmo  —  Ruinas  do  collegio  de  S.  Paulo  —  Ca- 
pella  e  poço  de  S.  Francisco  Xavier  — Castello  de  Benastary— Bom- 
barda—  Igreja  de  Santa  Luzia — Convento  da  Madre  de  Deus  — 
Porta  de  S.  Braz — Ilha  de  Combarjua  —  Ambó  ou  Mangueira^ Casa 
da  administração  —Coqueiro — Palmar — Palmeira á sura — Zantró  — 
Ganicará — Pagodes  de  Marcella — Arrozaes  —  Zandoló  —  Convento 
de  Nossa  Senhora  do  Cabo  —  Praia  de  Carazalem — Forte  de  Gas- 
par Dias — Forte  dos  Reis  Magos  —  Praça  de  Aguada  —  Igreja  de  S. 
Lourenço — Praça  de  Mormugão  —  Porta  do  Campo  de  Mormugão — • 
Barra  de  Mormugão. 


uando    davam   sete  horas   do 
dia  29  de  janeiro  de  i863  par- 
timos de  Nova  Goa,  na  com- 
panhia   do    administrador   do 
concelho  das  Ilhas  em  direc- 
ção  á  aldeia  de  Neurá,  com 
o  fim  de  examinarmos  uns  ter- 
renos do  esteiro  de  Cantrá  re- 
centemente   aforados,    sobre 
que  havia  denuncias  e  recla- 
mações por  parte  dos  habitan- 
tes desta  povoação. 
Atravessámos  os  campos,  que  se  estendem  entre  Pangim 
e  as  Mercês,  limitados  a  leste  pela  alagoa  de  Maromb3'-o- 
Pequeno.  Esta  alagoa  serve  durante  a  quadra  estival  de  re- 
servatório de  agua  com  que  se  alimenta  a  cultura  do  arroz 


,3S  -■^  índia 

de  vangana,  e  de  viveiro  a  centenares  de  patos,  que  ali  se 
criam  e  nutrem  até  ao  mez  de  maio,  em  que  íica  inteira- 
mente sêcca-,  sendo  então  lavrada  e  semeada  de  arroz  se- 
rôdio, que  as  aguas  da  quadra  pluviosa  criam  e  desenvol- 
vem. 

Depois  de  passar  a  alagoa,  começámos  a  subir  o  outeiro 
de  Morda,  cujo  plan"alto  é  formado  de  rocha  lateritica  e  in- 
teiramente desarborisado. 

Transposto  o  outeiro,  encontrámos  na  base  oriental,  onde 
começam  os  campos  de  Batim,  o  bairro  dos  pescadores  e 
piladeiras  de  arroz  da  freguezia  de  Curca,  que  conta  58o 
habitantes.  Em  seguida  atravessámos  em  duas  pequenas 
canoas  ligadas  uma  á  outra,  o  esteiro  de  Juary.  A  maior 
parte  dos  campos  de  Batim  estão  reduzidos  a  marinhas  de 
sal,  sendo  estas  consideradas  as  mais  importantes  das  Ilhas, 
quer  pela  extensão,  quer  pela  quantidade  e  qualidade  do  sal 
que  produzem. 

O  sal,  mithá,  é  um  dos  productos  agrícolas  mais  impor- 
tantes do  Estado  da  índia.  Segundo  os  dados  officiaes, 
existem  na  índia  portugueza  499  salinas,  mi íhã-a goros,  nas 
quaes  se  empregam  mais  de  2:000  indígenas.  A  producção 
ordinária  d"estas  salinas  attinge  annualmente  3oo:ooo  can- 
ais de  mão,  ou  47.886:000  litros. 

0  preço  médio  do  sal  é  de  20  xeratins  ou  francos,  por 
cumbo,  e  de  3o  a  60  o  sal  produzido  nas  A'elhas  Conquis- 
tas. A  maior  parte  d"este  sal  é  exportado  por  mar  e  por 
terra  para  a  índia  ingleza. 

Dos  nove  concelhos  em  que  está  dividido  o  território  de 
Goa,  só  quatro  produzem  sal,  e  são  os  concelhos  das  Ilhas, 
Bardez,  Salcete  e  Pernem. 

As  ilhas  contam  170  salinas  ou  marinhas;,  Bardez,  73-, 
Salcete,  234,  e  Pernem,  22'. 

1  A  tiscalisação  das  rendas  do  sal  e  abkari  é  regulada  actualmente 
pelo  tratado  anglo-portuguez  de  26  de  dezembro  de  1878,  que  foi  con-    j 
firmado  pelo  decreto  de  2  de  agosto  de  1882.  \ 


PORTLGUEZA 


'39 

Havendo  passado  á  direita  da  capella  de  Santo  António, 
c  atravessando  uma  das  principaes  ruas  de  Goa  l  'elha,  pri- 
mitiva cidade  gentilica,  hoje  aldeia  de  2:oo5  habitantes,  de 
fundação  anterior  á  Velha  cidade  de  Goa,  ou  do  Hidal-Kan, 
começámos  a  subir  a  pé  o  outeiro,  em  que  assenta  a  igrejJ 
e  convento  da  .Aladre  de  Deus  do  Pilar,  situado  num  dos 
pontos  mais  pittorescos  da  ilha  Tissuary,  e  fundado  pelo 
arcebispo  D.  Chrystovao  Lopes,  que  lhe' lançou  a  primeira 
pedra  no  dia  17  de  julho  de  161 3. 

Como  víssemos  aberta  a  porta  da  igreja  entrámos,  e 
passámos  ao  convento.  Aqui  se  nos  depararam  quatro  fra- 
des e  um  leigo,  vestidos  com  os  hábitos  roxos  da  ordem 
dos  capuchinhos,  a  que  pertenceram  antes  da  extinccao  dos 
conventos  de  Goa  em  i835.  Estes  frades,  depois  de  extin- 
ctas  as  ordens  religiosas,  pediram  e  obtiveram  licença  do 
governo  para  os  deixar  viver  naquelle  retirado  convento, 
até  que  Deus  fosse  servido  chamal-os  á  sua  divina  pre- 
sença. 

O  primeiro  que  nos  appareceu,  foi  o  leigo,  e  conduziu- 
nos  a  uma  grande  sala,  onde  se  achavam  os  quatro  frades 
sentados  a  uma  mesa  rectangular.  Um  d"elles  escrevia,  e 
os  outros  tinham  livros  diante  de  si  em  que  estavam  lendo 
attentamente.  Logo  que  nos  approximámos  d"elles,  pozeram 
de  parte  o  trabalho,  levantaram-se,  e  comprimentaram-nos 
com  atíltbilidade  e  cortezia  monástica. 

Feitos  os  comprimentos,  pedimos  licença  para  ver  o  con- 
vento, ao  que  de  bom  grado  accederam,  dignando-se  o 
mais  idoso  e  graduado  mostrar-nos  o  que  desejávamos  ver, 
e  instruir-nos  acerca  da  fundação  do  comento,  e  da  vida 
que  estes  cinco  homens  ali  passavam. 

«O  nosso  viver  n"este  retiro,  disse-nos  o  nosso  infor- 
mador, continuou  sempre,  como  era  antes  da  extincção 
das  ordens  monásticas.  Depois  dos  nossos  exercícios  reli- 
giosos occupámos  o  resto  do  dia  em  estudar  agricultura 
theorica,  visto  não  podermos  exercel-a  praticamente  como 
outrora  fazíamos,  porque  já  nos  não  pertencem  esses  ex- 


140 


A  TNDIA 


tensos  palmares  que  se  avistam  d'esta  janella,  e  que  os  | 
frades  crearam  e  desenvolveram  em  roda  dos  com^entos  | 
que  fundaram!  Permittam-me  que  lhes  diga,  que  foi  um  j 
grande  erro  politico  a  extincção  das  ordens  religiosas  nos  j 
domínios  do  Ultramar.  Quem  fez  essa  enorme  cidade  de  j 
Goa,  que  para  ali  se  vê  inteiramente  abandonada?  Foram  1 
os  frades,  e  frades  e  missionários  foram  também  os  que  mo- 
ralisaram  e  converteram  ao  christianismo  estes  povos,  os  l 
que  lhes  ensinaram  artes  e  officios,  e  os  que  dirigiram  a  : 
construcção  de  todas  essas  fortalezas  e  praças  de  guerra,  \ 
que  se  encontram  por  todo  o  Oriente  com  o  brazão  dos  ] 
reis  de  Portugal. 

«Nós,  os  frades,  preferimos  sempre  a  agricultura,  como 
entretenimento  e  recreação  aprazível,  a  qualquer  outro  tra- 
balho manual  ou  industria,  por  ser  a  mais  antiga  das  ar- 
tes sociaes.  A  agricultura,  como  sabem,  tem  direito  a  as- 
pirar a  uma  origem  coeva  da  creação  do  mundo,  pois  que  ] 
ella  começou  a  ser  exercida  no  bíblico  paraizo  terreal,  ■. 
quando  o  primeiro  homem  possuia  ainda  o  thesouro  da  \ 
sua  primitiva  innocencia.  O  Omnipotente,  coUocando  o  \ 
homem  n'este  delicioso  jardim  com  o  preceito  de  o  culti-  i 
var  e  guardar,  não  lhe  impoz  um  encargo  de  penoso  traba- 
lho-, pelo  contrario,  proporcionou-lhe  occupação  plácida,  e,  l 
ao  mesmo  tempo,  deleitoso  recreio  e  occasião  de  admirar,  j 
nas  producções  da  terra,  a  sabedoria  e  illimitada  liberali-  j 
dade  do  seu  auctor. 

«Quando,  porém,  o  peccado  de  Adão  veiu  perturbar  esta 
ordem  admirável,  e  que,  alem  dos  males  trazidos  á  alma, 
condemnou  o  homem  a  comer  o  pão  com  o  suor  do  seu 
rosto,  o  Todo  Poderoso  transformou-lhe  o  entretenimento  e 
recreação  aprazível  em  severo  castigo,  sujeitando-o  a  uma 
serie  de  trabalhos,  que  não  lhe  teriam  cabido  em  sorte,  se 
elle  tivesse  porventura  permanecido  estranho  ao  mal  mo- 
ral. A  terra,  como  que  conspirando-se  também  contra  elle, 
em  castigo  da  sua  própria  rebellião  contra  Deus,  produzia 
espinhos  e  abrolhos  \  de  modo  que  exigia  vigorosos  esforços, 


PORTLGUHZA 


141 


para  que  o  homem  lhe  restaurasse  a  fertilidade,  e  tirasse 
d"ella  o  tributo  de  suas  producções,  de  que  a  ingratidão  o 
tornara  indigno.  Mas  não  obstante  a  dificuldade  da  sua 
pratica,  a  agricultura  tornou-se  desde  logo  eminentemente 
vantajosa  e  indipensavel  aos  homens,  e  o  principal  e  mais 
seguro  sustentáculo  da  faniilia  humana. 

«Os  senhores  desculpam  por 
certo  que  eu  lhes  tome  assim  o 
tempo  com  estes  desabafos  de 
solitário,  mas  quem  vive  isolado 
como  nós,  se  um  dia  tem  a  ven- 
tura de  encontrar  pessoas  que 
o  attendam,  chega  a  tornar-se 
enfadonho. 

—  Não,  senhor;  a  sua  conver- 
sação interessa-nos  demasiado 
para  que  enfade. 

—  Pois  então  conversemos  so- 
bre a  nossa  agricultura  indiana. 

«Assim  como  os  povos  nó- 
madas se  aggregaram  em  so- 
ciedades, para  mutuamente  se 
auxiliarem,  e  hoje  essas  socie- 
dades se  chamam  nações;  do 
mesmo  modo  os  primeiros  habi- 
tantes d"esta  parte  do  Concão 
que  constitue  o  Estado  da  hi- 
dia  portugueza,  se  congregaram 
em  diversas  sociedades,  até  certo  ponto  independentes  umas 
das  outras,  designadas  Gaumponas  ou  communidades  agrí- 
colas, com  o  fim  de  disporem  o  terreno  de  maneira  a 
fornecer-lhes  mais  abundante  subsistência,  e  com  menos  es- 
forços do  que  teriam  de  empregar  no  Ganará,  d"onde  eram 
oriundos. 

«Segundo  a  tradição,  estes  agricultores,  como  não  pos- 
suíssem no  solo  da  pátria  boas  terras  para  agricultar,  vie- 


^yr 


^n 


PILADEIRA   DE  CLRCA 


142 


A   ÍNDIA 


ram  attrahidos  pela  belleza  c  fcracidade  do  terreno  do 
Concão,  empregar  n"elle  a  sua  actividade,  e,  como  refere 
um  antigo  adagio  d'estes  povos:  in'ea^ear-se  nas  frescas 
sombras  de  Goe-moat  (Goa,  que  signitica  terra  fresca  c 
fértil)  e  gosar  da  doçura  do  seu  bétel». 

«Da  maneira  como  primeiramente  se  organisaram  as  com- 
munidades   agrícolas   de   Goa,  nada  sabemos.   A  uma  tal 
distancia,  os  indivíduos  confundem-se  nas  famílias,  as  fa-    j 
milias  nas  raças,  as  raças  na  nação,  e  a  nação  nos  princí- 
pios da  humanidade. 

«O  que  sabemos  é  que  os  primeiros  povoadores  de  Goa, 
ou  pelo  menos  aquelles  de  que  temos  memoria,  se  dividiram 
em  famílias  chamadas  rangeres,  e  que  estes  vangôres  fo- 
ram classificados  conforme  a  importância  dos  elementos  de 
producção  por  elles  prestados  a  favor  da  communidade, 
em  1°,  2"  e  3°  vangôr,  e  assim  por  diante. 

«Depois  dividiram  o  território  em  málos  ou  províncias, 
gãos  ou  aldeias;  e  um  certo  numero  de  vangôres  formaram 
uma  gaumpona  ou  communidade.  As  aldeias,  ou  novas  so- 
ciedades agrícolas,  tinham  o  seu  regimen  especial  interno, 
e  achavam-se  ao  mesmo  tempo  confederadas,  sendo  cada 
uma  d'ellas  representada  por  um  vangôr  nas  deliberações  de 
commum  interesse,  que  era  discutido  n'um  corpo  central 
chamado  Gaumpón  ou  camará  agraria,  que  demorava  na 
capital  da  província,  e  onde  se  reuniam,  e  ainda  hoje  reú- 
nem os  principaes  gãocares,  representantes  de  cada  aldeia. 
Cada  vangôr  tinha  e  ainda  tem  um  voto  nas  deliberações 
da  camará  agraria  ou  geral. 

«As  gãocarias,  ou  communidades  das  aldeias,  dividiram- 
se  em  vaddós  ou  bairros-,  e  os  terrenos  de  cada  vaddó,  em 
solo  de  prímeira  e  segunda  qualidade.  Das  terras  de  pri- 
meira qualidade  —terras  próprias  para  os  arrozaes—  des- 
tinaram uma  parte  para  o  seu  producto  ser  applicado  ao 
culto  religioso  e  manutenção  da  administração;  outra,  maior, 
foi  reservada  para  conservação  e  progresso  da  sociedade;  e 
finalmente,  a  terceira  com  a  designação  de  nellis  e  namoxins, 


PORTUGUEZA  ]_.3 


foi  destinada  para  sustentação  dos  servidores  da  communi- 
dade. 

«As  terras  de  segunda  qualidade  ou  moradas,  terras  des- 
tinadas   á    cultura    dos    coqueiros    (côciis   nucifera),    man- 
gueiras  (mangifcra   indica),   cajueiros   (auacardiíim),   are- 
queiras  (areca  catechi),  e  outras  arvores  fructiferas;  para 
o  culti\o  do  nachinim  (dolichos  bi/Ionisj,  urida  íphaseolus 
max),  pacol  ípauicum  ctaliciim),  tor}-  ícajamis  indicusj,  cu- 
lita  (dolichos  iiniflonis,,  tamarindeiro  (tamarindus  indicaj, 
etc,  foram  igualmente  divididos  em  três  partes.  Uma  com 
o  íim  de  ser  o  seu  rendimento  applicado  á  construcçíío  e 
conservação  dos  pagodes,  e,  mais  tarde,  dos  templos  chris 
tãos  nas  \'elhas  Conquistas,  e  á  sustentação  dos  indivíduos 
encarregados  do  culto;  outra  parte  á  construcção  e  con- 
servação das  estradas  publicas;  e,  finalmente,  a  terceira, 
subdiviram-na  em  aforamentos :  uns  com  o  foro  de  cotubaua 
ou  permanente;  outros,  com  o  foro  de  seristó  ou  da  conta- 
gen-i  das  arvores  fructiferas;  e  os  terceiros  com  o  foro  de 
alndração,  ou  avaliação  annual  dos  productos  do  nachinim, 
culita,  pacôl  e  outros  cereaes  e  legumes. 

«Feita  a  divisão  das  terras  de  cada  communidade,  os  gão- 
cares  ou  senhores  d"ellas  ajustaram  cultivadores  denomina- 
dos cidacharins  e  jonoeiros,  para  as  cultivarem,  e  diversos 
servidores  artífices,  para  exercerem  os  differentes  mesteres 
agrícolas  e  domésticos. 

«Estes  cultivadores  e  artitices  pertencem  ás  castas  infe- 
riores da  sociedade  hindu. 

«Os  primeiros  gãocares  tiveram  de  indagar  os  meios  ad- 
quados  a  progredir  com  mais  vantagem.  Estas  indagações 
fizeram,  naturalmente,  inventar  diversas  industrias,  condu- 
centes á  construcção  dos  instrumentos  precisos  para  os 
usos  da  agricultura.  Por  seu  turno,  as  industrias  produzi- 
ram o  commercio,  e  o  commercio  multiplicou  os  diversos 
interesses  dos  membros  da  communidade.  Os  mesmos  gão- 
cares crearamjo/zos  efateosins,  tangas,  arequeiras  e  meigas, 
que  são  espécies  de  acç(5es,  cujo  numero  é  inalterável.  Es- 


A  índia 


144  A  ÍNDIA 

tas  rendas  variam,  segundo  os  primitivos  estatutos.  Esta- 
beleceram impostos,  contribuições,  exclusivos,  e  fizeram  a 
tombação  das  propriedades.  Similhantemente  estabeleceram 
entre  si  o  mandavolf,  ou  regras  fixas  para  o  cultivo  das 
terras  em  commum,  e  das  particulares-,  crearam  a  policia 
rural,  a  vigia  das  várzeas  e  palmares,  e,  finalmente,  funda-  ii 
ram  a  instrucção  publica,  e  as  funcções  dos  colonos  e  dos  \ 
servidores.  Estes  variados  assumptos  careciam  todos  de 
ser  regulados-,  e  d'este  modo  a  agricultura  occasionou  a 
promulgação  de  grande  numero  de  leis  peculiares  sobre  a 
gerência  económica  de  cada  uma  das  communidades  em 
especial,  assim  como  de  todas  as  aldeias  em  geral,  no  que 
dizia  respeito  á  administração  criminal  e  civil,  conforme  os 
interesses  moraes  e  materiaes  d^esta  grande  e  singular  so- 
ciedade agrícola  do  Concão. 

«Eis  aqui,  muito  em  resumo,  como  foram  ha  longos  sécu- 
los, e  ainda  hoje  estão  organisadas  as  nossas  communidades 
agrícolas.  Se  quizerem  mais  larga  noticia  sobre  ellas  pode- 
rão consultar  o  Bosquejo  histórico  das  communidades,  publi- 
cado em  i852  por  F.  Nery  Xavier,  e  a  Histovf  of  British 
índia,  de  James  Mil.» 

«E  ao  corajoso  esforço  e  constante  trabalho  empregado 
pelo  brahmane  desde  a  Kali-yuga,  idade  do  ferro  ou  da 
miséria,  que  se  deve  a  maravilhosa  organisaçao  das  com- 
munidades agrícolas  mdianas.  A  terra  abandonada  e  incul- 
ta, diz  o  brahmane  sacerdote,  é  um  logar  de  maldição  e 
horror;   sendo,  porém,   cuidadosamente   tratada   desata-se 
em  fructos  e  alegrias  para  o  homem.  Prestamos,  portanto,  í 
honra  e  homenagem  á  santa  divindade  agrícola,  Laximiny,  ( 
que  nos  nutre,  não  estando  nunca  ociosos  e  praticando  sem-  í 
pre  boas  obras.  Quem  lança  á  terra  sementes  bem  desen-  j 
volvidas  e  fortes  é  tão   grande   como    se    fizesse   dez  mil.  i, 
sacrificios  á  divindade.  >' 

«Estas  respeitáveis  associações  agrícolas  bem  podem  um  j 
dia  ser  riscadas  do  livro  da  existência  social,  mas  quem  tal  | 
fizer,  em  breve  se  arrependerá  de  sua  imprudência.  N'estas( 


PORTUGUEZA 


145 


sociedades  ha  a  censurar  unicamente  os  maus  administra- 
dores'. 

«Todavia,  apesar  de  uma  tão  famosa  organisaçao  agricola, 
ainda  se  lastima  hoje  a  grandeza  do  deficii  entre  a  produc- 
ção  e  o  consumo  do  arroz  no  Estado  da  índia.  Parece-nos 
que  a  agricultura  desta  importante  parte  do  Concao,  longe 


CONVENTO  DO   PILAR 


de  se  ter  desenvolvido  com  a  conquista  deste  território 
pelos  portuguezes,  permaneceu  estacionaria  durante  dois 
séculos  e  meio,  sob  o  dominio  da  rotina.  Acha-se  ainda 


'  Por  decreto  de  1 5  de  setembro  de  1880  foi  reorganisada  a  adminis- 
tração d"estas  sociedades  agrícolas,  introduzindo-se  na  sua  legislação  to- 
dos os  principies  liberaes  compatíveis  com  as  condições  especiaes  do 
paiz  e  com  a  segurança  dos  créditos  d'ellas. 


140 


A  INbl.V 


como  que  envolvida  nas  taxas  da  infância,  apesar  dos  cui- 
dados que  lhe  foram  dedicados  pelos  frades,  e  principal- 
mente pelos  jesuítas  —um  dos  quaes  chegou  a  escrever 
uma  Arte  de  cultivar  o  coqueiro—,  e  a  despeito  ainda  do 
impulso  que  o  marquez  de  Pombal  lhe  deu  em  1771  e  em 
1—6,  com  a  creação  da  intendência  de  agricultura  e  outras 
providencias,  taes  como  a  isenção  de  dizimos,  durante  dez 
annos,  para  as  novas  culturas,  e  a  creação  de  uma  junta 
de  agricultura,  composta  do  governador  geral  do  Estado, 
chanceller,  secretario  do  governo,  intendente  de  agricul- 
tura, e  de  um  lavrador  de  cada  comarca  e  província,  pro- 
videncias estas,  que  vigoraram  até  1834.  Entretanto,  é  m- 
negavel  que  a  cultura  do  arroz  e  do  coco  tem  augmentado 
n^e^stes  últimos  tempos,  posto  que  ainda  seja  insufficiente 
para  assegurar  a  alimentação  dos  444:000  habitantes  de 
toda  a  índia  portugueza.» 

Concluída  a  interessante  narração,  retirámo-nos  signiíi- 
cando  ao  reverendo  e  virtuoso  fr.  Cyrillo,  o  mais  cordial 
testemunho  da  nossa  gratidão,  pelas  benevolentes  e  gene- 
rosas attenções  com  que  se  dignou  receber-nos. 
'  De  três  elementos  se  compunha  o  império  ecclesiastico 
na  índia  Portugueza:  arcebispos  e  bispos  com  seu  clero 
secular-,  frades  ou  clero  regular-,  e  inquisição. 

As  ordens  monásticas  distinguiram-se  pelas  suas  luzes 
no  meio  da  tenebrosa  ignorância  da  epocha  em  que  tiveram 
origem,  prestaram  á  nossa  índia,  como  ao  mundo,  extraor- 
dinários serviços-,  mas,  trahindo  a  santidade  da  sua  missão, 
trocando  a  singeleza  da  vida  e  a  paz  da  consciência,  que 
as  distinguiram,  pelas  intrigas  da  politica  e  pela  ambição 
de  riquezas  e  do  poder,  converteram  os  mosteiros,  outr  ora 
melancólicos  logares  de  isolamento  e  de  paz,  em  focos  de 

corrupção. 

Pervertido  o  espirito  dos  conventos,  que  tinha  sido  a 
principio  altamente  civilisador,  e  estabelecida  a  intolerância 
dos  catholicos  para  com  os  heréticos  e  idolatras  mais  abas- 
tados, guerreados  a  todo  o  transe  pelo  tribunal  da  inquisi-    j 


•ORTUGUEZA  14- 


çáo,  tristemente  celebrado  na  historia  de  Goa',  pela  sua 
longa  serie  de  infâmias  e  de  crimes,  resultou  d'aqui  o  pri- 
meiro passo  para  a  manifesta  decadência  do  glorioso  impé- 
rio luso-indiano,  que,  com  espanto  do  mundo,  dominava 
uma  extensão  de  4:000  léguas,  e  hoje  está  reduzido  ao 
pequeno  districto  administrativo,  cuja  capital  é  Pangim  ou 
Nova  Goa! 

Contra  estes  males  sociaes.  só  muito  tarde  c  quando  já 
eram  incuráveis  (por  haverem  os  maiores  capitalistas  fugido 
para  a  índia  ingleza)  se  procurou  dar  remédio  com  a  carta 
regia  de  i5  de  janeiro  de  1774,  que  garantiu  aos  habitantes 
não  catholicos  os  seus  usos  e  costumes  religiosos  e  civis. 
Com  relação  ao  gentio  das  Novas  Conquistas,  Damão  e 
Diu  foram  esses  usos  e  costumes  mandados  coditicar,  como 
já  dissemos,  emi85i,  e  o  respectivo  código  posto  em  vigor 
por  portaria  provincial  de  14  de  outubro  de  i853  e  porta- 
ria regia  de  4  de  dezembro  de  i865,  decreto  de  18  de  no- 
vembro de  1869,  e  finalmente,  por  decreto  de  lò  de  dezem- 
bro de  1880,  que  trata  não  só  da  consicieração  devida  a 
mulher  hindu,  mas  também  de  outros  as'sumptos  concer- 
nentes á  vida  social  do  gentio  das  Novas  Conquistas. 

Filippe  Ncry. — O  sr.  Filippe  Ner}'  Xavier,  auctor  do  Bos- 
quejo histórico  das  coinmunidades  e  de  muitos  outros  im- 
portantes trabalhos  que  publicou,  era  um  dos  filhos  do  paiz 
que  mais  conhecia  as  cousas  da  nossa  índia;  tinha  sobre- 
tudo uma  inexcedivel  dedicação  pelo  estudo,  ao  qual  con- 
sagrava extremado  amor.  Reconhecendo  em  nós  um  fiel 
companheiro  de  trabalho,  não  só  se  promptificou,  e  sempre 
da  melhor  vontade,  em  fornecer-nos  os  livros  e  esclareci- 
mentos de  que  carecíamos,  para  auxilio  dos  nossos  estudos. 


•  Narração  da  Inquisição  de  Goa,  escripta  em  francez  por  mr.  Del- 
lon;  em  inglez  por  Cláudio  Buchanan;  vertida  em  portuguez  e  acres- 
centada com  vários  documentos  pelo  sr.  Miguel  Vicente  de  Abreu,  ofli- 
cial  da  secretaria  do  governo  geral,  e  um  dos  filhos  de  Goa  mais  prestadio 
e  dedicado  á  litteratura  da  sua  pátria. 


148  A   índia 

mas   nos    dedicou   uma   amisade  tão   sincera   e   generosa, 
que  jamais  o  nosso  coração  a  olvidará. 

Filippe  Nery  Xavier,  de  saudosa  memoria,  natural  da 
freguezia  de  S.  Salvador  de  Loutolim  da  província  de  Sal- 
cete,  director  da  imprensa  nacional  de  Nova  Goa  desde  o 
1°  de  maio  de  i85i,  official  maior  graduado  (e  mais  tarde 
eíFectivo)  da  secretaria  do  governo  geral  do  Estado  da  ín- 
dia pelo  seguinte  honroso  e  bem  merecido  decreto: 

«Tendo  em  consideração  os  valiosos  serviços  que  o  official  e  chefe 
da  primeira  secção  da  secretaria  do  governo  geral  do  Estado  da  índia, 
Filippe  Nery  Xavier,  tem  prestado  por  espaço  de  mais  de  vinte  e  seis 
annos,  assim  no  pontual  desempenho  das  obrigações  a  seu  cargo,  como 
nos  trabalhos  litterarios  a  que  se  ha  dedicado  com  laborioso  estudo  e 
incansável  zelo,  e  que  tem  publicado  com  summo  proveito  da  historia 
d'aquelle  paiz,  da  sua  administração  e  dos  interesses  da  fazenda  publi- 
ca, como  tudo  me  tem  sido  patente  pelas  informações  do  actual  gover- 
nador geral  do  referido  Estado  e  do  seu  antecessor:  hei  por  bem  fazer 
mercê  ao  mencionado  Filippe  Nery  Xavier,  da  graduação  de  official 
maior  da  secretaria  do  governo  geral  do  Estado  da  índia,  reservando- 
me  para  opportunamente  lhe  dar  outro  algum  testemunho  do  apreço 
em  que  tenho  a  sua  dedicação  pelo  bem  do  serviço  publico.  O  minis- 
tro e  secretario  d'estado  dos  negócios  da  marinha  c  ultramar  o  tenha  as- 
sim entendido  e  faça  executar.— Paço,  aos  2  de  abril  de  i852.=Rainha  = 
António  Alitipo  Jervis  dWtoiíguia.» 

Não  podíamos,  pois,  escrever  acerca  das  cousas  da  nossa 
índia,  sem  citar  especialmente  o  nome  deste  benemérito 
cidadão,  de  queni  oíTerecemos  o  retrato,  copia  de  uma  pho- 
tographia. 

Do  convento  do  Pilar  passámos  e  examinar  os  terrenos 
marginaes  do  canal  de  Mariamorim,  seguindo  depois  para 
o  canal  de  Cantvá,  que  termina  n'um  palmar  do  sr.  D.  An- 
tónio de  Carcomo  Lobo.  Sobre  estes  terrenos  versava  a 
controvérsia  que,  como  árbitros  do  governo,  devíamos  re- 
solver em  favor  de  quem  direito  tivesse. 

Logo  que  terminámos  o  trabalho  official,  dirigimo-nos  á 
casa  parochial  da  freguezia  de  Mandur.  Ali  desenhámos  a 
bellissima  fachada  da  igreja  de  Nossa  Senhora  do  Amparo, 
situada  na  pequena  ilha  de  Dongrim,  e  que  um  particular 


PORTUGUEZA 


I4Q 


mandou  construir  em  1710,  quando  a  freguezia  contava 
14:000  christãos  e  6:000  gentios.  Esta  igreja  foi  construída 
sob  o  titulo  de  curato  ou  capella  annexa  á  igreja  de  Azos- 
sim,  sendo  por  alvará  doi.°  de  fevereiro  de  1717  elevada  á 
categoria  de  igreja  parochial.  A  freguezia  de  Mandur  tem 
actualmente  2:892  habitantes,  sendo  i:332  christãos  e  i:56o 
não  christãos. 


nUPPE   SERY  XAVIER 


A  cidade  de  ^'elha  Goa,  onde  voltámos  pela  segunda  vez 
com  o  fim  de  visitarmos  as  ruinas,  foi  construída  na  aldeia 
Ellá  da  ilha  de  Tissuar}-  por  ^Nlelíque  Ussen  em  1479.  con- 
quistada por  Affonso  de  Albuquerque,  que  a  erigiu  em  ca- 
pital dos  domínios  orientaes  portuguezes,  em  i5io,  e  de- 
clarada reguengo  da  coroa  em  i5i8. 


A    TXDTA 


D  esta  formosíssima  e  opulenta  cidade,  que  a  influencia 
e  energia  dos  nossos  antepassados  elevaram  ao  maior  grau 
de  prosperidade  no  meiado  do  xvi  século,  e  dos  conventos 
pertencentes  ás  ordens  de  S.  Francisco  da  Cidade,  S.  Do- 
mingos, Reformacios  de  S.  Francisco,  Santo  Agostinho, 
S.  Caetano,  S.  João  de  Deus,  S.  Filippe  Nery  e  Carmeli: 
lana,  restavam  em  i863  os  edifícios  que  mostra  o  desenho 
intitulado  Panorama  de  Goa,  com  a  numeração  seguinte- 


I  Daugim. 

20 

1  Igreja  parochial  de  Santa  Luzia. 

3  Igreja  e  casa  de  Nossa  Senhora. 

21 

do  Monte. 

22 

4  Hospital  de  S.  Lazaro  (ruinas). 

23 

3  Igreja  parochial  de   S.  Thomé 

■^4 

(ruinas). 

2  5 

r.  Ruinas  da  igreja  e  collegio  de 

S.  Paulo. 

2(1 

7  Ruinas  do  convento  dos  Car- 

melitas. 

27 

S  Ruinas  do  convento  de  S.  Do- 

28 

mingos. 

29 

()  Forca. 

3o 

lo  Ruinas  da  alfandega. 

3i 

1  1    Igreja  e  convento  de  S.  (>ae- 

32 

tano. 

12  Arco  da  Conceição. 

33 

i3  Ruinas  do   palácio   dos   vice- 

34 

reis. 

35 

14  Cães  e  arco  dos  vice-reis. 

36 

1  5  Ruinas  do  senado. 

37 

iTi  Ruinas  do  cárcere. 

3S 

17  Ruinas  da  inquisição. 

3.) 

iS  Sé  primacial  e  palácio  do  ar- 

40 

cebispo. 

•+' 

H)  Igreja  e  convento  de  S.  Fran- 

42 

cisco. 

.    43 

Três  igrejas  e  casas  da  mise- 
ricórdia. 

Açougue. 

Pelourinho. 

Bazar. 

Ruinas  do  hospital  da  cidade. 

Ruinas  da  igreja  parochial  da 
Trindade. 

Ruinas  da  igreja  e  convenit) 
da  Cruz  dos  Milagres. 

Ruinas  do  priorado  da  Luz. 

Igreja  e  casa  do  Bom  .lesus. 

Convento  de  S.  João  de  Deus. 

Collegio  do  Populo  (ruinas). 

Fonte  de  Banguenim. 

Ruinas  do  convento  de  San- 
to Agostinho. 

Capella  de  Santo  António. 

Ruinas  do  collegio  de  S.  Roque. 

Mosteiro  de  Santa  Mónica. 

Ruinas  do  priorado  do  Rosário. 

Capella  de  Santa  Catharina. 

Ruinas  do  Aljube. 

Ruinas  do  grande  hospital. 

Arsenal. 

Collegio  de  S.  Boaventura. 

Forca  de  Tipeti. 

Pvramide  ííeodesica. 


D"estes  edifícios  existem  actualmente  dez,  ou  talvez  menos, 
sendo  a  pedra  de  todos  os  outros  vendida  por  conta  da  la- 
zenda  publica  aos  particulares. 


PORTA  DE  NOSSA  SENHORA  DA  SERRA 


PORTUGUEZA  T?! 


A  gentilissima  princeza  do  Mandovy,  a  oriental  Lisboa, 
que  foi  nos  tempos  da  nossa  passada,  grandeza  na  Ásia,  o 
empório  commercial  de  toda  a  costa  occidental  da  índia, 
achava-se  em  1870  no  estado  em  que  primorosamente  a 
descreve  o  ex/™  sr.  conselheiro  Thomaz  Ribeiro,  nosso 
companheiro  de  trabalhos  na  índia,  nos  formosos  versí)s 
i.]uc,  com  a  devida  \'enia,  aqui  transcrevemos: 

A  VELHA  GOA 

Eis  a  cidade  morta,  a  solitária  Goa  I 
Seis  templos  alvejando  entre  um  palmar  enorme ! 
Kis  o  Mandovy — Tejo,  a  oriental  Lisboa! 
onde  em  jazigo  régio  immensa  gloria  dorme. 

Torres  da  cathedral,  que  lúgubres  sonidos 
manda  o  sonoro  bronze  aos  eccos  da  floresta  .- 
c  a  coma  da  palmeira  a  mudular  gemidos, 
como  se  um  funeral  passasse  em  torno  á  festa  I 

O'  musicas,  tangei !  retumba,  artilheria ! 
O'  multidão,  acclama  o  viso-rei  que  passa ! 
t>ae,  flor  do  tamarindo!  a  rua  é  tão  sombria I . .  . 
Cajueiro,  deixa  ao  sol  que  inunde  a  immensa  praça  ! 


Que  fazes  tu  de  pé,  arco  das  grandes  eras? 
Que  te  sustem  no  ar,  abobada  que  scismasr! 
Passaram  para  nós  as  flóreas  primaveras, 
as  musicas  da  gloria,  a  luz  dos  áureos  prismas. 

Pórtico  arrendilhado,  orgulho  da  espessura, 
tão  nobre,  velho  e  nú.  . .  cobri-o  trepadeiras! 
deixae-vos  afundir  no  oceano  de  verdura 
que  sobe,  cresce  e  abvsma  as  grimpas  derradeiras. 

Jaz  em  tristeza  immersa  a  tétrica  cidade ! 
O  turbilhão  dourado,  o  estrondear  da  festa, 
cnvolve-os  em  seu  crepe  a  mistica  saudade, 
e  abvsma-os  no  mysterio  a  pávida  floresta. 


l52  A   índia 

Gentio  triste  e  nú,  que  paras  e  que  pasmas 
de  ver  pisar  sem  bulha  as  virides  alfombras : 
a  gala  na  soidão  é  trilho  de  phantasmas  — 
a  festa  n'um  deserto  é  voltejar  de  sombras. 

Nós  somos  do  passado  a  timida  memoria, 
buscando  os  seus  avós  no  palmeiral  funéreo 
que  apenas  sobre-doira  um  ténue  albor  de  gloria, 
como  de  fátua  luz  se  esmalta  um  cemitério. 

D'aqui  a  pouco,  á  noite  hão  de  entoar  os  ventos 
na  sonorosa  palma  um  cântico  plangente ; 
e  projectar-se  ao  largo  as  sombras  dos  moimentos 
ao  pallido  clarão  da  lâmpada  doente. 

Tigres  d'ardente  olhar,  serpes  de  grenha  hirsuta, 
darão  á  sacra  selva,  em  seu  voltear  medonho, 
scenas  d'immenso  horror !  sons  de  selvagem  luta ! 
vertigem  vista  á  luz  phantastica  d"um  sonho ! 

Rajás  de  Bisnagar,  a  vossa  Goa  é  nada! 
Filhos  de  Siva-Rai,  é  sombra  o  vosso  império ! 
a  flor  do  Mandovy  cae,  murcha  e  desfolhada ! 
a  filha  d'um  jardim  tapiza  um  cemitério ! 

Memorias! .  . .  Nada  mais,  sombrios  monumentos? 
Saudades?.  . .  Oh,  não  basta,  homéricos  vestígios! 
Remorsos?. . .  mas  são  vis  e  estéreis  os  lamentos! 
Esperança.!  —  eis  o  segredo,  a  vara  dos  prodígios! 

A  esperança  é  fonte  e  sol,  —  manancial  e  origem; 
Deus  sabe  quando  finda  a  serie  dos  tormentos; 
nem  sempre  a  serração  e  a  livida  vertigem ! 
Esperae  por  honra  nossa,  altivos  monumentos ! 

Nomes  que  tanto  ergueu  a  tuba,  a  lira,  a  historia, 
Pachecos,  Albuquerques,  Almeidas,  Gamas,  Castros, 
Lorena,  Alorna,  Mello  e  tanta  e  tanta  gloria, 
devem  erguer-se  á  luz  de  mais  propícios  astros !  — 

Mas  se  o  formoso  sol  que  a  minha  mente  sonha, 
não  rompe  a  serração  nem  calma  adversos  ventos; 
roubando-nos  á  luz  poupae-nos  á  vergonha! 
Caide  sobre  nós,  heróicos  monumentos. 

Pangim,  7  de  maio  de  1870.  Thomaz  Ribeiro. 


PORTUGUEZA 


l53 


Na  manhã  do  dia  immediato  áquelle  em  que  saímos  de 
Mandur  para  a  velha  cidade  de  Goa,  desenhámos  as  ruinas 
da  Igreja  da  Cruz  dos  Milagres;  mas  só  depois  do  sol  fa- 
zer evaporar  o  orvalho,  porque,  antes  d'essa  hora  corre  o 
risco  quem  transitar  pelas  desertas  ruas  da  cidade,  de  ficar 
com  os  pés  e  as  pernas  molhadas  até  aos  "joelhos,  de  que 


slSA^ 

^1          ~ 

IGREJA   DE   MANDUR 

jquasi  sempre  resultam  febres  intermittentes  difficeis  de 
icombater. 

I  us  .erviços  que  o  orvalho  presta  á  agricultura,  são  tão 
particularmente  considerados  pela  astronomia  indiana,  que 
-sta  dedica-lhe  uma  das  suas  seis  estacões  do  anno  É  a 
quinta;  chama-se  Hemauta,  e  corresponde  aos  nossos  me- 


(54  ■' ^''^'■' 


zes  de  dezembro  e  janeiro,  ou  antes  ao  intervallo  que  de- 
corre desde  os  fins  do  mez  cartko,  novembro,  até  aos  prin- 
cípios de  mago,  fevereiro.  1  I 

Cru-  dos  Milaores.—Estii  igreja  teve  por  origem  uma  ca-  |  ^ 
pella  dedicada  á  Cruz  dos  Milagres,  mandada  construir  de-  jj 
pois  de  23  de  fevereiro  de  i(5iq,  dia  em  que,  segundo  a  - 
tradição,  teve  logar,  no  monte  da  BoaMsta,  a  appariçcão  da 
imagem  de  Christo  crucificado,  em  virtude  do  que  ao  monte 
se  fincou  depois  cliamando  da  Cruz  dos  Milagres. 

Mais  tarde  foi  esta  capella  demolida,  por  ser  pequena,  e 
no' mesmo  local  construída  uma  igreja  de  mais  amplas  di- 
mensões, que  abateu  em  8  de  agosto  de  ibóg.  _   ;  | 

Fm  -^3  de  fevereiro  de  1671,  sendo  provincial  fr.  Agosti- 1  i 
nho  dos  Reis,  foram,  á  sua  custa  e  das  esmolas  dos  fieis,  i  .1 
lançados  os  fundamentos,  e  concluída  a  igreja  da  Cruz  dos  .; 
Milagres,  instituindo-se  por  essa  occasiao  a  congregação  do    i 

oratório.  1 

Com  a  extinccão  das  ordens  religiosas,  foi  também  ex-,  ; 
tincta  esta  congregação  denominada,  naquella  epocha,  dos 
Padres  da  congre^-acão  da  cnr,  dos  Milagres,  sendo  a  mi- 
lagrosa cruz,  que  ali  se  achava,  transferida  solemnemente 
no  dia  3  de  maio  de  1845  para  a  sé  primacial,  por  ordem 
do  ex  '""  conselheiro  José  Ferreira  Pestana,  governador  geral 
do  Estado,  e  collocada  então  na  capella  do  sepulchro,  fron 
teira  á  do  Santíssimo,  onde  actualmente  se  venera.       ^ 

Da  Cruz  dos  Milagres  passámos  a  desenhar  o  Pelounnhc 
Novo,  as  ruínas  do^  palácio  da  Inquisição,  a  Igreja  de  b 
Caetano,  a  porta  de  Nossa  Senhora  da  Serra,  as  rumas  d( 
S  Domingos,  do  convento  do  Carmo,  de  S.Thomé,  de  S 
Paulo-,  a  capella  e  poço  de  S.  Francisco  Xavier,  o  forte  d< 
Benastarv,  a  Bombarda,  a  Igreja  de  Nossa  Senhora  d( 
Monte,  as  ruínas  do  convento  da  Madre  de  Deus,  e  ; 
Igreja  de  Santa  Luzia.  ;    1 

^  Pelourinho.- O  Pelourinho  Novo  acha-se  situado  na  bas  1 
septentrlonal  do  monte  da  Cruz  dos  Milagres,  no  centro  d  ] 
uma  pequena  praça,  donde  partem  três  amplas  ruas,  toda,   1 


i 


i 


^ 


PORTÍT.fFT:  A 


calçadas  de  pedra.  É  de  granito  pardo,  e  está  hoje  arrui- 
nado, como  mostra  o  desenho. 

Os  edifícios  religiosos,  civis  e  militares  do  Estado  da 
índia  são  todos  construídos  de  lateritica,  espécie  de  rocha 
conglomerada  trachytica  ou  vermelhido,  que  ali  predomina. 
Entre  as  igrejas  e  conventos  de  Goa  acham-se  algumas 
construcções  de  granito,  mas  muito  raras.  O  frontispício 
das  famosas  igrejas  do  Bom  Jesus,  de  Santo  Agostinho,  de 

:  S.  Paulo,  do  Carmo  e  de  S.  Domingos,  são  de  granito, 
bem  como  o  arco  dos  více-reis.  Esta  pedra,  diz  a  tradi- 
ção, foi  trazida  do  norte  do  Concão  para  Goa.  Todas  as 
demais  edificações,  tanto  christãs  como  gentílicas,  são  con- 

I  struídas  de  conglomerada  trachytica  de  cor  arroxada,  re- 

!  vestida  de  cimento  bítuminoso  e  branqueadas  com  cal  de 
ostras. 

As  variedades  de  rochas,  que  se  encontram  no  Estado 
da  índia  são   classificadas   empiricamente  pelos   indígenas 

•  do  seguinte  modo : 

1     i."  Factór-gorachó-durgachó  (pedra   de   construcção   de 

I casas,  muros,  etc),  rochas  conglomeradas,  grés,  quartzo, 
laterifica,  etc; 
2.°  Pachan  (pedra  aggregada  escurai,  rochas  feldspathi- 

cas,  granito  pardo; 

j     3.°  Cupator  (pedra  branca),  rochas  graníticas  e  talcosas, 

Igraníto  branco,  calcareas,  calcareo  ferrífero; 

!    4.°  Locondachó-factór  (pedra  de  ferro),  rochas  com  base 

ide  oxydo  de  ferro,  e  hydratos  de  peroxydo  de  ferro; 

,    5.°  Mof-opachan,  ou  curuii-a  (pedra  preta  moUe),  rochas 

micaceas,  micachistos,  macline; 

6.°  i\íbó)--paclian  (pedra  preta  dura),  rochas  basalticas^ 
etc. 

I  A  constituição  geológica  do  território  de  Goa,  a  sua  for- 
mação em  planícies  arborísadas,  a  constituição  social  e  os 
princípios  religiosos  dos  povos  explicam  o  caracter  da  ar- 
phitectura,  tanto  no  seu  estylo,  como  nos  materíaes  empre- 
itados.  Os  antigos  conventos  de  Goa  são  grandiosos,  so- 


i56 A  índia i|l 

berbos   e   de   construcção   robusta.   Os  pagodes   e  outras  iji 

edificações  gentílicas  apresentam  mais  magnificência  do  que  ,  it 

solidez'-,  não  sendo   ainda  hoje  possível  empregar  grande  .A 

numero  de  operários  em  trabalhos  mecânicos,  porque  so    .- 

as  castas  inferiores  do  povo  Scão  dedicadas  a  este  serviço.     •. 

Vindo  do  Pelourinho  Novo  para  o  antigo  largo  do  Paço,    ;, 

encontram-se  entre  a  Misericórdia  e  a  Sé  as  ruinas  do  pa-  . -^ 

lacio  da  Inquisição,  das  quaes  ainda  se  vê  parte  no  primeiro    <: 

plano  do  desenho  das  ruinas  da  Misericórdia.  Este  magm-    -^ 

fico  palácio  formava  a  fachada  oriental   do  largo   da  Sé,    4 

que  por  occasião  da  memorável  abertura  do  tumulo  de  S.  - 

Francisco  Xavier,  em  i85q,  recebeu  nova  forma,  com  o  fim  || 

de  se  alargar  o  caminho  por  onde  tinham  de  passar  os  mi-  ik 

Ihares  de  devotos,  que  foram  em  peregrinação  venerar  o|| 

corpo  do  Apostolo  das  índias. 

De  passa-em  lembraremos  que  em  8  de  abril  de  lòòò 
foi  celebrado  um  auto  de  fé,  havendo  mais  sete  até  ao  fim 
de  dezembro  de  1779,  e  sendo  1:208  as  suas  victimas. 

Por  carta  regia  de  i(5  de  junho  de  1812  foi  definitivamente 
extincto  o  pavoroso  tribunal  da  inquisição  em  Goa,  o  qual 
tendo  já  sido  abolido  por  carta  regia  de  10  de  fevereiro  de 
1774,  fora  novamente  organisado  em  1779. 

O  tecto  do  grande  palácio  da  Inquisição  abateu  em  se- 
tembro de  1820. 

S.  Caetano.— A  igreja  e  convento  de  S.  Caetano  da  Di- 
vina Providencia  está  situado  ao  norte  do  antigo  Terreiro  | 
do  Paço.  Estes  edificios  foram  fundados  em  i6òd  pelos  clé- 
rigos regulares  da  ordem  denominada  dos  Theatmos,^  os 
quaes  tendo  vindo  á  índia  por  ordem  do  papa  Urbano  VIII, 
para  pregar  a  Fé  no  reino  de  Golconda,  e  não  tendo  podi-  'f 
do  ali  entrar,  resolveram  residir  em  Goa. 

Os  primeiros  clérigos  da  ordem  dos  theatinos  que  appare-; 
ceram  em  Goa,  forcim  D.  Pedro  Avitabile,  superior,  D.  Fran- 
cisco Manco  e  D.  António  Maria  Ardisone,  itahanos.  ■ 
Desde  1640  até  1730  vieram  para  este  convento  cincoení; 
ta  e   seis  professos   e  três  noviços,  todos   europeus,   doí 


PORTUGUEZA 


167 


quaes  trinta  e  quatro  chegaram  a  Goa,  treze  falleceram  nas 
missões,  e  doze  voltaram  para  a  Europa.  Não  podendo 
aquella  ordem  conseguir  que  viessem  mais  religiosos  da 
Europa,  o  prefeito  D.  Carlos  José  Fidelis,  único  italiano 
que  então  havia,  obteve  do  seu  superior  auctorisação  para 
receber  no  convento  os  filhos  de  Goa,  o  que  foi  confirma- 
do por  el-rei  D.  José  em  lyõo. 


- — '"iV^, 


/-^r^ 


^5^&i 


FORTE  DE  DONGRIM 


Os  theatinos,  alem  do  convento  principal,  tinham  um 
ospicio  em  Mallar,  freguezia  de  S.  Mathias. 

O  convento  primitivo  era  pouco  amplo,  e  o  noviciado, 
tuado  em  volta  do  zimbório  da  igreja,  tinha  acanhadas. 

mensões.  Mais  tarde  foi  o  noviciado  transferido  para  o 
ivimento  inferior,  e  pouco  antes  da  extincção  da  mencio- 
ada  ordem  construiu-se  o  edifício,  que  hoje  serve  de  resi- 
íncia  aos  governadores  geraes,  quando  por  dever  do  car- 
|)  têem  de  assistir  ás  festividades  religiosas  annualmente 


i38  A  índia 


celebradas  em  Goa.  Foi  o  ex."'"  conde  de  Torres  Novas 
quem  mandou  adaptar  o  convento  para  residência  tempo- 
rária dos  governadores  do  Estado  emVellia  Goa. 

A  igreja  é  ampla  e  magnificente,  sendo  a  sua  construc- 
ção  modelada  pela  do  grandioso  templo  de  S.  Pedro  em 
Roma. 

Debaixo  do  altar  mór  está  situado  o  carneiro  do  conven-  ' 
to,  para  onde  foram  trasladados  da  igreja  de  Pangim,  em 

12  de  novembro  de  1842,  os  caixões  que  contêem  os  restos  i 

mortaes  dos  barões  de  Sabroso  e  do  Candal,  governadores  | 

geraes  da  índia  portugueza'.  « 

Poria  de  Nossa  Senhora  da  Serra. — Esta  porta,  uma  das  l 

quatro  da  primitiva  cidade  de  Goa,  era  também  conhecida  i 

pela  porta  da  despedida  dos  justiçados,  por  ser  ali,  na  capei-  l 

linha  assente  sobre  o  arco,  que  se  celebrava  a  ultima  missa,  i^ 

a  que  assistiam  os  justiçados  antes  de  subirem  ao  patíbulo,  tj 

que  ainda  se  vê  collocado  no  palmar  contiguo  á  cerca  do  i; 

convento  de  S.  Caetano.  O  arco,  que  representa  o  nosso  \\ 

desenho,  é  de  granito,  e  acha-se  situado  entre  palmeiras  á  ii 

esquerda  da  igreja  de  S.  Caetano  e  em  frente  das  ruinas  dp  ji 

convento  de  S.  Domingos.  '  1 

As  outras  três  portas  da  cidade  eram:  a  porta  da  Ribeira,  ':'^ 

a  oeste,  por  onde  Affonso  de  Albuquerque  entrou  a  ferro  c 

fogo  em  novembro  de  i5io^  a  do  Mandovy  ou  da  alfandc-  .' ; 

ga,  na  extremidade  oriental  do  antigo  Terreiro  do  Paço ;  e  a  !  ^ 

terceira,  a  que  se  achava  contigua  ao  Serralho,  depois  pa-  •'  | 

lacio  da  Fortaleza,  no  sitio  da  qual,  oitenta  e  nove  annos  \ 

mais  tarde,  se  construiu  o  Arco  dos  vice-reis,  onde  se  vê  a  :jj 

estatua  do  descobridor  da  índia,  de  quem  ofterecemos  o  rc-  i  | 

^  ♦         í  ■ 

trato  a  pagina  Ò4.  ,1 


I  Modernamente  foram  também  depositados  n'aquelle  carneiro  os  ■  , 
restos  mortaes  dos  governadores  João  Tavares  de  Almeida  e  visconde  1  ; 
de  Sérgio,  de  onde  foram  trasladados  para  Lisboa,  bem  como  os  ào.\ 
barão  de  Sabroso.  ' 


I 


PORTUGUEZA  j  3, , 


D.  Vasco  da  Gama,  do  conselho  de  sua  magestade,  ca- 
valleiro  da  ordem  de  Christo,  i .«  conde  da  Vidigueira,  al- 
mirante do  mar  e  vice-rei  da  índia,  nasceu  em  1469.  Foram 
seus  progenitores  Estevão  da  Gama,  alcaide  mór  de  Sines 
e  Silves,  commendador  do  Seixal  e  vedor  da  casa  do  prín- 
cipe D.  Affonso,  e  D.  Izabel  Sodré,  filha  de  João  de  Rezen- 
de, provedor  das  valias  de  Santarém. 

Antes  de  ser  nomeado  vice-rei  da  índia  tinha  D.  Vasco 
da  Gama  ido  por  duas  vezes  ao  Oriente.  A  primeira  como 
capitão-mór  de  quatro  naus  e  descobridor  da  índia,  partin- 
do de  Lisboa  em  8  de  julho  de  1497.  Durante  a  viagem, 
depois  de  vários  e  arriscados  transes,  dobrou  o  cabo  Tor- 
mentoso ou  da  Boa  Esperança,  e  discorrendo  por  Moçam- 
bique, Mombaça  e  Melinde,  aportou  a  Calecut  aos  20  de 
maio  de  1498.  Passados  dois  annos,  dois  mezes  e  onze 
dias  regressou  a  Lisboa,  aonde  surgiu  em  19  de  setembro 
de  1499,  trazendo  55  homens  dos  148  que  levara  e  deixan- 
do descobertas  mais  do  que  o  navegador  Bartholomeu  Dias, 
1:200  léguas,  tirando  uma  recta  desde  o  rio  do  Infante  até 
Calecut. 

Nomeado  almirante  dos  mares  Indicos,  partiu  pela  secun- 
da vez  para  o  Oriente  em  i5o2.  N'esta  viagem  fez  guerra 
ao  rei  de  Calecut,  celebrou  tratados  de  paz  e  commercio 
com  o  de  Cochim  e  Cananor,  fez  tributário  o  de  Quitos, 
tomou  na  costa  do  Malabar  a  grande  nau  Mery  do  sultão 
do  Cairo,  e  voltou  a  Portugal,  trazendo  o  primeiro  oiro  de 
que  el-rei  D.  Manuel  mandou  fazer  uma  custodia,  que  offe- 
receu  ao  real  mosteiro  de  Santa  Maria  de  Belém. 

Tendo  sido  nomeado  vice-rei  da  índia  por  carta  regia 
de  25  de  fevereiro  de  1524,  partiu,  pela  terceira  vez,  de 
Lisboa  para  a  índia  em  9  de  abril  do  mesmo  anno,  com 
quatorze  navios  e  3:ooo  homens  de  peleja. 

Chegando  a  Chaul,  no  dia  5  de  setembro,  assumiu  o  titu- 
lo de  vice-rei,  segundo  a  ordenança  que  levava  do  reino 
de  o  tomar  na  primeira  fortaleza  da  índia  a  que  chegasse. 
Sete  dias  depois  partiu  de  Chaul  para  Goa,  onde  foi  rece- 


A  índia  * 


ibo                                      ^  '^^"'^^                         . í 

— -^ 

bido  solemnemente  na  ausência  do  seu  antecessor  D.  Duarte  \j 

de  Menezes,  que  então  se  achava  em  Ormuz.        ^  ^         ^  ' 

Dispondo,  segundo  o  seu  modo  de  ver,  a  administração  ;^ 

da  cidade,  partiu  para  Cochim.  t 

Durante  a  viagem  aportou  em  Cananor,  e  deu  posse  da  ^ 

fortaleza  ao  capitão  que  levava  comsigo.  i 

Em  seguida  partiu   para  Calecut,  mandando  participar  } 

ao  rei,  que  estava  no  sertão,  a  sua  chegada,  e  passou  a  j 

Cochim,  onde  foi  recebido  com  grande  pompa  e  solemm-  | 

dade  devida  ao  seu  alto  cargo.  De  Cochim  fez  partir  as  j^ 

provisões   necessárias   para  Calecut,   embarcações  ligeiras  ^ 

para  bater  as  dos  mouros  que  tinha  encontrado  na  viagem,  • 

e  uma  armada  de  seis  navios  para  castigar  os  mouros  do  ^ 

Malabar.                                                                     j    r       i  ' 

Ordenou  a  Fernão  Gomes  de  Lemos,  capitão  da  tortale- 
za  de  Ceylão,  que  a  destruísse,  conforme  as  ordens  de  sua 
magestade,  e  se  retirasse,  e  mandou  a  Simão  Sodré  com 
quatro  embarcações  ás  ilhas  Maldivas,  para  combater  os 
mouros  que  hostilisavam  os  nossos  alliados. 

Despachou  igualmente  a  Fernão  Martins  de  Sousa  com 
um  navio  e  uma  fusta  para  a  costa  de  Melinde.^ 

Deu  ordens  para  preparar  a  armada  com  o  íim  de  man- 
dar seu  filho  D.  Estevão  da  Gama  ao  mar  Roxo,  e  fez  re- 
forçar a  armada  de  Jeronymo  de  Sousa  com  duas  galeotas  || 
para  estacionar  em  Calecut.  •[ 

Em  novembro,  achando-se  muito  doente,  mandou,   em  |; 

presença  dos  principaes  personagens  da   cidade,  lavrar  o  ) 

auto,  pelo  qual  foi  encarregado  Lopo  Vaz  de  Sampaio,  ca-  jj 

pitão  da  fortaleza  da  cidade  de  Santa  Cruz  de  Cochim,  ;: 

para  durante  a  sua  enfermidade  physica  e  em  caso  de  fal-  j! 

lecimento,  exercer  as  funcções  de  governador  até  á  chega-  jj 

da  do  nomeado  nas  vias  de  successão,  se  porventura  esti-  h 

vesse  ausente.  ; 

A  4  de  dezembro  chegou  a  Cochim  D.  Duarte  de  Mene-  ji 

zes,  que,  fazendo  entrega  formal  da  governança  a  D.  Vasco  •,. 

da  Gama,  retirou  em  seguida  para  Portugal.  :,: 


H 


PORTUGUEZA 


i6i 


O  vice-rei,  não  podendo  resistir  ao  mal  physico,  aggra- 
vado  com  os  soffrimcntos  moraes  que  sobrevieram  á  posse 
do  governo,  falleceu  a  24  de  dezembro  de  1.524,  e  foi  se- 
pultado no  mosteiro  de  S.  Francisco. 

Em  seguida,  abertas  as  vias  de  successão  achou-se  no- 
meado D.  Henrique  de  Menezes,  capitão  da  cidade  de  Goa, 


*    '^    -  -í 


PELOURINHO  NOVO 


a  cuja  disposição  enviou  Lopo  Vaz  de  Sampaio  cinco  navios 
e  a  provisão  da  sua  successão  ao  governo. 

Os  restos  mortaes  de  D.  Vasco  da  Gama  foram  trans- 
portados de  Cochim  para  Portugal,  e  levados  para  a  villa 
da  Vidigueira,  segundo  a  sua  disposição  testamentária. 

Ali  foram  depositados  na  igreja  de  Nossa  Senhora  das 
Relíquias,  do  padroado  de  sua  casa. 


I02 


A  ÍNDIA 


Jazia  o  grande  almirante  na  capclla  mór  do  lado  da  epis- 
tola, em  uma  sepultura  onde  se  lia  a  seguinte  inscripção: 


AQVI   lAZ  O  GRAND  ARGONAVTA  DOM 
VASCO  DA  GAMA  PR.   CONDE  DA  VI 
DIGVEIRA  ALMIRANTE  DAS  ÍNDIAS 
ORIETAIS  E  SEV  FAMOZO  DESCOBRID 
OR 


Os  ossos  do  heroe  dos  Lusíadas  estão  actualmente  depo- 
sitados junto  dos  do  seu  cantor  na  igreja  dos  Jeronymos, 
em  Belém,  para  onde  foram  solemnemente  trasladados  no 
dia  8  de  junho  de  1880. 

Convento  de  S.  Domingos.— F.m  ib4H  chegaram  a  Goa 
treze  religiosos  da  ordem  de  S.  Domingos,  recommendados 
por  el-rei  D.  João  III  ao  governador  Garcia  de  Sá. 

Foi  o  seu  prelado  fr.  Diogo  Bernardes,  quem  deu  prin- 
cipio ao  convento  em  3o  de  abril  de  i55o,  concorrendo 
para  o  acto  da  fundação  o  vice-rei  D.  Alfonso  de  Noronha 
com  a  quantia  de  40:000  cruzados  á  conta  da  fazenda, 
alem  do  terreno  comprado  a  Pedro  Godinho. 

Este  convento  foi  depois  ampliado  cm  i58i,  sendo  go-  | 
vernador  Fernão  Telles,  e  dotado  com  parte  dos  bens  dos  | 
pa^odes  por  carta  regia  de  1 1  de  fevereiro  de  i585,  contando  ^ 
em  1(33(5  duzentos  e  cincoenta  religiosos.  ^  ^  | 

Muitos  outros  conventos,  collegios  e  casas  religiosas  es-  j^ 
palhadas  pela  Ásia,  Africa  e  Oceania,  filiaes  d"aquelk  con-  j-; 
vento,  continuaram  debaixo  da  superior  administração  da  | 
referida  ordem. 

Em  maio  de  1841  abateu  parte  do  convento  e  a  famosa 
sachristia-,  e  desde  aquella  epocha  para  cá  principiou  a  van-    ^ 
dalica  destruição  do  edifício,  que  em  1 8(53  se  achava  já  no    j. 
estado  em  que  se  vê  do  nosso  desenho.  íj 

No  cume  do  outeiro,  em  que  estão  as  ruinas  do  conven-  1 
to  de  S.  Domingos,  vê-se  em  perfeito  estado  de  conserva-  ji 
ção  a  elegante  igreja  de  Nossa  Senhora  do  Monte. 

5.  r/zomc'.— Passando  o  convento  de  S.  Domingos,  para    ■! 


FORlLGLhZA  ^^33 

leste  da  cidade,  encontram-se,  entre  denso  arvoredo  e  pal- 
meiras, as  ruínas  da  igreja  de  S.Thomé. 

Esta  igreja,  actualmente  em  completa  ruina,  como  se  vé 
do  desenho,  está  situada  no  campo  de  S.  Lazaro  da  velha 
cidade.  Foi  mandada  construir  pelo  vice-rei  D.  Constantino 
de  Bragança  em  i5(b,  conforme  a  ordem  da  rainha  D  Ca 
tharina,  para  n^ella  ser  collocado  o  caixcão,  em  que  se  acha- 
vam as  relíquias  do  corpo  do  .apostolo  S.Thomé,  n^aquellc 
tempo  depositadas  em  Meliapor. 

A  transferencia  das  referidas  relíquias  não  se  realisou 
por  se  opporem  a  ella  os  christaos  de  Meliapor,  podendo  1 
muito  custo  os  encarregados  trazer  apenas  o  pedaço  de 
um  osso  do  Santo,  e  um  bocado  da  lança.  As  restantes  re- 
líquias passaram  a  ser  guardadas  em  uma  arca  marchetada 
de  prata,  e  fechada  a  três  chaves,  sendo  uma  guardada 
pelo  bispo,  outra  pela  municipalidade,  e  a  terceira  pelo  ca- 
pitão da  fortaleza  de  Meliapor. 

As  relíquias  de  S.  Thomé  levadas  para  esta  igreja  fo- 
ram transferidas,  depois  que  ella  se  arruinou,  para  a  igreja 
de  Corhm,  e  d  esta  para  a  igreja  parochial  de  Ribandar, 
onde  actualmente  estão  depositadas. 

Com>ento  do  Cc7r;«o.— Para  o  mesmo  lado  oriental  da  ci- 
dade acham-se  as  ruínas  da  igreja  e  convento  do  Carmo 

Esta  Igreja  e  convento  eram  de  uma  grandeza  e  magnifi- 
cência superior,  como  se  pôde  inferir  das  ruinas,  que  re- 
presenta o  desenho.  Em  virtude  da  carta  regia  de  2  de  abril 
de  1707,  mandou-se  entregar  ao  proposto  da  congregação 
do  Oratório  o  convento  denominado  do  Monte  de  Nossa 
Senhora  do  Carmo,  que  do  mesmo  tomou  posse  em  21  de 
dezembro  de  1709. 

S.  Paulo. ~Y>Toximo  das  ruinas  do  Carmo  encontram-se 
as  do  collegio  de  S.  Paulo. 

Em  1541  os  padres  MigueH-az,  vigário  geral,  e  Diogo  de 
Borba,  ambos  clérigos  seculares,  consultando  entre  si  sobre 
os  meios  convenientes  para  o  augmento  da  christandade 
de  Goa,  assentaram  em  instituir  uma  confraria  sob  a  pro- 


164  -^  índia 

teccão  e  governo  dos  homens  de  maior  zelo  e  poder,  tendo 
por  empreza:  perseguir  a  idolatria  e  farorecer  os  novos 
christãos.  Approvados  os  estatutos  da  projectada  confraria, 
com  o  titulo  de  Santa  Fé,  e  obtidos  os  donativos,  deu-se 
principio,  em  10  de  novembro  de  1541,  ás  obras  do  semi- 
nário na  rua  chamada  então  a  Carreira  dos  Cavallos.  Con- 
cluída em  menos  de  seis  mezes  a  construcção  da  casa  e 
igreja  sob  as  duas  invocações,  de  Collegio  de  S.  Paulo, 
orago  da  igreja,  e  Seniinario  da  Santa  Fé,  pelo  titulo  da 
confraria,  recolheu-se  nella  o  mestre  Borba,  seu  principal 
fundador,  com  sessenta  collegiaes,  aos  quaes  governava 
como  reitor,  e  doutrinava  como  mestre.  Estando  o  seminá- 
rio n'este  estado,  chegou  a  Goa  o  Apostolo  das  índias, 
S.  Francisco  Xavier,  em  6  de  maio  de  i542',  e  o  reitor,  co- 
nhecendo nelle  especial  talento  para  educar  a  mocidade, 
pediu-lhe  instantemente  para  tomar  o  governo  d'aquelle  se- 
minário, mas  não  conseguiu  resolvel-o  a  satisfazer  ao  seu 
pedido.  Tendo  posteriormente  chegado  a  Goa  o  padre  Paulo 
Camerte,  o  reitor  encarregou-o  de  leccionar  grammatica  e 
da  direcção  espiritual  dos  collegiaes.  Entretanto  S.  Fran- 
cisco Xavier  achava-se  na  Pescaria,  donde  voltou  a  Goa 
em  janeiro  de  1544,  trazendo  em  sua  companhia  alguns 
collegiaes,  que  foram  recebidos  no  mesmo  seminário. 

Este  collegio,  a  confraria  da  Santa  Fé  e  as  suas  rendas 
foram  então  entregues  a  S.  Francisco  Xaxier,  que,  accei- 
tando  o  encargo,  tomou  de  tudo  entrega  em  nome  da  nas- 
cente companhia  de  Jesus  em  Goa,  com  approvação  regia. 
Verificada  a  posse,  mandaram-se  construir  dois  edifícios 
distinctos.  Um  com  o  titulo  de  Seminário  da  Santa  Fé, 
era  dividido  em  duas  estancias,  sendo  uma  para  cem  me- 
ninos de  differentes  nações  orientaes,  e  orphãos,  filhos  de 
portuguezes;  e  a  outra  era  destinada  para  estudos  superio- 
res. Os  que  mostravam  vocação  para  as  letras,  e  boa  Ín- 
dole para  o  sacerdócio,  eram  passados  á  segunda  estancia, 
a  fim  de  se  applicarem  ali  áquelles  estudos;,  e  os  ineptos 
eram  despedidos,  ou  empregados  em  algum  officio,  e  pre- 


1; 


PORTUGUEZA 


\C)b 


enchidos  por  outros  os  seus  logares.  O  outro  edifício  sob  a 
denominação  de  collegio  de  S.  Paulo  foi  destinado  para 
habitação  dos  padres  da  companhia  de  Jesus. 

Em  virtude  das  recommendações  do  padre  mestre  Simão 
Rodrigues,  S.  Francisco  Xavier  entregou  o  governo  do  col- 
legio ao  padre  António  Gomes,  nomeando  coadjutores  es- 
pirituaes  os  padres  Paulo  Camerte,'  António  Criminal,  Ni- 


RUINAS  DO  CONVENTO  DE  S.   DOMINGOS 


colau  Lancelote  e  Aífonso  C3^priano.  Ordenado  por  este 
teor  o  governo  do  novo  seminário,  o  Santo  Apostola  em- 
barcou para  o  Japão. 

Achando-se  muito  arruinada  a  igreja,  foi  reedificada,  dan- 
do-se  maior  espaço  á  nova  construcção,  que  começou  em 
23  de  janeiro  de  i56o,  sendo  provincial  o  padre  António  de 
Quadros.  Em  i58i  foram  construídos  exteriormente,  para 


i66  A  índia 

maior  segurança  da  nova  igreja,  três  arcos,  por  baixo  dos 
quaes  passava  a  rua  da  Carreira  dos  Cavallos,  que  depois 
se  ficou  chamando  rua  de  S.  Paulo  dos  Arcos.  Foi  con- 
structor  destes  arcos  o  jesuíta  João  de  Faria,  auctor  da 
fundição  dos  caracteres  da  lingua  Tamul,  e  da  impressão 
de  diversas  obras  n'aquella  lingua. 

O  edifício  de  S.  Paulo,  como  outros  muitos  de  "S^elha 
Goa,  foi  demolido  entre  os  annos  de  1S29  a  i833  para  se 
edificar  com  a  pedra  d"elles  os  quartéis  e  diversas  casas 
particulares  da  cidade  de  Nova  Goa! 

Em  1 863  existia  um  extenso  palmar  no  logar  do  edificio,  res- 
tando deste  apenas  a  parte,  que  mostra  o  nosso  desenho. 

Capdla  de  S.  Francisco  Xavier. — Na  antiga  cerca  do 
coUegio  de  S.  Paulo  existem  ainda  hoje  as  ruínas  da  ca- 
pella  e  poço  de  S.  Francisco  Xavier. 

Esta  capella  era  a  mesma  em  que,  segundo  a  tradição, 
S.  Francisco  Xavier  costumava  celebrar  o  santo  sacrificío 
da  missa  e  ficar  por  horas  absorto  em  profunda  meditação 
até  dizer  anciado:  Não  mais.  Senhor,  não  mais;  tantas  con- 
solações l 

A  respeito  d"esta  -capella,  diz  o  padre  Sousa  que  fora 
construída,  conforme  a  tradição,  para  perpetuar  a  recor- 
dação do  referido  Não  mais;  que  era  toda  pintada  em 
quadros  da  vida  do  Santo,  e  que  todos  os  annos,  em  uma 
sexta  feira  da  quaresma  se  dedicava  ali  a  S.  Francisco  Xa- 
vier missa  solemne  e  pregação,  a  que  concorria  a  principal 
nobreza  de  Goa  \  que  as  noticias  escriptas  não  concordavam 
com  a  referida  tradição,  sobre  a  construcção,  porque  o 
padre  Manuel  Xavier  nas  suas  Breves  noticias  do  Oriente 
diz  que  o  mesmo  Santo  em  sua  vida  a  mandara  edificar, 
e  que  nella  dizia  missa,  e  por  isso  se  conservava  com  tan- 
ta veneração  e  decência;  que  bem  pôde  ser  que  a  mesma 
capella  fosse  uma  das  ermidas,  em  que  o  Santo  orava, 
quando  Deus  lhe  fez  aquelle  favor;  e  que  se  mudara  de- 
pois a  invocação,  concordando  doeste  modo  a  tradição  cs- 
crií^ita  com  a  oral. 


1 

I 


PORTUGUEZA  167 


Em  iS5(j,  pela  occasião  da  exposição  de  S.  Francisco 
Xavier,  mandou  o  ex."^°  conde  de  Torres  Novas  reparar  a 
capella  e  desobstruir  de  mato  o  caminho,  que  a  ella  con- 
duz, para  facilitar  o  transito  aos  devotos,  que  ali  vão  co- 
lher a  miraculosa  agua  do  poço,  junto  da  mesma  capella, 
como  se  vê  no  desenho. 

Castello  de  Benastmy.  — No  extremo  oriental  da  cidade 
de  Goa,  na  margem  direita  do  esteiro  que  de  Combarjua 
conduz  aTonca,  está  o  castello  de  Benastar}'. 

Depois  de  conquistado  ao  Hidal-Kan  por  Affonso  de  Al- 
buquerque em  2  de  abril  de  i5r2,  recebeu  este  castello  o 
nome  de  Fortale:[a  de  S.  Thiago,  pelo  qual  é  conhecido 
actualmente.  Fortaleza  mourisca,  celebre  na  historia  da 
conquista  de  Goa,  está  hoje  inteiramente  abandonada,  assim 
como  a  igreja  de  S.  Thiago  construída  em  1541,  restando 
apenas  as  ruinas,  que  representa  o  desenho. 

Fallando  d"esta  fortaleza  o  marquez  de  Pombal,  nas  In- 
strucções  que  em  nome  d"el-rei  D.  José  deu  ao  governador 
e  capitão  general  da  índia  em  1774,  diz  o  seguinte:  «Ha 
na  fortaleza  de  S.  Thiago  dezeseis  peças,  e  uma  delias  do 
género  de  canhão  de  disforme  grande-ay>.  E  annotando 
este  logar,  diz  o  secretario  Cláudio  Lagrange  Monteiro  de 
Barbuda:  «Mas  ainda  estava  assestado  em  1889,  sobre  os 
restos  de  um  baluarte  desta  fortaleza,  provavelmente  con- 
struída pelos  mouros,  esse  canhão  de  não  tão  disforme 
grandeza,  como  dizem  as  Imtrucçóes,  e  que  pelo  barão  de 
Candal  foi  mandado  recolher  no  arsenal,  a  fim  de  ser  aqui 
inaugurado  como  trophéu,  o  que  se  executou  em  1S40.  E 
verdadeiramente  um  pedreiro  do  comprimento  de  dezeseis 
palmos  e  meio,  e  de  quatorze  pollegadas  e  três  linhas  de 
calibre,  construído  de  ferro  e  em  barras  de  uma  pollegada 
de  largo,  convenientemente  reforçadas.  Alguns  escriptores 
lhe  dão  o  nome  de  mourisca,  talvez  por  ser  obra  dos  mouros» . 

Foi  no  arsenal,  que  desenhámos  este  pedreiro  ou  bom- 
barda, nome  pelo  qual  era  ali  mais  conhecido  este  trophéu, 
em  1870. 


iG8  A  índia  : 

Sajiía  Ln^ia. — No  caminho  que  da  cidade  conduz  a  Dau-  1 

gim  e  á  ilha  de  Combarjua,  está  edificada  a  igreja  da  Santa  ' 
Luzia,  cuja  construcção  é  anterior  ao  anno  de  1541. 

Madre  de  Deus.  —  Próximo  de  Santa  Luzia,  largando  o  ! 

caminho  de  Combarjua,  e  tomando  para  Daugim,  irá  o  vi-  ' 

sitante   encontrar,   a   muito  pouca  distancia,  as  ruinas  do  [ 

convento  da  Madre  de  Deus.  ; 

Este  convento  estabelecido  pela  ordem  dos  reformados  ! 

de   S.  Francisco,  foi  edificado   a  expensas   de  D.   Gaspar  ' 
de  Ornellas,  primeiro  arcebispo  de  Goa,  em  consequência 
de  uma  visão  que  teve.  Em  i5()()  o  illustre  arcebispo  doou-o, 

com  auctorisação  regia,  aos  religiosos  reformados  da  Ar-  i 

rábida,  que  tinham  sido  mandados  por  el-rei  D.  João  III  j 

em  i555,  sujeitando-o  á  custodia  do  Apostolo  S.  Thomé.  1 

Em  161 2  ajuntaram-se  a  este  convento  as  casas  de  Ma-  ■ 

laca  e  China,  e  em  1618  o  Capitulo  Geral  de   Salamanca  i 

elevou-o  a  Custodia  da  Madre  de  Deus  dos  religiosos  capu-  , 

chinhos  na  índia,  com  doze  con\entos.  Em  1622  foi  ainda  i 

elevado   á   categoria   de  província  do  mesmo  titulo,  pelos  '■ 

pontífices  Gregório  XV  e  Urbano  VIII,  por  bulia  de  2q  de  ■ 

outubro  de  ifviy.  Tinha  este  convento  uma  grandiosa  pisei-  ' 

na  na  margem  esquerda  do  Mandov\',  e  que  está  actual-  \ 

mente  abandonada.  ■ 

Era  n"esta  igreja  da  Madre  de  Deus  de  Daugim,  que  os  ; 
vice-reis  e  governadores  da  índia  portugueza  tinham  por 

costume  ir  todos  os  sabbados  de  tarde  fazer  oração;  prati-  ' 

ca  esta  que  durou  até  ao  tempo  do  vice-rei  conde  do  Rio  \ 

Pardo  (18 16).  i 

O  ex."^°  arcebispo  D.  João  Chr3'sostomo  de  Amorim  Pes-  ' 

soa  ordenou  a  trasladação  para  a  sé  primacial,  dos  restos  ; 

mortaes  do  seu  antecessor  D.  Gaspar  de  Ornellas,  que  es-  | 

tavam  depositados  n'esta  igreja;  o  que  se  fez  com  grande  «j 
solemnidade  e  apparato  no  dia  5  de  outubro  de  18(34. 

De  Daugim,  onde  os  vice-reis  tinham  um  palácio,  actual- 
mente em  ruinas,  dirigimo-nos  á  porta  de  S.  Braz,  aonde  se 
acha  a  tona  ou  barca  de  passagem  para  Combarjua,  e  atra- 


PORTUGUEZA 


169 


vessámos  o  canal,  que  separa  esta  ilha  da  de  Goa,  por  nor- 
deste. 

Tomámos  a  direcção  da  casa  da  administração,  que  es- 
tanceia  ao  norte  da  ilha,  em  frente  de  Marcella,  e  achámos 
ali  o  nosso  bom  amigo  o  ex.™  Ludovico  Xavier  Mourão 
Garcez  Palha,  proprietário  da  mesma  ilha'. 


ruínas  de  s.'  thome 


Manga. — Foi  em  Combarjua  que  pela  primeira  vez  tive- 
mos occasião  de  ver  esta  bellissima  fructa,  que  ainda  não  tí- 
nhamos visto  mais  formosa  neni  mais  agradável  ao  paladar! 

«São  fructos  das  mangueiras  da  ilha,  disse-nos  o  sr.  Lu- 
dovico, que  eu  tenho  procurado  elevar  á  ultima  perfeição, 


I  A  este  illustre  cavalheiro  foi  concedido  o  titulo  de  barão  de  Com- 
barjua, por  decreto  de  21  de  novenibro  de  i8G5. 


lyo  A  índia 

•por  meio  da  enxertia  de  garfo.  As  mangueiras  de  semente 
produzem  fructos  mais  pequenos,  menos  formosos  e  sabo- 
rosos, tendo  um  grande  caroço  muito  filamentoso,  como 
se  observa  nas  mangas  creadas  em  Bomba}',  na  nossa  Afri- 
ca, na  China  e  na  America.  Estas  quatro  variedades,  que 
aqui  vê,  quasi  sem  caroço  e  muito  polposas,  são  devidas  á  i 
enxertia  e  escolha  dos  garfos,  tirados  das  mangueiras  de 
melhores  castas,  conhecidas  pela  excellencia  dos  seus  fru- 
ctos, e  aos  cuidados  especiaes,  que  dispensamos  a  mangt- 
fera  indiana,  que  prospera  aqui  melhor  do  que  em  outra 
qualquer  região  agrícola  do  globo.» 

A  mangueira,  mangifera  indica,  de  Linneu,  ou  ambô, 
como  se  denomina  em  concan}',  é  a  rainha  das  arvores 
fructiferas.  Attinge  um  grande  porte,  e  dá  uma  excellente 
madeira  de  construcção.  Tem  as  folhas  simples,  e  as  flores 
em  paniculas.  O  cálice  tem  cinco  divisões,  a  corola  cinco 
pétalas  longas,  e  cinco  estames;  o  estilete  e  estigma  são 
simples,  e  o  fructo  é  oblongo,  amarellado,  rosado,  ou  ver- 
de escuro  sobre  o  mesmo  pedúnculo.  As  mangas  chamadas 
affonsas  tem  forma  de  coração  humano.  As  fernandinas 
são  propriamente  reniformes,  grossas  como  uma  pêra,  si- 
milhante  á  variedade  denominada  em  Portugal,  de  Rio 
frio,  e  de  cheiro  e  sabor  muito  agradáveis;  o  caroço  é 
oblongo,  achatado  e  filamentoso  no  exterior.  Cultiva-se  em 
toda  a  nossa  índia  uma  grande  quantidade  de  variedades 
da  mesma  espécie,  sendo  as  mais  apreciadas  as  designadas 
ajfonsas,  fernandinas,  collaças  e  as  carreiras. 

A  mangueira  reproduz-se  por  semente*,  e  para  conservar 
certas  castas  estimáveis,  que  a  semente  abastarda,  costu- 
mam enxertal-as.  i 

Os  enxertos  são  feitos  em  differentes  epochas,  mas  com  i 
especialidade  no  mez  gentílico  xravonna,  agosto,  durante  ■ 
a  influencia  da  estrella  Mogô.  ; 

Combarjua. — Depois  de  conquistada  pelos  portuguezes, 
esta  ilha  foi  concedida  em  mercê  por  três  vidas  a  Jorge 
Dias  Cabral,  por  carta  regia  de  23  de  março  de  i545,  Cj  \ 


í 


PORTUGUEZA 


171 


annos  depois  passou  aos  Jesuitas,  que  a  possuíram  até  á 
extincção  da  companhia.  Por  carta  regia  de  3o  de  maio 
de  18 10,  foi  novamente  concedida  em  mercê  a  favor  do 
chefe  de  esquadra,  Cândido  José  Mourão  Garcez  Palha, 
igualmente  por  três  vidas.  Posteriormente  passou  a  ser  pos- 
suida  pelo  conselheiro  Joaquim  Mourão  Garcez  Palha,  e 
por  morte  d'este,  entrou  na  posse  delia  o  sr.  Ludovico, 
i.°  barão  de  Combarjua,  como  representante  da  nobre 
familia  Garcez  Palha.  O  celebre  poeta  Bocage  passou 
aqui  descuidosos  dias,  apreciando  muito  este  delicioso  re- 
tiro. 

Casa  da  administração. — N"esta  casa  foi  estabelecida  em 
1794  uma  fabrica  de  tecelagem,  que  apenas  durou  três 
annos.  Pertence  actualmente  ao  2.°  barão  de  Combarjua, 
Thomaz  d'Aquino  Mourão,  sobrinho  e  genro  do  i .°  barão, 
e  filho  do  intelligentissimo  e  erudito  i .°  visconde  de  Bucel- 
las.  Cândido  José  Mourão  Garcez  Palha. 

Foi  a  ilha  de  Combarjua  terra  natal  de  ricos  negociantes 
gentios,  que  tinham  as  suas  casas  de  commercio  na  rua 
dos  P annos,  da  cidade  velha  de  Goa,  e  do  rico  e  poderoso 
Rama  Custam  Sinaiy,  cognominado  Godecar,  ou  homem 
de  grande  estado,  que  foi  morto  traiçoeiramente  no  canal 
de  Daugim,  por  haver,  com  suas  queixas  perante  el-rei  de 
Portugal,  feito  recolher  ao  reino  alguns  vice-reis  e  minis- 
tros, que  lhe  eram  desaffeiçoados. 

Actualn-iente  ainda  aqui  reside  a  familia  do  capitalista 
Purxotoma  Sinay  Quencró'  e  muitas  outras  notáveis  famí- 
lias de  gentios. 

Palmeiras. — As  palmeiras,  acham-se  sobretudo  nas  re- 
giões tropicaes.  No  hemispherio  austral  não  passam  alem 
i  de  38°  de  latitude,  e  o  seu  verdadeiro  clima,  segundo  M. 
D.  Humboldt,  é  aquelle  em  que  a  temperatura  media  se 


'  A  este  sympathico  gentio,  amigo  dos  europeus,  foi  dado  o  titulo 
de  barão  de  Calapor,  por  decreto  de  26  de  junho  de  1873. 


172 


A  índia 


eleva  entre  19°  e  20°  centígrados.  Em  geral,  cada  espécie 
tem  limites  fixos,  que  raramente  ultrapassa;  entretanto, 
algumas  estão  espalhadas  sobre  dilatado  espaço;  taes  são 
os  coqueiros. 

No  território  da  índia  portugueza  existem  as  seguintes 
espécies  de  palmeiras,  de  que  temos  conhecimento:  jSIaddo 
ou  coqueiro  fCocus  nucifera);  maddy  ou  arequeira  (Areca 
catecliu);  bivla-inahar  ou  palmeira  brava  (Caryota  tireusj; 
cajuri  (Phoomx  sihestris);  pannaddo,  (Borassus  jlabdli- 
formis);  tamareira  (Dattierj;  a  palmeira  Doiim  ou  da  The- 
baida,  {Cucifera  íhcbaicaj;  e  a  Corypha  umbra-culifera,  de 
Linneu. 

Sobranceira  a  todas  as  arvores,  e  superior  a  ellas  não 
somente  pela  belleza  e  magestade  do  seu  porte,  mas  ainda 
pela  sua  utilidade,  eleva-se  na  índia  portugueza  o  coqueiro. 

Coqueiro. —  O  coqueiro,  quinta  tribu  da  familia  das  pal- 
meiras, é  um  vegetal,  que  se  eleva  magestoso  até  20  ou  26 
metros,  e  abrange  na  base  2,5  a  3  metros.  A  sua  longevi- 
dade é  calculada  em  cem  a  cento  e  cincoenta  annos.  Tem 
flores  monoicas,  sustentadas  sobre  a  mesma  spadice,  spatha 
7nonophj'Ua;  flores  masculinas;  seis  estanies,  acompanhados 
de  um  ovário  rudimentar;  flores  femininas;  ovário  simples; 
est3'lete  nullo;  estigma  sessil,  trilobulo;  fructo  drupaceo, 
muito  grosso,  oval  ou  elliptico,  trigoneo,  tendo  approxima- 
damente  o'^.22  de  eixo  maior,  incluindo  uma  massa  monos- 
perma.  O  epicarpo,  sonnam-sáli,  é  coriaceo;  o  mesocarpo, 
cathô  ou  cairo,  fibroso,  e  o  endocarpo,  cortti  ou  cherêta,H 
coreacea,  munida  de  três  orificios  ou  olhos  na  base,  e  em-  * 
bryão  muito  pequeno. 

Os  productos  do  coqueiro,  quer  em  espécie,  quer  ma-IJ 
nipulados,  constituem  um  importantíssimo  ramo  da  indus-|.| 
tria  agrícola  do  território  cidade  de  Goa,  e  o  mais  rico'| 
ramo  da  exportação.  '  \ 

Conforme  o  mappa  oíficial,  a  exportação  em  1861  foi  de^  j 
19.986:380  cocos.  A  parte  dos  que  foram  transportados) |l 
em  embarcações  nacionaes,  rendeu  de  imposto  10:616  xe-|^ 


PORTUGUEZA 


173 


rafins,  i  tanga  e  16  réis,  e  a  que  foi  transportada  em  em- 
barcações estrangeiras  rendeu  11:877  xerafins,  2  tangas  e 
27  réis.  Alem  d"isto  exportaram-se  também,  livres  de  di- 
reitos para  as  praças  de  Damão  e  Diu  5 19: 55o  cocos,  afora 
uma  grande  quantidade  de  candis  de  cópra,  ou  amêndoa 


ruínas  do  COLLEGIO   de  S.    PAULO 


de  coco  depois  de  secca,  que  é  igualmente  exportada  paca 
diversos  pontos  do  Industão.  A  producção  em  1878  foi  cal- 
culada em  39.913:440  cocos,  produzindo  a  sua  exportação 
jem  1878-1879  a  quantia  de  385:ooo;j5^ooo  réis. 
i     Os  proprietários  de  palmares  do  território  de  Goa,  pa- 
igavam,  a  titulo  de /oro,  á  fazenda  publica,  segundo  o  orça- 


174  -^  i^'^'-'^  i' 


mento  de  i8()4-i8G5,  415:486  xeratins,  4  tangas  e  lo  reis  h 
annuaes;  e  por  cada  palmeira  á  sura  pagavam  por  anno  2  i 
tangas  de  imposto,  importando  a  sua  totalidade  cm  17:442  i; 
xerafins,  2  tangas  e  3o  réis'.  \'. 

O  fructo  do  coqueiro  tem  na  índia  portugueza  diversas  !j 
denominações,  conforme  o  seu  estado  de  desenvolvimento.  ;l 
Assim,  chama-se  bondy  ao  coco  apenas  despido  dos  cnvo-  ;i 
lucros  floraes,  e  bondo  áquelle  em  que  começa  a  apparecer  '• 
o  albumen-episperma  ou  corói;  denomina-se  7'l7;;;^  o  côco  Íj 
destituído  de  catholy,  endosperma  ou  amêndoa,  e  que,  '1 
cortado  ao  meio,  serve  para  esfregadores.  ;; 

Morem  é  o  còco-barico  ou  doce,  isto  é,  o  côco  perfeito,  j  i 
mas  destituído  de  substancia  oleosa',  e  por  isso  constitue  ;( 
um  alimento  gostoso  e  salubre. 

Xdrio  é  o  fructo  do  coqueiro,  perfeitamente  maduro  e  1 1 
de  um  tamanho  regular*,  c  o  mesmo  fructo  a  que  os  portu-  j| 
guezes  europeus  dão  o  nome  de  côco.  j  { 

Os  indígenas  de  Goa  chamam  cóco-lauho  ao  fructo  do  ji. 
coqueiro,  que  ainda  não  tem  attingido  o  seu  perfeito  crés-  j| 
ciniento.  Sia/c})i  ou  adsord  ao  côco  quasi  perfeito,  cujo  en-  ii 
docarpo  ainda  se  acha  cheio  de  uni  liquido  refrigerante  ;  1 
agri-doce,  que  se  utilisa  como  refresco. 


í 


i  i 


I  O  imposto  do  abkari,  creado  pelo  regulamento  approvado  pela 
portaria  n.o  852  de  29  de  dezembro  de  1870,  substituiu  os  impostos 
antigos  (vide  o  relatório  da  gerência  do  commissariado  do  sal,  abkari 
e  alfandegas  da  índia  portugueza  pelo  commissario  o  sr.  Joaquim  José  :  r 
Fernandes  Arez,  Lisboa,  1884).  A  taxa  de  palmeiras  era  de  i  rupia  annual  1  ;i 
por  cada  coqueiro,  e  de  o,5  rupia  por  cada  palmeira  brava  ou  cajuri  j  ji 
(date  tree)  em  virtude  do  artigo  7.0  do  regulamento  do  abkari  n.o  852  }  .'| 
de  3 1  de  dezembro  de  1879;  mas,  desde  o  quarto  anno  do  tratado,  i5  ■  ji 
de  janeiro  de  i883  a  14  de  janeiro  de  1884,  passou  o  coqueiro  a  pagar  j 
2  rupias,  e  a  palmeira  brava  e  o  cajuri  1/2  rupia  annualmente.  A  rupia  é  1 : : 
igual  a  400  réis  fortes,  e  divide-se  em  16  tangas,  segundo  a  convenção  {»;: 
anglo-portugueza.  A  contar  do  \fi  de  janeiro  de  i885,  as  palmeiras  la-  ,  t 
vradas  á  sura  ficam  sujeitas  no  território  de  Goa  ao  imposto  annual  de  1  j 
4  rupias  por  cada  arvore,  e  no  districto  de  Damão  ao  de  5  rupias  (por-  í  \ 
taria  provincial  do  \S>  de  fevereiro  do  mesmo  anno). 


FORTUGUEZA  1^5 

Madoco  é  como  se  denomina  o  coco  colhido  antes  da 
completa  madureza,  e  que,  por  não  dar  leite,  nem  óleo, 
se  utilisa  como  alimento. 

Ao  coco  que  contém  muita  agua  adocicada,  e  pouca 
catholv,  endosperma  ou  miolo  farináceo,  chama-se  iidocó- 
raii-;  ao  privado  de  agua,  e  com  endosperma  pouco  consis- 
tente e  farináceo,  coh>au-  ou  colyan-a;  e  ao  coco  maduro, 
mas  de  pequeno  desenvolvimento,  quitóca. 

Emfim,  dá-se  o  nome  de  biadòco  ao  coco  destinado  á 
reproducção. 

Os  gentios  dão  ao  coqueiro  a  denominação  de  calpá- 
iiruxá,  isto  é,  arvore,  que  só  por  si  preenche  os  fructos  da 
natureza;  e  consideram-no  como  emblema  da  liberalidade. 

O  coco  é  pelos  gentios,  não  brahmanes,  olhado  como 
symbolo  díi  felicidade;  e  pelos  christãos  como  emblema  da 
subtil e:^a. 

O  coco,  principalmente  depois  de  secco,  é  também  em- 
pregado pelos  gentios  nas  ceremonias  de  seus  casamentos, 
e  nas  qhetrapu-as,  sacrifícios  que  fazem  a  seus  Ídolos. 

As  senhoras  de  Goa  dizem  que  sonhar  que  se  colhem 
cocos,  significa  aborrecimento;  comer  cocos  maduros,  ale- 
gria; comel-os  verdes,  imprudência;  servir-se  da  copra, 
negocio  descurado  e  em  mau  estado;  offerecer  um  coco 
a  uma  senhora,  penas  do  coração;  sonhar  com  um  palmar, 
abundância  e  prazeres. 

Todas  as  partes  de  que  se  compõe  o  coqueiro  são  igual- 
mente de  reconhecida  utilidade;  e  por  isso  os  battcares,  ou 
palmeireiros,  na  sua  linguagem  metaphorica,  appellidam 
esta  arvore  o  Pataxyá-ruqliá  —rei  das  arvores  —  .  E  com 
efteito,  é  ella  para  os  povos  das  regiões  tropicaes  mais  útil 
e  de  muito  mais  serventia,  que  nenhuma  outra  arvore,  por- 
que substitue,  até  certo  ponto,  todas  as  producções  da  na- 
tureza. 

O  coqueiro  dá  assucar,  vinho,  vinagre,  óleo,  agua,  leite, 
madeira  e  filaça.  Da  casca  que  reveste  o  coco  fazem-se 
mais  de  mil  primores  de  arte. 


176 


A  índia 


O  espique  da  palmeira  serve  para  madeiramentos  das 
casas,  e  as  ólas  ou  palmas  tecidas,  alem  de  outros  muitos     j 
usos,  servem  para  recobrir  as  mesmas  casas  ou  garás.  j 

Na  summidade  do  coqueiro  acha-se  um  grosso  palmito,     \ 
chamado  miirindo  pelos  indígenas,  que  offerece  um  bom 
alimento^   mas   como  o   seu  arrancamento  traz  após  si  a 
morte  da  arvore,  não  se  faz  uso  d'elle,  seucão  quando  ella 

se  abate. 

Palmar.— O  coqueiro  é  designado  vulgarmente  pelo  no- 
me de  palmeira.  D" aqui  deriva  o  solo  plantado  de  coqueiros 
o  seu  nome  de  palmar  ou  hatt. 

Palmar  é,  pois,  uma  extensão  de  terreno,  cortado  de  li- 
nhas parallelas  equidistantes,  formando  muitos  quadrados    ^ 
de  7  a  10  metros  de  lado,  tendo  em  cada  angulo  d"esses    ' 
quadrados  uma  palmeira  ou  coqueiro. 

O  coqueiro  reproduz-se  por  semente.  Os  cocos  para  se- 
mente denominam-se,  como  dissemos,  biadòcos  e  são  esco- 
lhidos de  uma  palmeira  vigorosa  e  de  boa  qualidade:  devem 
ter  o  hilo  ou  olho  grande,  e  o  epicarpo,  sonnam-sáli,  ou 
solnachi-cati,  isto  é,  a  casca  exterior  bem  lisa,  e  ligeira- 
mente rosada,  e  serem  colhidos  á  mão,  depois  de  bem  ma- 
duros. 

Os  que  melhor  cultivam  o  coqueiro,  antes  de  semearem 
os  cocos,  collocam-os  n  um  viveiro,  ainna,  com  os  hilos 
para  cima,  expondo-os  á  acção  dos  raios  solares  até  que 
germinem.  Depois  abrem  covas  ou  némas  no  mesmo  vi- 
veiro, de  modo  que  os  cocos  enterrados  n"ellas  venham  a 
ficar  somente  com  3  a  4  centímetros  de  terra,  mátte,  so- 
bre o  hilo,  para  que  com  as  regas  diárias  ou  em  dias  al- 
ternados, o  murindo  ou  ramo  primordial  do  novo  coqueiro  f 
venha  gradualmente  apparecendo  á  superfície  do  solo  na  ji 
proporção  em  que  a  terra  desce  com  o  peso  da  agua.  [; 

Nas  covas  costuma-se  deitar  algum  sal  commum  mistu-  \ 
rado  com  cinza,  para  facilitar  o  desenvolvimento  da  germi-  jj 
nação,  e  evitar  que  o  caria,  ou  formiga  branca,  nos  terre-  ji 
nos  onde  costuma  apparecer,  damnifique  as  sementes.  \' 


PORTUGUEZA 


// 


Logo  que  a  palmeirinha  tem  attingido  o  desenvolvimento 
de  o^^iSo  a  o'", 40  de  altura,  está  apta  para  ser  transplan- 
tada. 

Segundo  a  boa  ou  má  qualidade  da  terra,  e  a  profundi- 
dade a  que  forem  enterrados,  assim  os  cocos  levam  de 
quatro  a  nove  mezes  para  nascerem  no  viveiro. 

A  transplantação  do  coqueiro  é  feita,  por  uns,  na  estrel- 


CASTELLO  DE  BENASTARY 


la  gentílica  Boromim,  isto  é,  de  24  de  abril  a  7  de  maio, 
ou  em  agosto,  na  estrella  Mogó;  e  por  outros  do  mez  de 
novembro  em  diante,  na  conjuncção  da  lua  nova.  Esta  ujti- 
ma  epocha  é  a  preferível,  por  se  poderem  enterrar  as  pal- 
meirinhas  em  covas  sufficientemente  fundas,  sem  se  dar  o 
inconveniente  de  apodrecerem  as  raizes  com  a  demasiada 
humidade  do  solo,  como  succede  nas  outras  epochas  da 
quadra  pluviosa. 


>7« 


A   índia 


Na  disposição  do  terreno  para  a  plantação  das  palmeiri-  jj 

nhãs  deve-se  ter  em  vista  as  dimensões  dos  canteiros,  em  l| 

que  se  costuma  dividir  o  palmar.  i; 

Os  canteiros  são  ordenados  de  modo  tal,  que  compor-  !| 

tam  somente  seis  a  oito  palnieiras,  por  assim  se  conserva-  !; 

rem  mais  tempo  em  bom  estado;  e  quando  precisam  de  ;i 

concertos,  são  estes  de  mais  fácil   execução   e   de   menor  ii 

despeza.  .j 

A  distancia  media  a  que  devem  ficar  umas  palmeiras  das  ij 

outras  é  de  7  a  IO  metros  quadrados-,  porém  nos  plantios  ;í 

dos  vallados.  aonde  as  palmeiras  ficam  em  linha  e  desas-  ',■ 

sombradas  de  um  e  outro  lado,  deve  aquella  distancia  ser  i' 

reduzida  de  4  a  d  metros.  í; 

As  palmeiras  plantadas  nos  vallados  denominados  donpa- 
niá-chem,  que  orlam  a  margem  dos  rios  de  agua  mixta, 
como  nos  terrenos  de  cultura  de  vangana,  são  os  que  me- 
lhor e  mais  cedo  se  desenvolvem. 

O  bãttcaró  ou  hattcar  emprega  cuidados  e  despezas  em- 
quanto  o  coqueiro  não  chega  á  putd-etd,  ou  epocha  de  co- 
meçar a  dar  o  fructo;  o  que  tem  logar  depois  de  seis  annos, 

contados  da  data  da  transplantação  da  palmeirinha,  sendo  jj 

convenientemente  tratada.  •  } 

Disposta  a  palmeirinha  no  logar,  em  que  deve  desenvol-  !^ 

ver-se  e  fructificar,  como  os  palmares  são  geralmente  pas-  j^ 

sagem  publica  e  vivenda  dos  manducares,  e  as  palmeirinhas  jj 

estão  sujeitas  a  serem  destruídas  pelos  gados  d'estes  colo-  |j 

nos   agrícolas  indígenas,    é   conveniente  resguardal-as  por  j^ 

meio  de  um  cercado,  que   deve  ser  construído  de  modo  j! 

que.  protegendo  a  tenra  planta,  a  não  príve  do  sol  e  da  í 

indispensável  ventilação,  e  se  possa  desmanchar  facilmente,  il 

quando  for  mister  mobilisar  a  terra  em  que  a  palmeirinha  |; 

está  fixada  e  da  qual  tira  o  seu  sustento.  | 

Emquanto  as  palmeirinhas  não  tiverem  adquirido  o.  vi-  ji 

gor  necessário  para  estenderem  suas  raizes  a  pontos  mais  J! 

ou  menos  distantes,  a  fim  de  procurarem  os  elementos  de  11 

nutrição,  que  porventura  lhes  faltem  junto  de  si.  é  preciso  1 


J 


i 


• 


PORTUGUEZA  I^í) 


regal-as,  porque  scmii  o  auxilio  de  uma  apropriada  e  con- 
veniente irrigação,  as  palmeirinhas  ficarão  enfezadas,  só 
muito  tarde  darão  fructo,  e  este  será  sempre  de  inferior 
qualidade. 

As  regas  devem  ser  diárias,  ou  reguladas  conforme  a 
natureza  do  terreno,  e  em  todo  o  tempo  decorrido  desde 
novembro  até  princípios  de  junho  do  anno  immediato. 

Durante  os  dois  primeiros  mezes  da  rega,  alem  da  cinza 
e  do  sal,  que  se  lançou  na  cova  por  occasiao  da  transplan- 
tação, deve-se  também,  quando  se  julgar  conveniente,  dei- 
tar alguma  cinza  em  roda  do  pé  da  planta. 

A  formação  dos  canteiros  de  que  já  falíamos,  deve  ter 
logar  quando  as  palmeirinhas  tiverem  bastante  robustez,  o 
que  acontece  aos  três  annos  de  idade,  para  evitar  o  incon- 
veniente de  apodrecerem  as  raizes,  principalmente  com  a 
demasiada  quantidade  de  agua  que  os  terrenos  recebem 
durante  a  quadra  das  chuvas.  Passados  os  primeiros  três 
annos,  quanta  mais  agua  receberem,  tanto  melhor  para  o 
seu  progressivo  desenvolvimento. 

As  palmeiras  devem  ficar  mais  ou  menos  afastadas  umas 
das  outras,  conforme  a  riqueza  ou  pobreza  do  terreno,  em 
que  se  plantarem. 

Em  terrenos  ubérrimos,  como  as  palmeiras  tomam  então 
maiores  proporções,  é  conveniente  que  fiquem  mais  afas- 
tadas, para  que  umas  não  privem  as  outras  de  gosar  ple- 
namente da  influencia  dos  agentes  meteorológicos-,  e  nos 
terrenos  fracos,  posto  que  as  palmeiras  se  não  desenvolvam 
tanto  como  nos  fortes,  e  por  isso  não  embaracem  umas  ás 
outras  a  circulação  do  ar,  ainda  assim  não  devem  ficar 
muito  juntas,  para  as  suas  raizes  poderem  colher  da  maior 
extensão  do  terreno  os  princípios  nutritivos,  que  as  planta- 
das em  boas  terras  tiram  de  menor  espaço. 

Correctivos.  —  São  dois  os  systemas  pelos  quaes  se  cos- 
tuma corrigir  os  palmares.  O  primeiro  consiste  em  espa- 
lhar os  correctivos  por  todo  o  terreno,  e  denomina-se  entu- 
Uio  d  rãyã;  o  segundo,  em  deitar  os  correctivos  ao  redor 


1 

Vt 

i8o  A  índia  I 

— — ■    ] 

1 

do  pé  das  palmeiras,  e  chama-se  entulho  ao  pé.  Este  ultimo  ' 

processo,  que  tem  por  fim  fornecer  á  palmeira  maior  som-  j 

ma  de  elementos  nutritivos  em  menos  tempo,  pratica-se  de  i 

três  em  três  ou  de  quatro  em  quatro  annos.  Tem  a  vanta-  \ 

gem  de  augmentar  a  fertilidade  da  terra,  mas  o  inconve-  ; 
niente  de  lha  conservar  por  pouco  tempo,  quando  não  for 
bem  applicado. 

O  entulho  ou  piidti  deve  ser  feito  com  terra  de  differente  j 

qualidade   do  terreno   do  palmar,   e  executado   quando  a  | 

terra   estiver  bem   enxuta,  isto  é,   desde  os  princípios  de  j 

janeiro  até  i5  ou  20  de  maio.  ',; 

Para  evitar  o  inconveniente  da  palmeira  crear  mais  raizes  ; 

á  superfície  do  solo,  do  que  a  uma  certa  profundidade,  oí-  | 

ferecendo  n'este  ultimo  caso  mais  garantia  de  estabilidade  i 

e  de  prolongada  e  regular  nutrição,  antes  de  se  deitar  o  j 

entulho  junto  da  palmeira,  deve-se  abrir  uma  funda  caldei-  { 

ra  ou  alcnga,  como  lhe  chamam  no  paiz,  e  lançar  dentro  j 
d'ella  a  nova  terra,  de  maneira  que  fique  ao  nivel  do  plano 
do  palmar.  De  se  não  proceder  d"este  modo,  e  accumular 
a  terra  em  torno  do  pé  da  palmeira,  seguir-se-hão  estes 
inconvenientes : 

i.o  Por  occasião  das  chuvas  a  agua,  que  escorre  pelo 

stipe,  arrastará  comsigo  a  terra  para  longe  do  logar  em  j 

que  se  lançou;  í 

2.°  Ficará  a  descoberto  uma  grande  parte  das  raizes  su- 

perficiaes  do  vegetal-,  e  por  este  motivo  as  extremidades  f 

radiculares  estarão  privadas  de  absorver  os  saes  e  soluções  I 

alimentares  necessárias  á  sua  nutrição;  (i 

3.°  A  palmeira  ficará  sujeita  a  ser  mais  facilmente  desar-  j' 

reigada  pelos  ventos;  ;■ 

4.°  Faltando-lhe  o  cubo  de  terra,  d'onde  as  raizes  su-  }• 

perficiaes  tiravam  uma  grande  parte  da  nutrição  da  palmei-  (; 

ra,  esta  dará  poucos  fructos  e  de  inferior  qualidade;  ; 

5.°  Finalmente,  para  o  battcar,  não  ver  definhar  o  seu  i\ 

palmar,  será  obrigado  a  proceder  quasi  annualmente  a  no-  •] 

vos  entulhos,  e  a  despender  maior  quantidade  de  capitães.  ,1 


PORTUGUEZA 


I8l 


O  entulho  á  ra'{a,  ou  o  entulho  feito  em  todo  o  palmar, 
tem  a  vantagem  da  economia  por  ter  de  se  fazer  raríssi- 
mas vezes,  a  de  distribuir  uniformente  a  alimentação  por 
todas  as  palmeiras,  a  de  não  ser  arrastado  pelas  chuvas,  a 
de  facilitar  os  labores  do  terreno,  e  finalmente,  a  de  ollere- 
cer  maior  ponto  de  apoio  ás  arvores. 

Alem  da  necessidade,  que  ha  de  corrigir  de  tempos  a 
tempos  o  terreno  do  palmar,  é  também  preciso  fornecer 
annualmente  ás  palmeiras  os  adubos  de  que  carecem,  pa- 
ra darem  bons  e  abundantes  fructos. 


BOMBARDA 


Os  adubos  que  mais  aprazem  ás  palmeiras  são  o  sal,  o 
lodo  dos  esteiros  e  a  cinza.  Estes  adubos  devem  ser  mi- 
nistrados pela  maneira  seguinte: 

Passada  a  maior  força  do  tempo  chuvoso,  quando  a  terra 
ainda  receber  uma  conveniente  quantidade  de  aguas  plu- 
viaes,  o  que  succede  no  mez  de  agosto,  abrem-se  as  caldei- 
ras em  volta  de  cada  palmeira,  e  circumda-se  o  pé  com 
i'/2  medida  de  sal  commum,  misturado  com  folhagem  de 
arvores,  para  lhe  fornecer  o  húmus  indispensável.  Na  falta 
de  sal,  é  costume  substituil-o  por  quatro  cestos  de  lodo 
fresco,  ou  três  de  lodo  salgado,  reduzido  a  pó,  sendo  tam- 


l82  A  índia  » 

~ '. i 

bem  empregadas  com  vantagem  as  cinzas  provenientes  da     * 
combustão  de  palha  produzida  nas  várzeas  salgadas,  ou  de     -j 
outros  combustíveis  queimados  na  cozinha.  Estas  substan-     'j 
cias  devem  ficar  expostas  ao  ar  até  ao  fim  da  quadra  plu- 
vial para  o  sal  ser  bem  dissolvido,  e  as  cinzas  perderem  a 
sua  causticidade. 

Amanhos  seciiiidarios. —  Consisteni  os  amanhos  secunda-      ; 
rios  no  seguinte:  ' 

I .°  Em  conservar  sempre  limpo  o  palmar  de  quaesquer     i, 
hcnddassi  ou  arvores,  arbustos  e  outros  plantas,  que  pos- 
sam impedir  o  livre  desenvolvimento  das  palmeiras*, 

2.°  Reformar  os  canteiros,  em  que  se  divide  o  palmar, 
para  reprezarem  a  agua  das  chuvas,  a  fim  de  que  o  terre- 
no fique  bem  saturado,  mas  de  modo  que  o  não  alague,  a 
ponto  da  humidade  prejudicar,  por  demasiada,  as  raizes 
das  palmeiras.  Para  evitar  este  inconveniente,  devem  os 
cômoros  ser  feitos  do  meado  de  julho  em  diante,  depois  de 
haver  passado  a  maior  força  das  chuvas  e  das  ventanias. 

3°  Pela  epocha  do  Mogó,  que  tem  logar  na  segunda 
quinzena  de  agosto,  em  que  as  chuvas  e  os  ventos  amainam 
sensivelmente,  deve-se  começar  a  lavrar  os  palmares-.  A 
lavra  deve  ser  funda  e  repetida,  para  que  as  raizes  das 
palmeiras  se  possam  estender  livremente  pelo  maior  cubo 
de  terra,  e  tirar  assim  maior  somma  de  princípios  nutriti- 
vos . 

4.°  Quando  terminam  as  chuvas  do  mar  e  de  terra  e  a 
viração,  acalmada  por  um  periodo  de  três  mezes,  começa  a 
soprar  suavemente,  desfazendo  pela  sua  benéfica  acção  as 
densas  massas,  que  annuviavam  a  atmosphera  nos  mezes 
anteriores  ao  de  setembro,  chega-se  a  terra,  extrahida  das 
caldeiras,  ou  melhor  ainda  nova  terra,  para  os  pés  das  pal- 
meiras, mas  de  modo  que  o  palmar  fique  o  mais  ni^"elado 
possível. 

Epiphytias. — A  maior  parte  das  doenças  que  acommet- 
tem  as  palmeiras,  provém  do  solo  e  da  exposição  pouco 
adaptada  á  sua  natureza,  das   intempéries  atmosphericas. 


ê 


PORTUGUEZA  l83 


da  falta  de  tratamentcj,  de  irritações  e  feridas  produzidas 
por  plantas  parasitas,  por  animaes  e  principalmente  por 
insectos*,  e  finalmente,  por  outros  quaesquer  agentes  desor- 
ganisadores. 

A  seccura  e  pobreza  do  solo,  e  a  privação  da  acção  da 
luz,  produz  a  debilidade  das  palmeiras.  Esta  doença  mani- 
festa-se  por  uma  vegetação  frouxa,  pela  queda  antecipada 
de  parte  de  suas  folhas  e  fructos,  pela  cor  amarellada  d"a- 
quellas  e  pelo  enfezamento  destes. 

O  seu  curativo  consiste  na  correcção  e  irrigação  do  ter- 
reno e  nos  bons  amanhos  e  adubos.  Ha  uma  espécie  parti- 
cular de  debilidade,  que  se  denomina  estiolamento,  e  que 
se  conhece  pela  côr  amarellada,  que  as  folhas  da  palmeira 
adquirem,  quando  os  raios  do  sol  as  não  excitam,  quando 
a  luz  não  promove  a  decomposição  do  acido  carbónico, 
ou  emtim,  quando  o  terreno  é  demasiadamente  húmido.  O 
tratamento  desta  doença  consiste  na  remoção  das  suas 
causas,  desassombrando  a  palmeira,  e  desseccando  o  ter- 
reno da  humidade  superabundante. 

O  subsolo  impermeável  ou  excessivamente  rico,  produz  a 
doença  chamada  viço  ou  plcthora,  a  que  muitos  palmeireiros 
chamam  mondolini  ou  inonddólli.  Esta  enfermidade  mani- 
festa-se  primeiramente  por  uma  vegetação  luxuriante,  pouco 
tempo  depois  as  folhas  destacam-se  da  palmeira,  as  ílores 
attingindo  maiores  dimensões  do  que  no  estado  normal, 
tornam-se  estéreis,  e  os  cocos  não  chegam  a  formar-se  ou 
caem  antes  da  maturação.  O  mondolim,  com  a  forma  de 
endemia,  em  determinados  sitios,  ataca  e  mata  rapidamente 
um  elevado  numero  de  palmeiras.  O  seu  tratamento  radi- 
cal é  ainda  desconhecido:,  entretanto,  o  que  se  costuma 
applicar  como  preservativo,  consiste  na  sangria  da  palijiei- 
ra,  feita  por  meio  da  perfuração  no  stipe,  na  amputação 
de  algumas  raizes  mais  profundas,  no  empobrecimento  do 
terreno  por  meio  da  plantação  de  vegetaes  esgotantes',  isto 
e,  de  plantas  cujas  raizes  penetrem  bem  no  solo,  e  tam- 
bém na  correcção  pela  cal  e  pela  sihca. 


i84 


A  índia 


Alem  d'estas  doenças  que  acommettem  as  palmeiras  pela 
raiz,  estão  ellas  ainda  sujeitas  a  outras  produzidas  no  stipe, 
e  são  os  ferimentos,  as  contusões  e  a  perfuração  longitu- 
dinal feita  pela  larva,  denominada  pelos  indígenas  rontó,  e 
pelo  insecto  chamado  bomóro,  que  fere  tanto  o  stipe  da 
palmeira,  como  as  suas  spadices. 

Em  1854  uma  doença  até  então  desconhecida  assolou  os 
palmares  da  costa  do  Coromandel,  á  excepção  de  um  palmar 


CONVENTO   DA  .MADRE  DE  DEUS 


próximo  de  Binlipatam,  pertencente  a  um.  pimdi  ou  pondeva 
que  conhecia  o  remédio  para  curar  esta  enfermidade.  Con- 
sistia elle  no  emprego  da  agua  do  mar  lançada  sobre  a  folha 
central  do  verticilio  da  palmeira,  durante  a  noite,  repetindo 
esta  operação  de  seis  em  seis  mezes,  como  preservativo. 
Este  remédio  destruía  completamente  o  Lórfchtas  Rhi- 
nocéros,  o  qual,  depois  de  ferir  as  spadices,  deposita  os  ovos 
no  âmago  da  raiz  do  coqueiro.  Será  o  coleóptero  Lôrjclitas 


PORTrCUl-.ZA 


is; 


Rhinocéros,  que,  "sob  o  nome  vulgar  de  bomóro,  faz  na  índia 
Portugueza  iguaes  estragos  áquelles  que  fez  no  Coroman- 
del?  E  possível,  porque  bomôro  tem  os  mesmos  hábitos  e 
grande  horror  á  agua  salgada. 


O  ladrão,  sór,  que  arranca  o  coco  sem  os  devidos  cui- 
dados, o  rato  Pharaó,  o  chanim,  o  morcego  ou  pacó,  o 
sindó  (ave  que  fura  o  coco),  o  rato  ordinário,  diversas 
qualidades  de  formigas,  as  abelhas  e  as  vespas,  são  outros 


i8(5  A  índia 

tantos  animaes  damninhos,  que  prejudicam  muito  a  palmei- 
ra. A  sura,  que  escorre  da  spatha  sobre  a  gemma  termi- 
nal, também  prejudica  bastante  a  palmeira,  chegando  a 
matal-a,  se  não  houver  todo  o  cuidado  em  a  lavar  bem  e 
promptamente.  A  este  mal,  porém,  estão  somente  sujeitas 
as  palmeiras  denominadas  sureçó-maddó  ou  destinadas  a 
produzir  sura. 

Colheita. — O  coqueiro  é  cultivado  para  dar  cocos  ou 
um  sueco  fermentado,  a  que  se  dá  o  nome  de  sura.  No  pri- 
meiro caso,  o  colhimento,  palló,  é  feito  por  alguns  palmei- 
reiros  mensalmente,  porque  o  fructo  amadurece  todos  os 
mezes;  mas  o  mais  regular,  é  colher-se  o  coco  de  três  em 
três  mezes:,  no  segundo  caso,  a  colheita,' /íi««;/z';«,  é  diária, 
porque  a  sura  é  tirada  todos  os  dias,  e  em  diversas  horas 
do  mesmo  dia. 

Aquella  arvore  produz  por  anno  doze  a  quinze  cachos. 
Ao  primeiro  cacho  maduro  que  se  corta  do  coqueiro  no  mez 
de  março,  dá-se  o  nome  de  mál;  o  segundo  colhido  em  maio, 
chama-se  dal;  o  terceiro  em  agosto,  tisserem;  e  emfim,  o 
quarto  em  dezembro,  que  muitas  vezes  é  incerto,  denomi- 
na-se  choutem. 

Os  cocos  são  colhidos  pelos  derrubadores  ou  pallecares, 
que  sobem  á  palmeira  munidos  de  uma  coita,  com  a  qual 
dão  os  golpes  na  raiz  da  spadice,  e  deitam  ao  chão  os  ca- 
chos maduros. 

O  derrubador  sobe  á  palmeira  com  o  auxilio  de  um  an- 
nel  de  corda,  onde  introduz  ambos  os  pés,  e  cingindo-os  e 
apertando-os  á  palmeira,  fixa-se  sobre  o  spique,  e  assim 
vae  subindo  até  chegar  ao  cocar  ou  parte  superior  com 
grande  rapidez. 

Cada  coqueiro  de  primeira  qualidade  dá  três  a  quatro 
colheitas  annualmente,  sendo  portanto  a  sua  producção 
media,  por  anno,  de  loo  cocos.  Palmeiras  ha  que  chegam 
a  produzir  200  e  mais. 

Palmeira  d  sura. — A  extracção  da  sura,  é  feita  por  um 
individuíj  denoniinado  baudary. 


I 


PORTUGUEZA  187 


A  sura  commum  é  recolhida  n"um  vaso  de  barro  :{ãmnó 
ou  damiicm,  caiado  interiormente  e  que  se  adapta  a  uma 
das  espigas  da  palmeira. 

Para  que  a  espiga  ou  espadice  possa  produzir  sura,  é 
necessário  cingil-a  e  apertal-a  com  um  cordel,  que  é  feito 
de  filamentos  tirados  da  base  da  folha,  por  onde  o  limbo  se 
continua  com  o  peciolo.  Estes  filamentos,  antes  de  sereni 
applicados,  devem  ser  cozidos  no  goddó  ou  agua  que  con- 
tém os  resíduos  da  distillação  da  sura.  Depois  de  apertada 
a  espiga,  deve-se  tocar  levemente  em  torno  delia  com  o 
cabo  da  catv  em  dias  interpolados,  até  ficar  redonda  e  fle- 
xível. 

Assim  preparada  a  espiga,  corta-se-lhe  a  extremidade 
livre,  e  passados  alguns  dias,  logo  que  para  ali  tenha  afflui- 
do  a  seiva,  é  esta  recebida  na  :{ainnó. 

A  sura  colhe-se  três  vezes  por  dia:  ás  seis  e  onze  horas 
da  manhã,  e  ás  seis  horas  da  tarde.  De  todas  as  vezes  que 
se  faz  a  colheita,  apara-se  a  espiga,  cortando-lhe  um  pequeno 
fragniento  horisontal  da  parte  superior,  para  renovar  e  acti- 
var o  liuxo  da  seiva.  A  parte  que  se  corta  da  espiga  deno- 
mina-se  chèu. 

As  espigas  têem  diversas  denominações,  consoante  a  sua 
idade,  qualidade  e  destino.  Assim,  ás  espigas  destinadas  a 
produzir  cocos,  chama-se  chipór,  quando  desabrocham  e 
se  desembaraçam  da  spatha;  chevoc  ou  chelem,  ás  espigas, 
cujas  flores  abortam  ou  nascem  enfezadas;  e  man:{on  ou 
pondj'  á  espadice  perfeita  e  fecunda. 

Ao  coqueiro  que  produz  espigas  estéreis,  dá-se  o  nome 
de  pauio-])idddo;  e  ao  que  não  produz  espigas  pissó-máddo. 

Da  sura  extrahem-se  diversos  productos,  a  saber:  sircó, 
fiiiini,  cajuló  ou  dobrado  e  iirraca  ou  poscó. 

O  sircó,  ou  vinagre  de  palmeira,  obtem-se  pela  fermenta- 
ção acética  da  sura,  como  pela  distillação  da  mesma  se 
consegue  o  Jiiiini,  o  cajuló  e  a  iirraca. 

O  finim  é  o  espirito  alcoólico  do  coqueiro,  o  cajuló  a 
aguardente  ou  primeiro  producto  da  distillação  da  sura,  e 


A  índia 


a  iirraca  é  uma  porção  de  cajiiló  misturada  com  agua,  e 
serve  de  bebida  ordinária  á  classe  dos  jornaleiros'. 

O  goddó  ou  resíduos  da  dis- 
tlUação,  é  empregado  na  alimen- 
tação dos  suínos;  serve  para  lim- 
par vasos  de  vidro  e  de  barro 
engordurados,  e  applica-se  como 
anti-rheuniatico. 

Ha  duas  espécies  de  sura: 
uma,  sura  comminn  ou  de  ja- 
gra,  que  é  a  seiva  do  coqueiro 
coagulada  e  similhante  ao  assu- 
car  mascavado;  e  outra,  mais 
fina  e  depurada,  que  se  deno- 
mina niró.  O  :{amuó,  em  que  se 
recebe  esta  ultima  sura,  não  é 
caiado  interiormente. 

A  sura  é  distillada  n"um  ap- 
parelho  muito  simples  e  da  mais 
remota  antiguidade,  denomina- 
do yOiiíró. 

Zontró. — Este    apparelho    é 
composto  de  duas  grandes  pe- 
ças de  barro,   que  se  communicam  entre  si  por  meio  de 


I  Nos  artigos  26.°,  27.°,  29.°  e  30."  do  relatório  geral  do  commissariado, 
a  que  já  nos  referimos,  relativo  ao  segundo  anno  do  tratado  anglo-por- 
tuguez,  viu-se : 

i.°  Que  a  media  de  producção  de  sura  diária  de  um  coqueiro  em  Goa 
é,  conta  redonda,  1,6  garrafas,  ou  96  gallões  imperiaes  por  anno; 

2."  Que  são  necessários  3,38  gallôes  imperiaes  de  sura  para  produzi- 
rem I  gallão  de  espirito  de  i5°  de  Cartier; 

3."  Que  são  necessários  8,7  gallões  de  sura,  ou  2,58  gallÕes  de  espirito 
de  i5°  para  produzirem  i  gallão  de  espirito  de  20"  de  Cartier; 

4."  Que  são  precisos  5i,5  gallões  de  sura  para  produzir  80  libras  de 
jagra; 

5.0  Finalmente,  que  são  necessárias  9  garrafas  de  sura  para  produzir 
6  garrafas  ou  i  gallão  imperial  de  vinagre. 


PORTUGUEZA 


189 


um  tubo  de  bambu.  Uma  das  peças,  conhecida  por  bâjia, 
e  que  assenta  sobre  a  fornalha,  é  a  caldeira  d'este  appare- 
Iho  distillatorio*,  a  outra  chamada  colçó  é  o  capacete,  onde 
se  fazem  condensar  os  vapores  alcoólicos,  por  meio  da  con- 
stante refrigeração  com  agua  fria. 

No  '{ontró,   a  condensação  é  feita  no  mesmo  colçó  dos 
vapores  alcoólicos  e  aquosos,  tornando  por  isso  a  primeira 


:_-/_,V, 


aguardente  muito  mais  fraca  e  sendo  necessário  distillal-a 
segunda  e  terceira  vez  para  lhe  elevar  o  grau. 

Gaiúcará. — Pela  espremedura  da  catoly,  polpa  do  caco, 
no  ganicará  ou  moinho  de  azeite,  obtem-se  a  narida,  azei- 
te ou  óleo  de  coco,  que  se  emprega  na  economia  domes- 
tica e  em  medicina-,  e  a  penddi  ou  pináca,  que  são  os 
resíduos  da  extracção  do  óleo,  e  serve  para  arraçoar  os  ani- 
maes  de  trabalho. 


IQO  A   índia 


<í 


i 


Da  ilha  de  Combarjua  passámos,  atravessando  o  canal  i| 

de  Marcella,  para  esta  aldeia  da  província  de  Pondá,  a  fim  ji 

de  examinar  e  desenhar  o  grupo  de  pagodes  que  ali  se  en-  \l 

contra.  I| 

Havendo  sido  arrazados  nas  Ilhas  de  Goa  os  pagodes  i 

ou  diiilás,   como  os  idolatras  lhes  chamam,  e  concedidas  .j 

as  rendas  das  suas  terras  em  mercê  ao  collegio  de  S.  Paulo,  j* 

por  provisão  de  i3  de  fevereiro  de  i545;  — e  tendo-se  pro-  i* 

hibido  a  sua  reconstrucção  em  25  de  março  de  i55q —  fo-  \{ 

ram   aquclles   gentios   construir   eni  Marcella  os  pagodes,  j,-] 

cujo  grupo  representa  o  desenho.  |! 

Os  coiicanós  ou  gentios  do  Concao  classificam  em  duas  [; 

espécies  os  seus  templos  ou  pagodes,  segundo  a  sua  fun-  í 
dação.  Se  o  pagode  é  fundado  por  uma  pessoa  ou  família 
particular,  denomina-se  devalld;  se  é  fundado  por  uma  cor- 
poração ou  communidade  agrícola,  chama-se  vulgarmente 
matliá  ou  deralem. 

Deixemos  o  continente  das  Novas  Conquistas,  e  voltemos 
a  Combarjua,  a  fim  de  examinarmos  as  várzeas  de  arroz  e 

de  milho,  que  nesta  ilha  se  cultivam.  M 

«Eis   aqui   as   minhas  várzeas  de  arroz,  disse   o   nobre  M 

proprietário  da  Combarjua,  que  nos  havia  acompanhado  a  f 

Marcella.  Em  Goa,  continuou  elle,  chama-se  batt  na  lin-  A 

gua  concany  ao  arroz  com  casca,  e  taudiil  ao  arroz  desças-  '-5 

cado.    Classificam-se   geralmente  os  terrenos  para   cultura  \ 

deste  cereal,  em  doces  e  salgados,  sendo  estes  os  que  ficam  ■  j 

á  borda  dos  rios  ou  braços  de  mar,  sujeitos  a  alagações  de  , . 
aguas  das  grandes  marés,  e  doces  todos  os  mais. 

«Em  duas  epochas  se  verifica  a  cultura.  Na  primeira,  que 
começa  com  as  primeiras  chuvas,  a  do  serôdio.  A  semen- 
teira é  feita  em  fins  de  maio  ou  princípios  de  junho,  e  colhe-  jv 
se  o  arroz  na  primeira  quinzena  de  setembro.  Na  segunda, 
a  de  vangana,  que  carece  de  rega,  e  começa  em  novembro,  [ ; 
a  colheita  faz-se  em  fevereiro  ou  março.  1^ 

«Os  terrenos  salgados  não  são  aproveitados  na  cultura  i 

de  vansana.  •/ 


PORTUGUIiZA  IQI 


«Muitas  são  as  variedades  do  arroz  que  se  cultivam  em 
Goa.  As  que  cultivo  na  ilha  de  Combarjua,  são  as  seguin- 
tes: Aiiisó,  asgv,  xirtó,  conchri,  condir iTcrmelho,  conejirsal, 
consró,  corungutte,  dongrem,  geriçal,  motial,  pati-branco, 
qiicndal  e  vanecal.  Destas  só  o  coningutte  e  consró  toleram 
terrenos  salgados. 

«Desde  a  germinação  até  á  maturação  do  grão,  levam  o 
asgó,  matical,  geriçal,  xirtó,  vanecal,  corungutte  e  consró 
cento  e  cinco  dias;  o  dongrem,  coneíirsal,  quendal,  dori- 
patni,  conchri  e  conchri-vermelho,  noventa  dias  e  o  ainsó 
oitenta  dias. 

«Os  seguintes  cálculos  referem-se  todos  a  uma  superfície 
de  i<)o  bambus  quadrados,  que  leva  i  candil  de  semente. 
O  bambu,  vara  ou  canna,  nesta  ilha  corresponde  a  lo  mãos 
de  extensão,  sendo  cada  mão  igual  a  o"\_i4'. 

iiLavoura.  —  No  serôdio  os  terrenos  doces  são  lavrados 
com  o  arado,  e  a  superfície  de  i6o  bambus  quadrados  exi- 
ge o  emprego  de  doze  Juntas  de  bois,  cuja  despeza  á  rasão 
de  1,5  xerafíns  cada  junta,  importa  em  i8  xerafins.  Alem 
d  isto  são  necessários  para  dirigir  a  lavoura,  e  lançar  á  ter- 
ra a  semente  quatro  jornaleiros,  a  meio  xerafim  diário  cada 
uni. 

«Sendo  salgados  os  terrenos,  não  são  lavrados  com  o  ara- 
do, mas  preparados  com  a  enxada,  empregando-se  trinta 
jornaleiros  na  cava  e  oito  na  semeação  e  gradagem,  a  meio 
xerafim  diário  i  ic)  xerafíns i.  Um  xerafim,  como  sabe,  corres- 
ponde approximadamente  a  i  franco  ou  i6o  réis  fortes. 
Tem  5  tangas,  e  cada  tanga  6o  réis  fracos. 

«Na  cultura  da  vangana  os  campos  carecem  de  ser  lavra- 
dos seis  vezes  antes  da  sementeira.  Empregam-se  n"este 
trabalho  cinco  juntas  de  bois  em  cada  lavoura,  vencendo 
cada  junta  i  xerafim  diário  (3o  xerafins  i  e  sete  jornaleiros 
a  0,5  xerafim  cada  um.  para  estrumar  e  semear  a  terra. 


Candil,  veja-se  a  sua  descripção  a  pag.  23. 


192  A  IXDIA 


I 


(íMonda. —  O  trabalho  da  monda  é  executada  por  mulhe-  , 
res  e  rapazes.  ! 

«No  serôdio,  em  terrenos  doces,  são  necessários  quarenta^l 
indivíduos,  a  90  réis  cada  um  (12  xerafins);  para  a  monda  : 
de  uma  seara  de  arroz  que  tenha  a  área  de  iGo  bambus  ; 
em  terrenos  salgados,  bastam  trinta  indivíduos  (q  xerafinsj. 

«Na  vangana- é  sufficiente  igual  numero  de  braços.  ] 

«.Estrume. — Emprego  o  sal  ou  lodo  salgado  para  estrumar  j 
n'esta  ilha  as  semeaduras  de  serôdio  do  terreno  doce,  reser-  ^ 
vando  exclusivamente  o  estrume  de  gado  vaccum  para  a  í 
vangana.  Os  160  bambus  quadrados  de  superfície  levam,  ; 
de  três  em  três  annos,  nos  campos  de  serôdio,  i  cumbo 
de  sal  ou  35o  cestos  de  lodo,  na  importância  de  21  xerafins;  j 
e  annualmente  nos  campos  de  vangana  100  cestos  de  es-  . 
trume  de  gado  vaccum,  tendo  cada  cesto  a  capacidade  de  ; 
3  curós,  e  sendo  o  seu  custo  5  xerafins. 

«Rega. — Usa-se  a  rega  diária  nos  campos  de  vangana.  ' 
Extrahe-se  a  agua  dos  ondós,  poços  ou  reservatórios  de  agua,^ 
por  meio  da  cegonha  lathr,  empregando-se  n'este  serviço! 
durante  75  dias  um  jornaleiro,  a  o, 5  xerafim  por  dia,  37,5  ' 
xerafins.  : 

«Ceifa. — No  serôdio  a  ceifa,  quer  os  terrenos  sejam  do-" 
ces,  quer  salgados,  é  feita  com  a  foicinha  ou  coity,  e  exige  , 
dois  jornaleiros,  a  i  xerafim  diário,  e  cinco  mulheres,  a  o,5 
xerafim.  Na  vangana  a  ceifa  é  feita  pelo  mesmo  processo,  ' 
e  requer  igual  despeza.  : 

«Debulha.  —  Empregam-se  na  debulha  vinte  a  vinte  e  cin-  i 
c'o  jornaleiros,  a  i  xerafim  diário  cada  um.  Quando  a  debu-  | 
lha  é  feita  com  gado  vaccum,  empregam-se  durante  meio  j 
dia  quatro  bois  ou  búfalos,  a  73  réis  cada  um,  alem  de  J 
nove  jornaleiros  por  todo  o  dia,  a  i  xerafim.  \ 

«Palha. — A  palha  produzida  n"uma  área  de  160  bambus  ' 
quadrados  é  avaliada  em  5  xerafins  no  serôdio,  e  em  7,5 
ditos  na  vangana.  A  palha  serve  de  alimento  ao  gado  vac- 
cum, e  usa-se  para  fardos,  cordas,  combustível,  cobertura 
de  choupanas,  etc. 


PORTUGUEZA 


193 


«No  serôdio  a  producção  media,  na  ilha  de  Combarjua, 
é  de  I  para  18,  variando  em  outras  localidades  de  6  a  25, 
Na  vangada,  que  leva  de  mais  um  quarto  de  semente,  a 
relação  é  de  i  para  lõ  n'esta  ilha,  em  outros  pontos  de  8 
até  20. 

«No  serôdio  o  proprietário  vem  a  receber  pouco  menos 
de  metade  do  producto  bruto,  sendo  a  restante  parte  absor- 


vida pelas  despezas  da  cultura,  pagamento  do  dizimo  e 
lucros  do  cultivador  quando  a  cultura  não  é  feita  pelo  pró- 
prio proprietário.  Na  vangana  o  proprietário  fica  com  um 
terço  do  producto  bruto. 

«  Valores. — Cada  candil  de  batí^  na  eira  vale  actualmente 
18  xerafins^  no  celleiro  ou  depois  de  enfardado,  custa  20 
xerafins;  na  localidade,  e  fora  d'ella,  21, 5  a  22  ditos. 


104 


A  índia 


«Resumindo  as  despezas,  lucros  do  cultivador  e  do  pro- 
prietário, temos  na  cultura  do: 

Serôdio  em  terras  doces 

Semente  -  i  candil 20-0-00 

12  juntas  de  hois 18-0-00 


Lavoura    ■,         .               1     •    „,  .-,      r>      r,r. 

4  jornaleiros 2-0-00 

Monda. .-40  mulheres •  •  •  •  12-0-00 

Estrume  -lodo  ou  sal 7-0-00 

(2  jornaleiros 2-0-00 

^^'^'^-  •  ■  j  5  mulheres 2-2-3o 

Debulha  -25  jornaleiros 25-o-oo 

Dizimo 36-0-00 

Lucro  do  cultivador 76-0  -  00 


200-2-00 


Producto  bruto  em  batt Sôo-o-oo 

Producto  em  palha 5-o-oo  ^eS-o-oo 

Lucro  do  proprietário i(i5-2-3o 

Serôdio  em  terrenos  salgados 

Semente .  .  - 1  candil  de  batt 20-0-00 

Cava -3o  jornaleiros 1 3 -0-00 

Sementeira-S  jornaleiros 4-0-00 

Monda.. .  .-3o  mulheres 9-0-00 

\  1  jornaleiros 2-0-00 

Ceita \  .        „  o    o    ■^r» 

I  T  mulheres 2  -  2  -  -lO 

Debulha..  .  -25  jornaleiros 25-o-oo 

Dizimo 30- 0-00 

Lucros  do  cultivador 87-0-00  2oo-2-3o 

Producto  bruto  em  batt 36o-o-oo 

Producto  em  pallia 5-o-oo  3^j5_q_qç, 

Lucro  do  proprietário i()5-  2-J0 


Yangana 

Semente- 1  candil 25 -0-00 

í  3o  juntas  de  bois 3o-o-oo 

Lavoura  -      .         ,  •  1    ^    ^r. 

\  7  jornaleiros j-2-jo 

Monda..  -3o  mulheres 9-0-00 

0-7-2-30 


PORTUGUEZA 


195 


Transporte G7-2-30 

„  (100  cestos  de  estrume  de 

hstrume  {  ,  ^ 

(      gado  vaccum 5 -o  -00 

Rega.. .  .-I  jornaleiro,  yS  dias Sy-o-oo 

„  -r  1 2  jornaleiros 2-0-00 

Ceita....  ^' 

(  :>  mulheres 2-2 -3o 

„  ,     ,,      1  4  bois I  -0-00 

Debulha  (      .         ,   . 

\  <)  jornaleiros q-o-oo 

Dizimo 3o-o-oo 

Lucros  do  cultivador 53 -0-00 

207-0-00 

Producto  bruto  em  batt 3oo-o-oo 

Producto  em  palha 7-2-3o  o  , 

*  ' 3o7-2-3o 

Lucro  do  proprietário 100- 2 -3o 


Milho. — Cultura  do  milho  grosso  ou  Zondoló,  como  lhe 
chamam  os  indígenas  de  Goa. 

A  seara  de  milho  que  vimos  em  Combarjua,  teve  por 
origem  uma  maçaroca  ou  espiga  de  milho,  :{eã  maí-,  que 
o  illustre  proprietário  d'esta  ilha  obteve  da  Austrália,  cujos 
grãos  semeados  primeiramente  num  pequeno  campo  pro- 
duziram I  curo,  que  equivale  a  8  litros  proximamente. 

«Aproveitando  todo  o  producto  da  primeira  sementeira 
desta  importante  planta  monoica,  tenho,  disse  o  sr.  barão, 
conseguido  augmentar  a  sua  cultura  a  ponto  de  colher  já 
dez  candis  ou  200  curós. 

«Este  anno  (1864)  espero  maior  producção,  assim  na  ilha 
como  em  vários  pontos  do  Estado,  para  onde  tenho  re- 
mettido  sementes  d'esta  graminia,  que  ainda  ha  pouco  se 
cultivava  mais  como  planta  de  recreio  do  que  como  indus- 
trial e  alimentar. 

«Se  os  cultivadores,  a  quem  tenho  distribuído  semente  de 
milho,  tirarem  bom  resultado  das  suas  experiências,  tenc-iono 
mandar  vir  da  Pensilvânia  e  da  Virgínia,  varias  espécies  de 
maiz,  para  ver  qual  merece  preferencia  em  o  nosso  clima. 

«Os  terrenos  destinados  á  cultura  doeste  cereal,  recebem 
duas  lavras  de  preparo  e  uma  na  epocha  da  sementeira, 
que  é  feita  duas  vezes  por  anno,  sendo  a  primeira  em  fins 


196  A  índia 

de  junho,  e  a  segunda  em  novembro,  a  rego  ou  em  linhas  I 

parallelas.  i 

«As  espigas  da  primeira  sementeira  colhem-se  em  outu-  ; 
bro,  e  as  da  segunda  em  princípios  de  março. 

«Em  junho  cuhivo  o  milho  em  terrenos  altos  de  natureza  ' 
silico-argillosos,  e  em  novembro  nos  terrenos  baixos,  calca- 

reo-siliciosos,  mais  frescos  e  fundáveis  que  possuo  na  ilha.  i 

«Na  epocha  da  arrenda  de  milho,  mando  estrumal-o,  em-  \ 

pregando  o  estrume  de  gado  vaccum  e  cavallar  por  me  ser  : 

mais  fácil  a  sua  acquisição.  O  estrume  de  peixe  é  o  que  ' 

mais  apraz  a  este  cereal',  mas  não  uso  delle  por  ser  mui  ; 

dispendioso,  em  rasao  desta  ilha  estar  situada  a  grande  j 

distancia  da  praia  do  mar.  j 

«A  sementeira  feita  em  junho  é  irrigada  pelas  chuvas,  e  • 

a  que  se  faz  em  novembro  é  regada  pelo  pé  em  dias  inter-  ; 

polados,  e  muitas  vezes  de  dois  em  dois  dias,  mormente  ] 

depois  do  completo  desenvolvimento  da  planta.  ; 

«A  seara  que  se  colhe  em  março  é  mais  abundante,  e  1 
produz,  termo  médio,  de   i  para  5o  sementes.  A  que  se 

colhe  em  outubro,  dá  espigas  e  grãos  menores,  e  produz  ' 

de  I  para  40.  j 

«Depois  da  colheita  conservo  o  grão  destinado  para  sémen-  j 
te  em  espigas,  que  recolho  em  cestos  de  bambu  os  quaes 
mando  pendurar  no  tecto  da  cozinha,  onde  se  conserva 
muito  bem.  O  grão  livre  do  carolo,  guardo-o  em  saccos  de 

serapilheira  ou  em  fardos  de  palha  de  arroz,  misturando  j 

em  ambos  os  casos  o  grão  com  cinza  do  fogão  por  causa  | 

dos  insectos.  j 

«O  milho  em  grão  costumo  empregal-o  em  arraçoar  o  j 

gado  vaccum  e  cavallar.  Reduzido  a  farinha  é  consumido  \ 

em  papas,  ápas,  bolos,  e  doces-,  e  em  pequena  quantidade  j 

também  o  emprego  na  panificação.  j 

«O  milho,  sendo  por  emquanto  pouco  conhecido,  é  raras  ! 

vezes  empregado  na  alimentação  do  homem.  Não  tem  ain-  j 
da  preço  no  mercado;  mas  espero  que  de  futuro,  avaliado 
devidamente,  venha  a  opulentar  as  subsistências  do  meu 


PORTUGUEZA 


197 


paiz,  e  até  a  formar  competência  com  o  consumo  do  ar- 
roz. 

«Os  caules,  as  folhas  e  as  bandeiras  costumo  empregal-as 
na  alimentação  do  gado  vaccum,  que  as  come  em  verde  c 
depois  de  seccas.» 

Deixando  em  Combarjua  o  illustre  barão,  major  de  ar- 
tilheria  do  exercito  de  Goa,  nosso  prezado  amigo,  e  homem 


DANTEM  OU  MOINHO  DE  DESCASCAR  ARROZ 


tão  digno  quanto  nobre  e  honrado,  passámos  ao  palácio  do 
Cabo. 

Este  palácio,  onde  os  governadores  geraes  costumam 
passar  a  estação  calmosa,  está  situado  8  kilometros  a  oeste 
de  Pangim,  entre  a  praça  de  Aguada  e  a  de  Mormugão. 

Tinha  sido  convento  de  franciscanos  reformados,  deno- 
minado de  Nossa  Senhora  do  Cabo,  e  está  situado  no  ex- 
tremo Occidental  do  promontório  do  mesmo  nome,  sobre 
grandes  massas  de  rocha  lateritica,  n'um  sitio  aprazivel  e 


198  A   índia  • 

1 

fresco.  Foi  mandado  edificar  pelo  vicc-rei  Mathias  de  Al-  i 

buquerque  no  anno  de  1Õ94,  ] 

O  ex.™°  governador  geral,  conde  de  Torres  Novas,  trans-  j 

formou   este   convento   numa  excellente   casa   de   campo,  J 

substituindo  as  cellas  por  amplas  salas  e  outras  casas  de  i 

habitação.  Mandou  concertar  as  duas  cisternas  de  largas  '. 

dimensões,  e  junto  delias  construir  quartos  para  hospedes,  1 

casas  para  crcados  e  boids,   uma  coelheira  modelo,   uma  ' 

capoeira  e  cavallariça*  Estas  edificações  acham-se  ao  lado  S 

sul  do  jardim  e  pomar,  circumscriptos  por  um  alto  muro  '■ 

de  pedra  e  cal.  A  igreja  também  foi  concertada  pela  mes-  ] 

ma  epocha.  j 

A  igreja,  o  palácio  e  a  sua  extensa  cerca  são  adminis-  ' 

trados  por  um  frade  do  antigo  convento,  que  fixou  ali  a  j 

residência.  ] 

I 

A  cerca  que  se  estende  até  á  antiga  porta  da  cidadella,  i 

acha-se  toda  povoada  de  cajueiros  Anacardium  occidentalc,  i 
mangueiras  Mangifera  indica,   jaqueiras  Artocarpus  inte- 

grifolia,   e  outras  arvores  fructiferas  que,  sombreando  a  ! 

estrada,  a  tornam  aprazível.  Foi  n"esta  cerca  que  os  ingle-  ■ 

zes,  em  1799  e  1808,  sem  requisição  ou  pedido  do  nosso  ' 

governo,  a  pretexto  de  nos  auxiliarem  contra  os  francezes,  j 

occuparam  os  pontos  militares  de  Goa  e  edificaram  os  quar-  * 

teis,   dos  quaes  nem  ruinas  existem  actualmente.   O  que  -•. 

apenas  resta  dessa  epocha  de  forçada  e  interesseira  protec-  '\ 

cão,  fora  do  recinto  da  antiga  cidadella,  é  o  cemitério,  que  :■■ 

fica  n'uma  quebrada  ao  sul  do  outeiro,  no  sitio  denomi-  j 

nado  a  Cova,  onde  se  acham  alguns  garás  de  pescadores.  > 

Os  inglezes  só  depois  do  tratado  de  Amiens  e  de  muitas  j 

instancias  do  governo  portuguez,  é  que  largaram  as  nossas  ] 

fortalezas  da  índia  no  dia  2  de  abril  de  iSi3.  \ 

Dentro  dos  muros  da  antiga  cidadella,  no  sopé  do  despe-  '1 
nhadeiro,  que  está  fronteiro  á  fortaleza  de  Mormugão,  existe 
uma  grande  nascente  de  agua  potável,  que  foi  restaurada 

pelo  illustre  governador  visconde  deVilla  Nova  de  Ourem.  ; 

Desce-se  para  ella  por  uma  escadaria,  parte  aberta  na  ro-  í 


PORTUGUEZA  IQg 


cha,  e  parte  formada  de  alvenaria.  Do  lado  opposto  a  esta 
fonte,  na  praia  da  enseada  do  Cabo,  que  se  acha  compre- 
hendida  entre  este  Cabo  e  o  forte  de  Gaspar  Dias,  demora 
a  Calheta,  onde  se  desembarca  indo  pelo  Mandov}^ 

A  fortaleza  chamada  do  Cabo,  e  cujas  ruinas  ainda  se 
vêem  na  base  occidental  do  promontório,  era  uma  grande 
fortificação  no  s^-stema  da  de  Aguada,  no  cume  e  praia  oc- 
cidental da  ilha  de  Tissuar}',  com  sua  cidadella  communi- 
cando  com  as  baterias  razantes,  que  envolviam  todo  o  pro- 
montório. 

A  couraça,  que  se  vê  representada  no  desenho,  dominava 
o  grande  canal,  que  jaz  entre  ella  e  a  fortaleza  de  Aguada, 
e  outro  canal  que  fica  entre  o  Cabo  e  Mormugão.  As  suas 
muralhas  e  baterias  estão  completamente  arruinadas. 

Quasi  todas  as  fortificações  do  Estado  da  índia  portugue- 
za  foram  construídas  em  tempos  anteriores  á  pratica  dos 
princípios  de^'auban,  e  algumas  até  fabricadas  inicialmente 
pelos  mouros.  São  copias  exactas,  das  que  temos  no  reino, 
desses  mesmos  tempos,  em  posições  similhantes,  com  seus 
baluartes  apertadíssimos  e  informes,  e  algumas  ainda  com 
as  velhas  torres,  barbacans  e  couraças  que  os  progressos 
da  arte  militar  têem  feito  desapparecer.  Quasi  tudo  se  acha 
já  desmoronado  e  desfeito,  como  testemunho  evidente  do 
nosso  desleixo  e  ingratidão  nacional. 

Sente-se  na  verdade  profunda  mágua  ao  contemplar  as 
solitárias  ruinas  de  Goa,  onde  os  nossos  maiores  alcançaram 
tão  merecida  fama. 

Cara^^alem. — Uma  estrada  magnifica,  de  primeira  classe, 
mandada  construir  pelo  ex."^°  conde  de  Torres  Novas,  e  que 
de  Pangim  se  dirige  ao  cães  de  D.  Paula,  liga  por  meio  de 
um  ramal  o  palácio  do  Cabo  com  a  capital  do  Estado.  í^sta 
estrada  corre  por  entre  densos  palmares  e  casas  de  campo, 
parallelas  á  esplendida  praia  de  Carazalem,  onde  os  euro- 
peus vão  passar  a  estação  calmosa. 

No  extremo  norte  da  praia  está  o  forte  de  Gaspar  Dias, 
situado  na  margem  esquerda  do  Mandovy. 


•200  A  índia 

Gaspar  Dias. — Este  forte  foi  mandado  construir  pelo  con- 
de da  Vidigueira,  D.  Francisco  da  Gama,  no  anno  de  iSgS, 
para  defender  a  embocadura  do  rio,  quando  a  nossa  costa 
era  infestada  por  piratas,  taes  como  o  Angrid  e  outros, 
que  traziam  as  povoações  ribeirinhas  em  contínuo  sobre- 
salto. 

O  forte  de  Gaspar  Dias,  assim  chamado  por  assentar 
em  terreno  pertencente  a  um  palmar  deste  nome,  é  uma 
tenalha  de  lo  peças,  oppostas  ao  forte  de  Bardez  ou  dos 
Reis  Magos,  cujos  tiros  cruzam  com  os  daquelle. 

Este  forte  defende  o  rio,  não  só  porque  a  passagem  do 
banco  terá  ali  apenas  meia  amarra  de  largura,  mas  porque 
o  mesmo  rio  entre  os  dois  fortes  não  chega  a  ter  1:200 
metros.  Foi  mandado  arrazar  pelo  ministro  Martinho  de 
Mello,  mas  apenas  se  desartilhou,  accommodando-se  então 
nos  seus  quartéis  o  batalhão  de  artilheria,  e  na  grande  ter- 
cena,  que  tinha  na  gola,  o  primeiro  regimento.  Na  noite 
de  4  de  março  de  i835  foram  os  quartéis  incendiados  e  o 
forte  desmoronado  por  artilheria,  que  o  bateu  pelo  lado  de 
terra,  e  por  a  de  um  cuter  e  chata  do  lado  do  rio,  por  oc- 
casião  dos  desastrosos  factos  que  na  índia  se  succederam 
á  restauração  do  throno  da  rainha  e  da  carta  constitucional. 

Sete  annos  depois,  o  governador  interino,  José  Joaquim 
Lopes  de  Lima,  mandou  fazer  os  indispensáveis  reparos  no 
forte  e  no  quartel,  que  hoje  serve  de  convalescença  ás  pra- 
ças tratadas  no  hospital  militar  de  Nova  Goa. 

Reis  Magos. — Fronteiro  a  Gaspar  Dias  está  o  forte  de 
Bardez  ou  dos  Reis  Magos. 

Este  forte  está  situado  no  extremo  sul  da  povoação  de 
Verem,  na  margem  direita  do  rio  Mandov}^,  e,  como  já 
dissemos,  cruza  o  fogo  de  artilheria  com  o  do  forte  de  Gas- 
par Dias,  varejando  o  banco  de  areia,  e  obstando  assim  a 
que  embarcações  hostis  passem  alem  doestes  dois  fortes, 
visto  como  o  banco  as  obriga  a  seguir  certas  direcções 
determinadas  pelos  dois  canaes,  fora  dos  quaes  é  imprati-  j 
cavei  a  navegação  de  grande  tonelagem.  Foi  mandado  con- 


PORTUGUEZA 


201 


struir  entre  i55i  a  i554  pelo  vice-rei  D.  Aífonso  de  Noro- 
nha, no  sitio  onde  existia  o  antigo  forte  que  Aífonso  de 
Albuquerque  tomou  aos  mouros  no  mesmo  dia  em  que 
conquistou  o  castello  de  Pangim, 

Aquelle  vice-rei  deu-lhe  o  nome  de  Forte  Real. 

Em  1 589  o  governador  Manuel  de  Sousa  Coutinho  man- 
dou construir  a  couraça 
ao  lume  de  agua,  que 
Mathias  de  Albuquerque 
ampliou  depois.  Esta  ba- 
teria consta  de  sete  pe- 
ças com  as  canhoneiras 
casamatadas,  e  apresen- 
ta três  faces  unidas  á  ci- 
dadella  por  duas  corti- 
nas, cada  uma  das  quaes 
tem  uma  escada  seguida 
com  cento  e  vinte  e 
quatro  degraus  no  inte- 
rior do  parapeito. 

O  vice-rei  D.  Fran- 
cisco da  Gama,  3.°  con- 
de da  Mdigueira,  man- 
dou edificar  o  quartel  do 
commandante  doeste  for- 
te no  anno  de  lôgS;  e, 
segundo  consta  de  uma 
inscripção  que  se  acha 
no  entablamento  da  por-  vendedeira  de  arroz 

ta  sob  as  armas  reaes, 

foi  reedificado  em  1707,  pelo  vice-rei  Caetano  de  Mello  e 
Castro. 

É  pouco  defensável  da  parte  de  terra,  apesar  de  estar 
bem  artilhado,  e  em  soífrivel  estado,  porque  é  visto  a  ca- 
valleiro  por  uma  collina  que  lhe  fica  sobranceira.  A  sua 
construcção  é  irregular  e  desproporcionada. 


202  A  índia 

Tem  um  telegt^apho,  que  repete  os  signaes  do  de  Aguada 
para  o  do  outeiro  de  Pangim. 

Fora  das  muralhas,  no  largo  fronteiro  á  igreja  parochial 
da  invocação  dos  Reis  Magos,  faz-se  annualmente  uma  fei- 
ra no  dia  6  de  janeiro,  denominada  «feira  dos  reis». 

Os  vice-reis  e  governadores  recemchegados  ao  estado 
da  índia  eram  hospedados  neste' forte  dos  Reis  Magos, 
desde  que  desembarcavam  até  que  tomavam  posse  do  go- 
verno, e  ali  sustentados  durante  três  dias,  pela  junta  da 
fazenda  publica. 

Por  provisão  regia  de  S  de  janeiro  de  1701,  mandou-se 
dar  ao  collegio  dos  Reis  Magos,  hoje  extincto,  5oo  xerafins 
a  titulo  de  esmola  para  aquellas  despezas. 

Actualmente  os  governadores  geraes,  quando  chegam  a 
Goa,  vão  logo  hospedar-se  no  palácio  de  Pangim,  passando 
o  antecessor  a  residir  em  casa  particular,  emquanto  não  se 
retira  da  índia. 

Aguada.  —  Ao  SO.  do  forte  dos  Reis  Magos  está  a  praça 
de  Aguada. 

Esta  praça,  que  primeiramente  se  chamou  de  Santa  Ca- 
tharina,  assenta  no  extremo  occidental  da  península  de 
Bardez,  e  é  o  limite  norte  da  foz  do  Mandov3^  Debaixo  de 
suas  baterias  são  forçados  a  fundear  para  o  registo  todos 
os  navios  que  demandam  o  ancoradouro  da  barra  de  Goa. 
Foi  começada  a  construir  no  anno  de  1G04,  e  acabada  a  par- 
te principal  em  1612,  como  se  deprehende  da  seguinte  inscri- 
pção  que  se  acha  collocada  sobre  a  porta  da  fortaleza  real: 

REINANDO  O   MUI  CATHOLICO   REI  D.  FILIPPE 
2.0  DE  PORTUGAL   MANDOU  A  CIDADE  FAZER  ESTA 
FORTALEZA  DO  DINHEIRO  DE  UM  POR  CENTO,  PARA 
GUARDA  E  DEFFENSÃO  DAS  NÁOS,  QUE  A  ESTE 
PORTO  VEM,  A  QUAL  FOI  ACABADA  PELOS  VE- 
READORES DO  ANNO  DE  lGl2,  SENDO  VIGE- 
REI d'eSTE  ESTADO  RUI  LOURENÇO  DE  TÁVORA. 

Consiste  em  um  recinto,  que  circumscreve  a  fralda  do     f 
outeiro,  que  tem  a  mesma  denominação  da  praça,  e  em 


PORTL(iLEZA  2o3 


uma  cidadclla  construída  na  parte  mais  ele\ada  df)  mesmo 
outeiro.  O  recinto  é  unicamente  interrompido  nos  pontos, 
em  que  grandes  penedos  da  costa  ou  rochedos  porphiricos 
inaccessiveis  do  lado  da  foz  do  Mandovy  oíferecem  uma 
defeza  natural;  mas  actualmente  as  suas  muralhas  estão 
derrocadas  em  muitos  pontos,  principalmente  na  margem 
do  rio  de  Sinquerim. 

A  cidadella,  no  cume  de  um  massiço  de  rocha  metamor- 
phica  sobranceira  á  bateria  onde  está  o  quartel  do  major 
da  praça,  e  que  ainda  hoje  se  denomina  palácio  do  gover- 
nador, apresenta  uma  fortificação  sem  methodo,  com  quatro 
baluartes,  um  dos  quaes  é  muito  irregular.  Dois  do  lado 
do  norte  têem  faces,  e  uma  espécie  de  orelhões  com  flancos 
retirados,  praças  baixas  e  casas  matas.  Igual  disposição 
oíferece  um  dos  outros  dois,  que  ficam  oppostos,  e  que  do- 
minam a  subida,  e  a  bateria  baixa,  que  vareja  o  surgidouro. 
Três  cortinas  desiguaes  unem  estes  baluartes,  de  dois-dos 
quatro  partem  ramaes,  que  formam  differentes  ângulos,  e 
são,  de  distancia  em  distancia,  guarnecidos  por  pequenos 
baluartes  ou  reductos,  que  se  prolongam  pelo  declive  do 
outeiro  até  á  parte  correspondente  do  recinto  inferior,  cujo 
espaço,  assim  fortificado,  constitue  o  que  se  chama  «For- 
taleza real». 

As  suas  muralhas  e  parapeitos,  que  são  de  alvenaria,  e 
estão  bem  conservadas,  parecem  construídas  segundo  os 
preceitos  ordinários.  A  roda  das  suas  faces  tem  a  cidadella 
um  fosso  talhado  na  rocha,  sufficientemente  largo  e  fundo,  e 
na  contra-escarpa  tinha  um  caminho  coberto,  do  qual  ainda 
se  reconhecem  vestígios  na  esplanada.  A  porta  principal, 
desta  cidadella  exposta  a  leste  é  defendida  do  alto  do  re- 
cinto magistral  e  do  ramal  correspondente,  e  tem  á  entrada 
sobre  o  fosso  uma  ponte  de  madeira,  actualmente  bastante 
arruinada,  parte  da  qual  é  dormente,  e  parte  levadíça  por 
meio  de  cadeias  de  ferro. 

As  edificações,  que  existem  dentro  da  fortaleza  real,  são: 
o  chamado  palácio,  antiga  habitação  dos  governadores  da 


1 

204  A  índia  ^ 

! 
praça-,   a  capella  de  Nossa  Senhora  da  Boa  Viagem,  que 

serviu  em  outro  tempo  de  parochia^  diíferentes  casas  para 
prisões*,  armazém  da  pólvora  e  munições  de  guerra;  os 
quartéis  ou  tercenas  para  artilheria;  e  na  cidadella  um  alo- 
jamento destinado  para  a  guarda  da  porta  principal;  outro 
armazém  abobadado  para  deposito  de  pólvora;  e  uma  torre 
cylindrica,  que  tem  quasi  12  metros  de  diâmetro  e  (S  de  al- 
tura, na  qual  se  accendia,  até  quasi  aos  fins  do  século  xviii, 
um  pharol  durante  as  monções  das  naus  do  reino,  e  que 
era  entretido  por  fachos  ensopados  em  óleo  de  coco. 

Em  1841  o  governador  interino,  Lopes  de  Lima,  mandou 
coUocar  n"este  logar  uma  grande  lanterna,  com  eclipses  re- 
gulados pela  machina  de  um  grande  relógio,  que  bate  as 
horas  num  sino  de  2:25o  kilos  de  peso,  e  que  foi  para  ali 
transferido  da  torre  do  extincto  convento  de  Santo  Agosti- 
nho de  Goa.  Actualmente  está  coUocado  na  mesma  torre 
o  pharol  do  S3^stema  Argand,  do  qual  demos  o  desenho  e 
noticia  a  pag.  q. 

S.  Lourenço.  —  Sobre  o  promontório  circumscripto  pelo 
recinto  da  praça  de  Aguada  está  a  igreja  do  martyr  S. 
Lourenço,  mandada  construir  a  expensas  do  vice-rei  conde 
de  Linhares,  que,  por  escriptura  de  22  de  fevereiro  de  ]635, 
a  entregou  á  administração  dos  religiosos  de  S.  Francisco 
da  cidade  de  Goa. 

O  povo  conserva  ainda  a  antiga  crença  de  que  ao  primeiro 
tiro  da  salva,  com  que  a  praça  de  Aguada  saúda  a  procis- 
são, que  no  dia  10  de  agosto  sáe  desta  igreja,  se  afastam  ji 
as  areias  que  obstruem  a  foz  do  Mandovy  durante  a  mon-  í| 
ção  de  SO.,  e  deixam  livre  passagem  para  a  navegação  in-  íi 
terior.  j ; 

Mormiigão.  —  O  cães  de  D.  Paula,  mandado  construir  I 
pelo  ex.™°  conde  de  Torres  Novas  n"uma  pequena  enseada  iJ 
ao  sul  de  Carazalem,  defronta  com  a  praça  de  Mormugão,  '  \ 
uma  das  mais  fortes  e  das  melhores  do  estado  da  Lídia.       1 , 

Comprehendida  na  província  de  Salcete,  está  Mormugão  '  \ 
ou  aldeia  das  Pérolas  situada  ao  sul  do  Cabo,  a  1 5°. 24'. 33"  '  | 


I 


PORTUGUEZA 


205 


de  latitude  norte  e  73°.49'.56"de  longitude  oriental  do  meri- 
diano de  Greenwich. 

Esta  praça  tem  no  seu  maior  comprimento  1:980  metros 
desde  o  limite  oriental,  no  baluarte  do  Desterro,  até  ao 
ponto  mais  occidental  do  forte  de  Malabar,  e  na  sua  maior 


IGREJA  DE  S.  LOURENÇO  DE  UNHARES 


largura  1:210  metros,  desde  o  limite  septentrional  da  for- 
taleza real  ao  ponto  meridional  do  baluarte  de  Bombaça. 
A  extensão  de  todo  o  polygono  mede  4:840  metros,  e  dá 
em  projecção  horisontal  uma  superfície  de  170  hectares."  E 
limitada  ao  norte  pela  embocadura  do  rio  Zuary,  ao  occi- 
dente  e  sul  pelo  oceano  Indico,  e  ao  oriente  pelo  pequeno 
isthmo,  que  a  liga  á  terra  firme  de  Salcete.  O  isthmo  tem 
de  largura  3oo  metros  proximamente. 


206  A   INDlA. 


A  superfície  da  península  de  Mormugão  é  declivosa,  com  I- 
um  extenso  planalto  assente  em  rocha  conglomerada  de  na-  |i 
tureza  trachitica,  que  afflora  á  superfície  do  terreno.  t 

Os  terrenos  são  provenientes  da  desaggregaçao  dos  con-  p 
glomerados  e  do  grés.  |' 

A  flora  é  igual  á  das  Ilhas  c  á  de  Salcete.  Quando  em  ! 
i863  visitámos  Mormugão,  vimos  ali  muita  salsaparrilha  sj 
espontânea,  ruiva  de  tintureiro,  algodoeiro  vivaz,  muitas  !; 
arvores  e  arbustos  da  familia  das  leguminosas,  coqueiros,  jj 
mangueiras,  jaqueiras,  cajueiros  e  outras.  \\ 

Existem  eni  Mormugão  nascentes  de  aguas  abundantes  ii 
e  potáveis,  muitas  fontes  de  alvenaria  construídas  em  1703,  [ii 
das  quaes  ainda  ali  se  encontram  quatro  encanadas  e  ador-  t^ 
nadas  e  sete  no  estado  natural;  dois  grandes  poços  pu-  i] 
blicos  reconstruídos  em  1862,  um  cielles  em  estado  de  rui-  |; 
na,  e  dois  poços  de  construcção  simples. 

A  salubridade  do  clima,  a  variedade  de  exposições,  a  pu- 
reza da  atmosphera,  a  abundância  das  aguas,  o  seu  porto 
natural,  considerado  o  melhor  de  toda  a  costa  do  Malabar, 
onde  os  navios  podem  entrar  em  todo  o  tempo  e  abrigarem-  \'] 
se  das  travessias,  durante  a  maior  intensidade  dos  ventos    j 
de  SO.,  a  sua  posição  topographica  a  2  3  kilometros  da  villa    : 
de  Margão  e  i3  de  Nova  Goa,  são  poderosas  circum«tan-  ;; 
cias,  que  concorrem  para  a  importância  que  devia  ter  Mor-  ii 
mugão,  se  ali  houvesse  permanecido  a  capital  do  estado  da  ;;: 
índia.  :, 

A  praça  de  Mormugão  começou-se  a  construir  em  abril  j 
de  1624  (governando  a  índia  D.  Francisco  da  Gama,  3.°  1 
conde  da  Vidigueira,  conforme  reza  a  lapide,  que  se  acha  ■ : 
sobre  o  pórtico  da  entrada),  á  custa  da  camará  geral  ou  i . 
agraria  de  Salcete,  a  quem  sua  magestade  mandou  agrade-  jj 
cer  por  carta  regia  cie  10  de  março  de  1(^40. 

Em  consequência  da  insalubridade  da  cidade  de  Goa,  e  [í 
sobretudo  por  causa  das  repetidas  invasões  dos  marathas, 
e  da  que  teve  logar  no  principio  do  governo  do  vice-rei 
conde  de  Alvor,  fazendo  receiar  a  perda  da  cidade,  resol-  • 


2o8  A  índia  : 

— ). 

alicerces  da  cordoaria;  o  convento  de  freiras;  a  contadoria,  ji 
de  que  ainda  restavam  em  bom  estado  as  paredes;  a  alfan-  ;i 
dega  e  jardim  adjacente;  os  quartéis  próximos  á  porta  do  j. 
Campo;  o  hospital  e  a  casa  da  pólvora  e  da  moeda.  j| 

Alem  d"estas  existem  também,  mais  ou  menos  arruinadas,  ii 
as  seguintes  fortificações  isoladas:  o  baluarte  de  Bombaça;  :j 
o  do  Malabar;  o  da  casa  da  pólvora;  o  da  casa  da  moeda,  | 
e  o  baluarte  da  Pedreira.  '\\ 

Baluartes  ligados  por  cortinas.  —  O  baluarte  Pedrinha,  o    j< 
baluarte  do  Cabo,  e  mais  quatro  que  se  seguem  a  este,  e 
de  que  não  podemos  saber  os  nomes:  —  o  do  Desterro,  o  da 
Guia,  o  da  Boa  Vista,  o  de  S.  Francisco,  o  de  Santo  An- 
tónio, e  a  bateria  do  palácio. 

Os  edifícios,  que  encontrámos  em  bom  estado,  são  os 
que  se  seguem:  o  edifício  da  fortaleza  real,  onde  actual- 
mente reside  o  governador  da  praça,  um  quartel  novo; 
quatro  armazéns,  sendo  um  sobre  a  porta  do  cães;  seis 
casas  de  habitação  sobre  a  porta  do  Campo,  uma  capella, 
um  pequeno  quartel  e  uma  prisão. 

As  obras  feitas  durante  o  governo  do  ex."^°  conde  da 
Torres  Novas,  são:  sessenta  braças  de  muralha  levantada 
em  diíferentes  pontos  da  praça;  concerto  do  baluarte  do 
Desterro,  e  do  da  porta  do  Campo;  embellezamento  do  cães 
com  assentos  de  alvenaria,  e  um  pórtico  que  dá  ingresso 
para  um  terreno  ajardinado,  que  o  intelligente,  zeloso  e 
activo  governador  da  praça,  Francisco  Adriano  Pires  Fer- 
rari, nos  disse  destinar  ao  cultivo  das  plantas  indígenas 
medicinaes;  um  quartel,  que  se  achava  habitado  pelo  des- 
tacamento de  caçadores  n.°  i,  pelo  cirurgião  da  praça,  al- 
moxarife e  oflicial  commandante  do  destacamento  de  arti-  \i 
Iheria,  e  as  respectivas  cozinhas  para  o  pessoal  superior,  [ij 
para  os  soldados  gentios,  e  outra  para  os  christãos.  - : 

Um  grande  poço,  que  se  acha  situado  junto  do  quartel  'A 
do  destacamento,  foi  desentulhado  e  concertado  para  uso  ij 
dos  habitantes  do  mesmo  quartel,  e  ajardinado  o  terreno  j 
em  volta  delle.   Concertaram-se  também  duas  prisões,  e  » 


I 


I 


« 


PORTUGUEZA  20Q 


estava  em  construcção  uma  capella  nas  proximidades  do 
novo  quartel. 

Esta  capella,  feita  por  subscripção  dos  devotos,  é  desti- 
nada á  imagem  de  Santo  António,  que  está  collocada  ha 
muitos  annos  junto  á  porta  da  praça. 

Desobstruiram-se  igualmente  as  principaes  ruas  da  cidade, 
que  ha  muitos  annos  estavam  intransitáveis  e  cheias  de  en- 
tulho, proveniente  das  ruinas  dos  edifícios  marginaes. 

O  pessoal  da  praça  em  i863  era  o  seguinte:  um  major 
governador  e  commandante,  um  ajudante,  capellão,  cirur- 
gião, almoxarife  e  o  fiel  do  almoxarifado. 

Ao  serviço. — Um  mocadão  e  três  marinheiros,  para  a 
tona  ou  barca  de  passagem  destinada  ao  serviço  da  guarni- 
ção, entre  Mormugão  e  o  cães  de  D.  Paula,  e  doze  galés 
do  arsenal  destinadas  ao  serviço  da  fachina. 

Guarnição  da  praça. — Um  subalterno  do  regimento  de 
artilheria,  um  inferior,  um  cabo,  um  corneteiro  e  nove  sol- 
dados; um  inferior  de  caçadores  n.°  i,  um  cabo  e  vinte  e 
quatro  soldados. 

Artilheria.  —  Existiam  na  praça  as  seguintes  peças: 

De  calibre  1 2,  montadas 12 

»  não  montadas 4 

»  em  mau  estado 8  _^ 

De  calibre  18,  recebidas  havia  pouco  de  Portugal,    10 

"  antigas 3     o 

De  calibre  9,  em  bom  estado 10 

»  em  mau  estado 2 

De  calibre  3,  em  bom  estado i 

De  uma  libra,  em  mau  estado i 

5i 

De  toda  esta  artilheria,  só  12  peças  estavam  montadas 
em  reparos  de  madeira,  sencio  7  na  fortaleza  real,  e  5  no 
baluarte  da  Guia. 


2  IO  A  índia 

As  grandes  ostrciras  de  pérolas  acham-se  na  enseada, 
na  proximidade  do  isthmo,  aonde  por  entre  a  areia  da  praia 
se  encontram  facilmente  aljofres  ou  pérolas  miúdas. 

Barra  de  Mormugão. — A  barra  de  Mormugão  é  formada 
pelo  rio  Zuary.  Este  rio,  a  partir  da  embocadura  para  a  sua 
origem,  toma  o  rumo  SE.  verdadeiro,  e  SSE.-,  no  ancora- 
douro tem  de  fundo  -j,  4,5  e  5  braças^  na  enseada  5,  6  e 
7*,  na  foz  do  rio  2,  4,5:,  dentro  do  rio  2,  i,  e  menos  ainda 
de  Rachol  para  cima.  Na  enseada  podem  invernar  navios 
redondos,  tendo  a  cautela  de  ficar  bem  amarrados,  e  em 
mastros  reaes.  De  Aguada  a  Mormugão  o  fundo  é  de  5, 
5,5,  6,  e  7  braças  sobre  um  fundo  de  pedra  e  areia;  da 
entrada  da  barra  em  diante  o  fundo  de  todo  o  canal  até  ao 
surgidouro  é  de  lodo,  assim  como  d'ali  até  Rachol^. 

Em  Mormugão  foi  actualmente  creada  uma  alfandega  e 
a  topographia  da  praça  alterada  pelas  exigentes  necessida- 
des do  caminho  de  ferro,  que  d'este  ponto  se  dirige  para 
Nova  Hubli,  trepando  a  cordilheira  dos  Gattes. 

A  aldeia  de  Mormugão,  segundo  o  recenseamento  de  17 
de  fevereiro  de  1881,  tem  1:451  habitantes,  sendo  i:3i7 
christãos  inclusive  7  europeus,  e  i34  não  christãos. 

O  soberano  hindu  Zaquexy  ou  Zacquessy  da  dynastia 
Cadame,  que  tinha  a  sede  do  seu  governo  na  cidade  de 
Gopacpour,  Goai,  Goam  ou  Goc^  a  que  os  portuguezes  dc- 
rani  o  nome  de  Goa,  e  hoje  se  denomina  Goa  Velha,  situa- 
da na  margem  direita  do  Zuary  — que  era  então  como  será 


I  As  ultimas  noticias  recebidas  da  índia  dizem  que  o  porto  de  Mor- 
mugão já  está  apto  para  receber  navios  de  grande  tonelagem. 

No  dia  i5  de  abril  do  corrente  anno  (1S86)  entrou  ali  a  Veitbourne, 
de  2:700  toneladas,  exigindo  23,5  pés  de  calado  de  agua,  carregado  com 
pesados  volumes  de  machinas  e  outros  artigos  para  o  caminho  de  ferro. 

Em  20  minutos  o  vapor  entrou  no  porto,  e  encostou-se  ao  cães  onde 
descarregou. 

Mormugão,  depois  de  concluídos  os  melhoramentos,  fica  sendo  o 
primeiro  porto  da  índia,  superior  em  commodidades  aos  portos  de  Bom- 
bay  e  Calcutá. 


PORTUGUEZA  2 I I 


no  futuro  o  principal  porto  de  Goa—  lançou  diversos  im- 
postos sobre  as  embarcações  nacionaes  e  estrangeiras,  que 
entrarem  por  caminho  de  jnar  nos  rios  encorporados  ao 
rio  nascente  da  inlla  de  Gopacpour,  para  com  o  seu  pro- 
ducto  se  continuar  a  casa  misericordiosa,  como  consta  do 
Formão  datado  de  976  da  era  gentílica,  ou  de  1064  da  era 
christã,  exarado  no  Liv.  das  Mon.  n.o  93,  H.  1396,  o  qual 
termina  assim: 

...«Quaesquer  mercadores  de  quaesquer  portos  ou  ci- 
dades, cada  um  pagará  a  cada  viagem  duas  moedas  chama- 
das Gadiannacas. 

«Os  barcos,  que  vierem  das  terras  Malaias  pagarão  cada 
um  a  cada  viagem  uma  moeda  Gadiannaca  acima  dita; 
Parangue,  ou  Palia  das  mesmas  terras  que  fizer  viagem 
cada  um  pagará  cinco  dramos,  que  também  é  moeda. 

«Das  terras  Dulucas  até  lavatório  de  Guarna  a  cada  via- 
gem que  fizer  um  Parangue,  pagará  cinco,  e  a  embarcação 
chamada  Palia  pagará  um  dramo.  Esta  é  declaração  dos 
direitos  que  contribuirão  as  embarcações  da  parte  sueste. 

Declaração  dos  direitos  que  contribuirão  as  embarcações  da  parte  do  norte 

«Das  terras  Sourastta,  Gurgira,  Ladda,  partes  do  Con- 
cam,  e  Veiomulie  pagará  cada  um  parangue  a  cada  viagem 
uma  moeda  de  Gadiannaca. 

«De  Chipolana,  Sanguemessuar,  e  Vallapatau,  cada  um 
parangue  que  fizer  viagem  pagará  cinco  dramos,  e  galveita 
dous  dramos. 

Declarações  das  embarcações  mercantes  de  Chandrapour 

«De  Pendiana  parangue  pequeno,  e  paro  pagará  cada 
um  que  fizer  viagem  dous  dramos. 

«De  Sivapour  paro  pagará  dous  dramos,  e  sendo  paran- 
gue pequeno  pagará  um  dramo. 

«Todas  as  embarcações  assim  parangues  como  manchuas, 
que  entrarem  por  caminho  de  mar  nos  rios  encorporados 


212  A  índia 

ao  rio  nascente  da  villa  de  Gopacpour,  ou  Goa  pagarão 
pela  declaração  seguinte: 

«O  parangue,  que  vier  carregado  de  mantimento  dará 
um  curo  da  marca  grande  da  medição  da  casa  misericor- 
diosa; e  o  mesmo  dará  manchua,  que  carregada  vier  de 
mantimentos,  e  sendo  embarcação  pequena  dará  duas  me- 
didas ou  oitavas  da  dita  medição,  o  mais  género,  que  vier 
pagará  com  consideração  da  embarcação. 

«Um  gúne  de  mantimento  pagará  um  mane  que  é  duas 
medidas  ordinárias,  e  o  mesmo  dará  sendo  de  especiaria, 
e  o  género  que  trouxer  de  summo  dangiddi  dará  uma  ma- 
nuá. 

«De  todo  o  metal,  quer  seja  ouro  e  prata  dará  de  cada 
bhar,  que  importa  trinta  e  quatro  mãos  e  meia  e  algumas 
xeras,  um  quarto  de  mão  quem  o  vender,  e  outro  quarto 
dará  o  comprador. 

«Pagará  o  vendedor  de  barco  uma  moeda  de  Gadianna- 
ca,  e  outra  uma  o  comprador. 

«Pagará  o  vendedor  do  parangue  cinco  moedas  de  dra- 
mos,  e  o  comprador  outras  cinco. 

«Mané  uma,  e  barca,  quem  vender  pagará  dous  dramos, 
e  o  comprador  dous  dramos. 

«Casa,  palmar,  e  escrava  quem  vender,  de  cada  um  pa- 
gará um  dramo,  e  o  comprador  outro  um. 

«De  todo  o  género  acima  dito,  de  peso,  medida,  fructo,  e 
summo  será  cobrado  os  direitos  desta  dita  pensão  pela  me- 
dida que  serve  na  casa  misericordiosa,  da  qual  medida  não 
poderão  usar  os  mercadores  destas  terras,  para  comprarem 
qualquer  género,  que  vier  por  caminho  de  mar;,  e  todo 
aquelle  género  de  mantimento,  fructo,  summo,  e  espécie  de 
metal,  que  acima  fica  declarado,  pessoas  que  trouxerem,  e 
constrangerem  da  pensão,  em  não  quererem  pagar  os  seus 
devidos  direitos  serão  condemnados  por  auctoridade  da 
real  ordem,  visto  todos  os  mercadores  naturaes  destas  ter- 
ras, e  muitos  estrangeiros  dos  portos  ultramarinos,  que  de 
presente   estão  por  sua  livre   e   boa  vontade  offerecerem, 


I 


PORTUGUEZA  2l3 


como  data  voluntária,  para  obra  de  caridade,  que  se  conti- 
nuará na  casa  misericordiosa  por  serviço  de  Deus.  E  outro- 
sim  fica  determinado  que  qualquer  pessoa  rica  natural  destas 
terras,  ou  estrangeira  que  estiver  achado,  e  succedendo 
fallecer  sem  ter  filho,  não  pertencerá  sua  riqueza  a  el-rei, 
senão  que  ao  depois  de  solemnisar  sua  morte,  com  grande 
demonstração  de  que  é  devida,  o  mais  que  restar  perten- 
cerá ao  thesouro  da  casa  misericordiosa;  para  que  suc- 
cedendo morrer  qualquer  pobre  ou  desamparado  sem  ter 
posse  para  despeza  da  solemnidade  de  sua  morte,  se  des- 
penderá do  thesouro  da  casa  misericordiosa.» 

Esta  casa  de  beneficência  foi,  como  acabamos  de  ver, 
fundada  43*2  annos  antes  de  fr.  Miguel  Mendes  de  Contrei- 
ras, natural  de  Andrães,  na  casa  da  Anta,  comarca  de Ailla 
Real  de  Traz  os  Montes,  frade  trino  e  confessor  da  rainha 
D.  Leonor  de  Lencastre,  mulher  de  el-rei  D.  João  II,  haver 
inspirado  a  esta  excelsa  rainha  a  fundação  das  Misericór- 
dias em  Portugal. 

O  sêllo  d'este  Formão,  escripto  em  nome  de  el-rei  Zac- 
quess}'  pelo  brahmaneMssuá  Rupo,  representa — Xaraxium 
Avatar,  4.^  encarnação  deMshnú. 


1  I 

1! 


I 


CAPITULO  V 


Bardez  —  Quartel  de  caçadores  4 — Real  ponte  D.  Estephania — Portaes 
de  Britona — Forte  de  Tivim — Forte  do  Meio — Ilha  de  Arabó — Ca- 
sa do  Dessay — Darvazó — Pernem — Dessayados  —  Pagode  de  Bo- 
gounti-deu — Fortaleza  deTiracol — Tacarduma — Praça  de  Alorna  — 
Doddomaddogo  —  Bicholim  —  Maddy — Ticân  —  Bananeira  —  Casa- 
mento gentílico — Parto — Sexto  dia — Baptismo  hindu — Pagode  de 
Mulgão  —  Quartel  do  3.o  batalhão — Pagode  de  Santer-deu  — Ruinas 
da  fortaleza  do  Bounsuló  —  Casa  do  dessay  de  Lamagão  —  Houri — 
Joguy  Sorbé  Sorá  —  Mossondy  —  Sadotas — Dorôbo — Tumulo  dos 
ranes  —  Luto  —  Sattv — Tulôssv  —  Pagode  de  Peligão — Tirta. 


a  madrugada  de  um  dia  de 
fevereiro  de  i863  atravessámos 
o  Mandovy  em  companhia  dos 
g^mos  sps_  conde  de  Torres  No- 
vas, conde  de  Sarzedas,  con- 
selheiro Joaquim  Heliodoro  da 
Cunha  Rivara,  secretario  geral 
do  governo,  conselheiro  João 
Maria  de  Sequeira  Pinto,  pre- 
sidente da  Relação  de  Goa, 
conselheiro  Thomás  Nunes  da 
Serra  e  Moura,  procurador  da 
coroa  e  fazenda,  Bernardo  Lorena,  Albuazar  Ramires  de 
Lorena,  e  os  ajudantes  de  campo  D.  Jorge  Augusto  de  Mello 
e  José  Maria  de  Queiroz,  em  direcção  a  JNLipuçá. 


2l6  A  índia 

Ao  desembarcar  no  cães  de  Verem  foi  o  ex."^*^  conde  de 
Torres  Novas,  governador  geral  do  Estado  da  índia,  rece- 
bido pelas  principaes  pessoas  de  Bardez. 

Entrando  na  freguezia  de  Parra,  viam-se  muitos  arcos 
de  triumpho,  feitos  de  ramagens  e  íiores,  e  outros  ornados 
de  sedas  e  damascos,  musicas  e  dansas,  que  nos  acompa- 
nharam até  ao  limite  da  freguezia.  Ahi  substituiram-se 
aquelles  festejos  por  novas  musicas  e  fogo  de  artificio,  dis- 
cursos, e  h3-mno  dedicado  ao  governador  do  Estado. 

Em  Mapuçá,  capital  de  Bardez,  renovarani-se  estas  de- 
monstrações de  regosijo  pela  ^•isita  do  illustre  governador  1 
geral  a  esta  província,  que  só  terminaram  próximo  da  igre- 
ja matriz,  aonde  nos  dirigimos,  acompanhados  da  camará 
municipal,  administrador  do  concelho,  juiz  de  direito  da 
comarca,  commandante  do  batalhão  de  caçadores  n.°  4,  e 
muitas  outras  pessoas,  a  fim  de  examinar  o  local  em  que 
se  pretendia  construir  uma  ponte.  Era  este  o  motivo  da 
visita  do  ex."'°  conde  de  Torres  Novas. 

Terminado  o  exame,  o  sr.  conde  e  a  sua  comitiva  dirigi-, 
ram-se  á  casa  do  sr.  Francisco  Lorena',  onde  passaram 
a  hora  de  maior  calor,  emquanto  nós  fomos  desenhar  o  quar- 
tel de  caçadores  n.°  4,  que  de  Colual  fora  transferido  para 
aquella  capital  em  1841. 

Barde-. — A  província  de  Bardez,  conquistada  por  Aífon- 
so  de  Albuquerque,  e  depois  reconquistada  pelo  Hidal-Kan, 
pertenceu  depois  ao  Estado  da  hidia  portugueza  por  doa- 
ção do  príncipe  Meale,  tio  do  Hidal-Kan,  sendo  vice-rei  da 
índia  jNIartim  Affonso  de  Sousa,  que  d'ella  tomou  posse  em 
nome  de  el-rei  de  Portugal,  na  era  christa  de  1544. 

Deriva-se  a  palavra  Bardez  de  duas  indígenas:  bar,  do- 
ze •,  e  des,  dessays :,  doze  dessayados  em  que  foi  dividida  pelos 
musulmanos. Tendo  sido  muitas  vezes  invadida  pelo  Mara-    j 
tha  e  pelo  Bounsuló,   é  hoje  a  província  do  território  de    i 
Goa  a  mais  bem  agricultada  e  povoada.  Tem  225  kilome-    j 


1  Actual  conde  de  Sarzedas. 


PORTUGUEZA 


217 


tros  quadrados  de  superfície,  i  villa,  27  freguezias,  41  al- 
deias, 25:486  fogos  e  109:951  habitantes,  sendo  88:828 
christãos,  de  ambos  os  sexos,  e  2i:i23  não  christãos. 

A  villa  de  Mapuçá,  cabeça  de  comarca  e  do  concelho  de 
Bardez,  tem  uma  magnifica  igreja,  casa  da  camará  muni- 
cipal, quartel  militar,  um  asylo'  denominado  de  Nossa  Se- 
nhora dos  Milagres,  2:285  fogos  e  10:286  habitantes.  A 
igreja  matriz  d'esta  villa  soífreu  um  grande  incêndio  no  dia 
28  de  abril  de  i838,  sendo  concluídos  os  melhoramentos 
da  sua  reedificaçao  em  10  de  março  de  1839.  No  dia  de 
Nossa  Senhora  dos  Milagres  celebra-se  n'esta  igreja  uma 
grande  festividade,  a  que  concorre  muita  gente  de  todos  os 
pontos  do  território  de  Goa. 

Em  Mapuçá  e  aldeias  de  Bardez  publicam-se  os  seguin- 
tes jornaes:  O  Imparcial — O  Mensageiro — O  Arya  Bondu 
~A  Pátria  íMapuçá)  —  Ga:{eta  de  Barde^  (Assagão) — A 
Phenix  de  Goa  e  a  União  (Calangute). 

Sob  o  ponto  de  vista  ethnographico  muito  teríamos  que 
dizer  dos  bardezanos  — que  já  tivemos  a  honra  de  repre- 
sentar no  parlamento —  se  não  se  oppozesse  a  Índole  d  este 
trabalho.  Todavia,  diremos  que  são  de  constituição  robus- 
ta, morigerados,  laboriosos  e  intelligentes,  e  as  mulheres 
mães  amoraveis  e  formosas,  como  mostra  o  retrato  (copia 
de  uma  photographia)  da  ex.""^  sr.^^D.  Amália  de  Figueiredo 
(trajando  panno  paló),  brahmane  christã,  natural  de  Aldo- 


I  Este  estabelecimento  de  caridade  foi  fundado  com  donativos,  e  o 
capital  e  juros  do  producto  de  uma  subscripçao  feita  pelos  principaes 
habitantes  de  Bardez,  para  ofFerecer  um  baile  e  uma  medalha  ao  nosso 
prezado  amigo,  conselheiro  Thomás  Nunes  da  Serra  e  Moura,  para  com- 
memorar  os  valiosos  serviços  prestados  á  comarca,  onde  exerceu  o  lo- 
gar  de  juiz  de  direito  de  186 1  a  62,  cuja  importância  s.  ex.a  pediu  que 
fosse  applicada  na  compra  das  primeiras  pedras  para  o  alicerce  do  pri- 
meiro estabelecimento  de  piedade  que  se  fundasse  em  Bardez.  A  subscri- 
pçao produziu  em  i863  a  quantia  de  1:180  rupias,  e  hoje  com  o  pro- 
ducto dos  juros,  monta  a  mais  de  2:600^^^000  réis  nominaes.  Bem  haja 
s.  ex.a . 


21(5  A  índia 

ná,  e  esposa  virtuosa  do  sr.  Vicente  João  de  Figueiredo, 
natural  de  Salcete,  e  um  dos  maiores  proprietários  da  nos- 
sa índia. 

A  aldeia  de  Aldoná  tem  uma  magnifica  igreja,  que  foi 
construida,  como  quasi  todas  as  igrejas  de  Bardez,  pelos 
frades  franciscanos  da  Observância,  em  iSGg. 

Estes  frades  entraram  em  Goa  com  AtTonso  de  Albu- 
querque em  i5io,  e  começaram  a  conquista  espiritual  de 
Bardez,  fundando  no  anno  de  i555  o  collegio  dos  Reis  Ma- 
gos; e  apoz  esta  multiplicaram  rapidamente  as  fundações, 
emquanto  os  jesuítas,  que  logo  no  principio  da  constitui- 
ção da  companhia  (i54'2j  se  estabeleceram  na  índia  sob  a  l 
direcção  do  mestre  Francisco,  que  hoje  se  venera  com  o 
nome  de  S.  Francisco  Xavier,  se  encarregaram  de  reger 
e  doutrinar  a  christandade  recentemente  creada  em  Sal- 
cete, aonde  em  1367  foram  destruídos  duzentos  e  oitenta 
pagodes,  como  veremos  circumstanciadamente  na  segunda 
parte  d"este  livro. 

Mais  tarde  os  religiosos  de  S.  Francisco,  afrouxando  em 
zelo  e  dedicação,  e  esquecendo  antigas  e  louváveis  tradi-     j 
ções,   não   procediam  como   erani  obrigados   para   darem     j 
exemplo  aos  seus  freguezes  com  sua  vida  e  costumes.  Estes     jj 
desmandos  crearam  tal  fermento  de  desordem  e  perturba-     !l 
ção  no  Estado,  que  os  vice-reis  e  governadores  se  explica-     |l 
vam  para  a  metrópole  n"estes  termos:  i; 

«Nada  dá  tanto  cuidado  a  quem  governa  este  Estado  o  \t 
em  que  elle  se  acha,  como  dão  as  contínuas  perturbações  à 
dos  Religiosos,  que  assistem  nestas  partes,  sendo  excepção  ^J 
de  todos  os  Religiosos  Dominicanos,  e  os  Padres  da  com-  \i 
panhia  de  Jesus,  porque  só  estes  vivem  com  aquella  mo-  lá 
deração  religiosa,  que  em  toda  a  parte  costumam  ter;  po- 
rém nos  mais  he  insoífrivel  a  inquietação,  que  causam,  pois 
apenas  se  socegam  os  Religiosos  de  Santo  Agostinho,  quan- 
do começam  a  contender  os  Capuchos,  Franciscanos,  e 
Carmelitas;  o  que  fazemos  presente  a  V,  Magestade  para 
que  seja  servido  ordenar  o  como  nos  havemos  de  haver 


y    í 


PORTUGUEZA 


219 


nas  bulhas  destes  Religiosos,  que  devendo  gastar  o  tempo 
na  conversão  dos  infiéis,  o  consomem  e  passam  todo  em 
dependências  particulares,  parecendo  os  claustros  mais 
quartéis  de  soldados,  que  habitação  de  monges.» 

Entre  outros  excessos  inauditos  praticados  pelos  frades, 
contaremos  o  que  consta  de  uma  carta  do  vice-rei,  2."  con- 
de de  Villa  Verde,  dirigida  a  sua  magestade  em  i5  de  no- 
vembro de  1694  (L.°  das  Mons.  58,  íl.  277),  e  que  é  o  se- 
guinte : 

«Hontem,  que  se  contaram  14  do  corrente  (novembro  de 
1694)  estando  no  coUegio  de  S.  Boaventura'  o  visitador  e 
provincial  dos  Observantes  da  província  de  S.Thomé  d'este 
Estado  com  alguns  vogaes,  que  se  hiam  congregando  para 
o  capitulo,  que  intentavam  fazer  a  17  naquella  casa,  succe- 
deu  que  sahiram  do  convento  17  frades,  os  mais  delles  mo- 
ços, armados  com  bacamartes,  pistolas,  e  catanas,  e  ás 
quatro  horas  da  tarde  entraram  no  dito  collegio  com  escân- 
dalo, e  obrigaram  ao  seu  visitador  lançasse  fora  o  religioso, 
que  tinha  posto  por  presidente  naquelle  collegio,  mettendo 
de  posse  de  força  o  Guardião  delle,  que  estava  suspenso, 
e  usando  de  todos  estes  meios  tão  abomináveis  para  que  se 
lhe  não  elegesse  por  Provincial  um  Fr.  João  de  Santiago, 
que  determinava  eleger  a  outra  parcialidade.  Vieram  dar-me 
parte  deste  successo  alguns  religiosos  velhos,  e  mandei  lo- 
go participal-o  ao  Arcebispo,  que  na  forma  da  ordem,  que 
nesta  monção  teve  de  V.  Magestade  me  deu  os  seus  pode- 
res para  os  prender,  implorando  o  auxilio  do  braço  secular 
contra  elles.  Mandei  o  Ouvidor  geral  do  crime  ao  dito  col- 
legio, onde  o  não  quizeram  receber  os  frades  amotinados, 
tendo  fechadas  as  portas,  reclusos  o  Visitador,  Provincial,  e 
os  mais  vogaes,  que  alli  se  achavam.  Mandei  cercar-lhe  o 
collegio  de  noute,  e  de  manha,  porque  crescia  cada  vez 
mais  a  resistência,  lhe  mandei  chegar  uma  galiota  ás  pare- 


I  Vide  gravura  a  pag.  79. 


220 


A  índia 


des  do  coUegio,  e  assestar-lhe  a  artilheria,  a  ver  se  este 
terror  os  intimidava;  porém  não  foi  bastante,  porque  per- 
sistiram no  seu  intento,  e  com  pouca  decência  e  respeito 
exposeram  o  Santissimo  Sacramento  em  uma  janella  do 
dormitório,  que  cahe  para  o  .rio  (Mandovyj.  Ultimamente 
lhe  mandei  chegar  uma  peça  por  terra  á  portaria,  e  vendo 
que  com  resolução  lhe  davam  fogo  para  lhe  levar  a  porta, 
a  abriram,  e  se  entregaram.  Trouxe  o  Ouvidor  geral  a  to- 
dos os  presos,  e  com  consentimento  do  Visitador,  e  Provin- 
cial, os  mandei  uns  para  a  Aguada,  e  para  o  pharol  delia 
os  cabeças,  outros  para  Mormugao,  onde  ficam  presos  para 
os  castigarem  os  seus  Prelados,  e  eu  terei  attenção  a  que 
o  castigo  faça  exemplo.» 

As  várzeas  e  palmares  de  Bardez  são  importantíssimos. 
Só  um  dos  ramos  da  industria  agricola,  os  coqueiros  la- 
vrados á  sura,  por  exemplo,  durante  os  seis  annos  da  vi- 
gência do  tratado  luso-britannico,  produziram  de  imposto 
para  o  Estado  as  seguintes  quantias  a  saber: 


Annos 

Coqueiros 

Rendimento 
Rupias 

Em  1880 

17:721 
19:757 
18:434 
16:447 
15:840 

I 5:334 

i5:i45 
18:799 
17:252 
28:213 
43:889 
5i:i57 

Emi88i 

Em  1882 

Emi883 

Em  1884 

Emi885 

1 

io3:533 

174:455 

A  taxa  annual  d'este  imposto,  por  cada  coqueiro,  era  de 
I  rupia  nos  primeiros  três  annos,  foi  elevada  a  2  desde 
o  quarto  anno,  e  actualmente  é  na  importância  de  4,  sendo 
provável  que  ainda  seja  augmentada  no  futuro  pelo  gover- 
no de  Goa  a  requisição  do  inglez. 


PORTUGUEZA 


221 


Tres  quartas  partes  da  sura  total  dos  coqueiros  d'esta 
província  emprega-se  na  distillação  de  bebidas  espirituosas, 
sendo  '/s  para  fhiim,  Ys  para  cajulo,  c  ^j^  para  urraca,  e  a 
restante  quarta  parte  applica-se  ao  fabrico  de  outras  cousas, 
taes  como:  Ys  para  jagra,  Ys  para  vinagre,  e  '/g  para  niró 
e  para  fermento  do  pão,  segundo  os  dados  officiaes  publi- 
cados na  nossa  índia. 


^ 
^ 


/ 


indígena  bardezana 


Com  relação  aos  cajueiros  está  calculado  que  o  sumo 
dos  cajus  d'esta  província  produz  annualmente  25§:()i4 
gallões  imperíaes,  dos  quaes  240: 585  são  empregados  na 
distillação,  que  produz  48:117  gallões  de  iirraca,  e  os  res- 
tantes 18:026  dão  i:383  gallões  de  fenim. 

O  exclusivo  da  distillação  dos  cajus  foi  arrematado  pela 
quantia  annual  de  5:oio  rupias  durante  o  triennio  de  i883 


222  A  índia 

a  i885,  em  que  começou  o  mesmo  imposto,  e  pelo  de  10:010 
rupias  para  o  triennio  de  188G  a  1888. 

Ponte  D.  Estephania. — Na  estrada  que  segue  de  Verem 
pela  província  de  Bardez  na  extensão  de  mais  de  3o  kilo- 
metros  até  Sincreval,  na  fronteira  da  índia  ingleza,  estava 
lançada  sobre  o  rio  de  Assonorá,  a  ponte  mixta,  que  re- 
presenta o  nosso  desenho,  denominada  Real  ponte  D.  Este- 
phania. 

Esta  ponte  foi  mandada  construir  e  solemnemente  inau- 
gurada pelo  ex.™°  conde  de  Torres  Novas,  no  dia  16  de  se- 
tembro de  i858,  e,  havendo-se  posteriormente  deteriorado, 
foi  substituída  por  outra  toda  de  pedra,  que  se  encontra 
hoje  no  mesmo  local  da  primeira. 

A  freguezia  de  Assonorá  conta  2:907  habitantes,  sendo 
1:993  christãos  e  914  não  christãos. 

Portaes  de  Britona. — No  mez  de  março  do  mesmo  anno 
de  i863,  voltámos  a  esta  provinda,  pelo  canal  de  Britona, 
cujos  Portaes  o  nosso  desenho  de  pagina  representa,  e  que 
se  acham  situados  um  pouco  ao  norte  da  igreja  de  Nossa 
Senhora  da  Penha  de  França,  representada  na  vinheta  com 
esta  designação,  e  adjacentes  á  casa  da  família  do  sr.  dr. 
José  Júlio  Rodrigues,  illustradissimo  professor  da  escola 
polytechnica  de  Lisboa,  e  onde  então  morava  o  nosso  ami- 
go, o  sr.  António  Filippe  Rodrigues,  distincto  escriptor  e 
professor  de  inglez  no  hxeu  de  Nova  Goa. 

A  igreja  de  Nossa  Senhora  da  Penha  de  França  foi  man- 
dada construir  por  D.  Anna  de  Azevedo,  que  a  doou  aos 
franciscanos  em  1629. 

Na  parte  central  de  Bardez  está  a  notável  igreja  do 
Monte  de  Guirim,  construída  pelos  franciscanos  em  1604. 

E  n'esta  freguezia  qne  se  encontra  um  collegio  de  gran- 
de nomeada,  fundado  pelo  benemérito  e  illustrado  barde- 
zano,  o  sr.  padre  Francisco  Luiz  de  Gonzaga  Athaide. 

Março. —  Como  característico  d"este  mez,  vêem-se  espa- 
lhadas pelo  firmamento  densas  nuvens  cirro-cuimilus  no 
horisonte  a  leste. 


PORTUGUEZA  223 


O  mez  de  março  é  o  verdadeiro  mez  de  transição,  quan- 
to ás  temperaturas  atmosphericas.  Ladeado  dos  mczes  de 
janeiro  e  maio,  que  apresentam  os  limites,  minimo  e  má- 
ximo, de  frio  e  calor,  satisfaz  este  mez  ás  exigências  dos 
que  se  aprazeni  n'uma  temperatura  media. 

Forte  de  T^/ww.  — Chegando  a  Ti  vim,  desenhámos  o  forte 
e  cães  doeste  nome,  e  pouco  depois  o  denominado  forte  do 
Meio  em  Colual.  A  freguezia  de  Tivim  contava  em  1881, 
3:827  habitantes,  sendo  5:(544  christaos  e  i83  não  christãos. 
Ao  occidente  do  forte  está  a  igreja  parochial,  que  foi  con- 
struída pelos  frades  de  S.  Francisco  em  1627. 

O  forte  de  S.  Thomé  de  Tivim  foi  construído  em  1681, 
e  o  do  Meio  em  i635.  A  respeito  d'estas  fortificações  apre- 
sentou o  engenheiro  Manuel  Pires  da  Silva  o  seguinte  pa- 
recer em  I  de  dezembro  de  1686:  «A  fortificação  de  Tivim 
é  um  simples  muro  comprido,  feito  em  parte  da  fronteira 
de  Bardez  com  umas  três  pequenas  atalaias,  a  que  cha- 
mam fortes.  Tem  um  fosso,  feito  para  dividir  as  Velhas  das 
Novas  Conquistas  por  aquelle  lado,  o  qual  não  está  acaba- 
do, mas  projectada  a  sua  conclusão,  para  com  ella  se  com- 
municarem  os  rios  de  Chaporá  com  o  de  Bardez». 

Estas  duas  fortificações  foram  construídas  á  custa  da  ca- 
mará geral  ou  agraria  de  Bardez.  Todas  ellas,  como  as 
de  S.  Braz,  de  Naroá,  Ambarim,  Quitéria,  Corjuem,  as 
praças  de  Rachol  e  a  fortaleza  de  Batagrama  ou  Bicholim, 
tiveram  baixa  em  2  de  janeiro  de  18 10,  á  qual  se  deu  exe- 
cução nos  dias  17  de  abril  e  24  de  maio  de  1834. 

No  forte  denominado  de  S.  Sebastião  ou  do  Meio  lê-se 
sobre  a  porta  principal  a  seguinte  inscripção: 

REINANDO  O  CATHOLICO  REI  DO  FILIPPE  X3X 
GOVERNANDO  ESTE  ESTADO  O  VIGILÁTISSIMO  DÓ 
MIGUEL  DE  NORONHA  CONDE  DE  LINHARES  SE 
FEZ  ESTA  OBRA  l635. 

Próximo  d"este  forte  está  a  igreja  de  Colual,  que  foi  fun- 
dada pelos  franciscanos   em  1591,  reconstruída  em  1C78, 


224 


A  índia 


concertada  depois  do  incêndio  que  soíFreu  na  invasão  geral 
do  Sambag}^  em  i683,  e  finalmente  reedificada  em  171 3. 

De  Colual  passámos  para  a  ilha  de  Arabó. 

N'esta  pequena  ilha  fomos  hospedar-nos  em  casa  do  des- 
say,  o  sr.  Rogunatag}-  Zossovonta  Ráu;  vendo-nos  forçado 
a  mandar  cozinhar  fora  d'ella,  e  a  comer  as  nossas  viandas 
no  alpendre,  por  não  consentir  a  sua  religião  convivência  e 
contacto  com  os  frangiiiiis  ou  europeus,  e  com  os  chris- 
tãos  nativos  em  economia  domestica. 

Ilha  de  Arabó. — A  ilha  de  Arabó,  situada  ao  S.  da  pro- 
víncia de  Pernem,  na  margem  direita  do  rio  de  Chaporá, 
em  i863  tinha  100  fogos  e  600  habitantes,  todos  gentios. 
O  forte  d"esta  ilha,  que  fora  conquistado  por  D.  Frederico 
Guilherme  de  Sousa  em  1781,  tendo-o  já  sido  em  1746  pelo 
valoroso  marquez  de  Alorna,  não  existe  hoje.  A  sua  guar- 
nição até  1842  compunha-se  de  34  praças,  e  havia  ali  mon- 
tadas 7  peças  de  artilheria.  Posteriormente  foi  mandado 
abandonar  e  demolir  pelos  alicerces,  não  restando  d'elle 
actualmente  mais  do  que  o  terreno,  em  que  assentava.  O 
que  ainda  encontrámos  foi  a  Darra:{ó,  ou  casa  forte  gentí- 
lica, que  representa  a  vinheta  com  este  nome,  mandada  con- 
struir pelos  antepassados  dos  dessays  d'esta  ilha. 

Pernem. —  A  província  de  Pernem,  outr"ora  dominada 
pelo  Bounsuló,  foi  submettida  ás  armas  portuguezas  em 
1788,  quarenta  e  dois  annos  depois  de  terem  sido  toma- 
das as  praças  de  Alorna  eTiracol  pelo  marquez  de  Castello 
Novo  e  depois  de  Alorna,  sendo  encorporadas  nos  bens  da 
coroa  todas  as  rendas,  foros,  tributos  e  mais  pensões,  que 
a  província  pagava  ao  seu  dominante.  Foram  então  arren- 
dados todos  os  proventos  variáveis,  subsistindo,  porém,  sem 
alteração  alguma,  os  foros  permanentes  e  fixos  das  aldeias, 
com  abatimento  do  soldo  da  gente  da  ordenança  ou  sonodo, 
a  quem  o  governo  do  Estado  mandou  pagar  do  mesmo 
modo  que  o  Bounsuló  lhe  pagava.  Em  17Q4  rebellou-se  a 
província,  que  novamente  veiu  a  ser  subjugada  em  1800, 
assignando  por  essa  occasião  os  gãocares  das  aldeias  uns 


PORTUGUEZA 


225 


termos,  em  que  se  promptificavam  a  pagar  o  mesmo  que 
antes  da  revolta.  Este  comrato  ainda  hoje  se  cumpre. 

A  província  de^  Pernem  é  a  mais  septentrional  do  Esta- 
do da  índia.  Confina  ao  N.  com  o  rio  Arondem;  ao  S. 
com  o  rio  de  Chaporá*,  por  E.  com  a  provincia  de  Manary, 
do  território  britannico,  e  por  O.^com  o  oceano  indico. 

Tem  de  comprimento  de 
E.  a  O.  20  kilometros,  e  de 
largura  média  N.  a  S.  lo 
kilometros,  perfazendo  uma 
superfície,  approximadamen- 
te,  de  242  kilometros  qua- 
drados. 

A  sua  população,  deduzi- 
da da  estatística  official  de 
i8<Si,  é  de  32:112  habitan- 
tes, sendo  5:837  christãos  e 
32:012  não  christãos.  Conta 
5:539  fogos,  3  freguezias  e 
28  aldeias,  entrando  n'este 
numero  a  ilha  de  Arabó,  re- 
sidência do  dessa}'  deste  ti- 
tulo. 

Dessãfãdos.—  Existem  na 
provincia  de  Pernem  os  se- 
guintes dessayados:  Cansor- 
vone,  Morgi,  0~o?'i  e  o  da  ilha  P\-~- 
de  Arabó,  havendo  ha  pouco 
tempo  revertido  á  coroa  por- 
tugueza,  por  falta  de  successão,  metade  do  dessayado  desta 
ilha. 

Os  dessajados  e  sar-dessayados  são  instituições  puramen- 
te feudaes  ou  concessões,  que  o  dominante  fazia,  de  certas 
terras,  rendas,  cargos  e  direitos,  com  a  condição  de  seus 
possuidores  lhe  guardarem  fidelidade  e  prestarem  serviços 
militares. 

i5 


VENDEDEIRA  DE  LOUCA  DE   PILERNE 


► 


220  A  índia 

Os  portuguezcs,  segundo  o  direito  consuetudinário  segui- 
do entre  os  mouros,  conservaram  aos  dessays  as  suas  res- 
pectivas mercês  com  as  mesmas  condições  que  lhes  haviam 
sido  mantidas  pelos  dominantes  musulmanos'. 

O  solo  da  província' de  Pernem,  pela  maior  parte  pro- 
veniente da  rocha  metamorphica,  é  povoado  de  excellen- 
tes  palmares  (sendo  os  de  Morgim  os  melhores  que  vimos 
na  nossa  índia),  de  magníficos  ciillagòrcs,  ticaiis  ou  are- 
caes^  e  produz  arvores  fructiferas,  taes  como  ponósso  ou 
jaqueira,  chincha  ou  tamarindeiro,  ca-  ou  cajueiro,  e  ou- 
tras arvores  fructiferas  e  silvestres,  que  lhe  imprimem  um 
aspecto  verdadeiramente  pittoresco.  Alem  disso  abunda  em 
várzeas  de  vangana  e  serôdio,  e  em  salinas,  que  o  tornam 
productivo  e  valioso. 

As  florestas,  situadas  a  E.  da  província,  também  aqui  se 
ostentam  em  soffrivel  escala. 

A  zona  florestal  definida  e  demarcada  pela  commissão 
das  matas,  da  qual  tivemos  a  honra  de  fazer  parte  na  qua- 
lidade de  secretario  e  agrimensor,  abrange  a  superfície  to- 
tal de  882'^^'^S2742  e  comprehende  as  aldeias  deTamboxem, 
Mópa,  Chandel,  Ibrampur,  Contual,  Assapur  e  Anconem. 
A  flora  dominante,  que  a  povoa,  é  a  marêta  {tenninalia 
glaba)  e  o  quinzol  [penlaptcra  paniculata) .  O  estado  d'estas 
matas  é  lamentável,  pelo  abandono  em  que  estão  desde  a 
sua  origem.  Ainda  assim  o  seu  valor  real  é  de  2o5:668  ru- 
pias ou  82:267.^^200  réis  fortes,  representado  por  822:674 


I  A  propriedade  de  dessayados  do  Estado  da  índia,  não  podendo 
continuar  a  ser  regulada  pela  sua  antiga  organisação,  visto  que  os  pri- 
vilégios que  lhe  eram  inherentes  não  se  podiam  justificar  na  actuali- 
dade, nem  subsistiam  já  os  únicos  fins  a  que  miravam  taes  mercês,  pois 
ha  muito  que  todos  ou  a  maior  parte  dos  dessays  haviam  deixado  de 
satisfazer  certas  obrigações  que  ellas  lhes  impunham,  foi  por  decreto 
de  i5  de  dezembro  de  1880  reformado  no  seu  modo  de  ser,  de  maneira 
que  o  interesse  geral  do  Estado  se  conciliasse  com  os  legítimos  direitos 
dos  que  a  usufruíam.  Assim  o  exigia  a  equidade,  a  justiça  e  o  respeito 
de  antigos  compromissos. 


PORTUGUEZA  227 


arvores,  computadas  a  3  tangas  cada  uma,  seja  qual  for  a 
sua  qualidade,  grandeza  e  idade,  considerando  que  cada 
arvore  occupa  uma  superfície  de  lo  metros  quadrados,  tendo 
em  attenção  as  raleiras  das  Horestas. 

Cassabé.—T)e  Arabó  passámos  á  Cassabé,  ou  capital  da 
província  de  Pernem,  onde  no  tempo  do  Bounsuló  existia 
uma  fortaleza  irregular  com  atalaiões  e  cortinas  setteiradas 
de  ameias,  a  qual  D.  Frederico  Guilherme  de  Sousa  con- 
quistou no  anno  de  1783.  D"esta  construcção  gentílica  existe 
apenas  o  pagode  —que  mostra  o  nosso  desenho—  e  é  con- 
sagrado ao  deus  Bogountí. 

As. ruínas  d'aquella  fortaleza  foram  demolidas  em  1860, 
por  ordem  do  ex.™  governador  geral,  conde  de  Torres  No- 
vas. No  seu  recinto,  aproveitada  parte  da  pedra,  foram  edi- 
ficadas a  casa  da  administração  fiscal,  o  quartel  do  desta- 
camento, a  casa  da  camará  geral,  que  estacionam  no  pe- 
queno outeiro  á  direita  do  pagode,  e  andava-se  construindo 
a  igreja,  quando  ali  estivemos  em  outubro  de  1862,  seis  dias 
depois  de  desembarcarmos  em  Pangim.  No  local  da  igreja, 
que  se  estava  edificando,  fora  construída  em  1780  uma  ou- 
tra, a  instancias  do  padre  Patricio  Fernandes,  missionário  de 
Varím.  A  Cassabé  conta  5 19  fogos  e  3:268  habitantes,  sen- 
do 263  christáos  e  3:oo5  não  christãos.  Tem  uma  t3'pogra- 
phia,  onde  se  imprime  o  jornal  politico,  intitulado  O  Pro- 
gresso. 

Tiracol. — Situada  na  margem  direita  do  Arondem,  á 
beira  do  mar,  na  província  de  Ussopá,  dos  antigos  domí- 
nios do  Bounsuló  e  presentemente  dos  ínglezes,  está  a  for- 
taleza de  Tiracol,  mandada  construir  pelo  Bounsuló. 

Esta  fortaleza  foi  conquistada,  em  23  de  novembro  de 
174(3,  pelo  intrépido  více-rei  D.  Pedro  Miguel  de  Almeida 
e  Portugal,  marquez  de  Castello  Novo,  e  nunca  mais  a 
perdemos,  apesar  de  ter  o  inimigo  tentado  rehavel-a  por 
varias  vezes,  sendo  a  ultima  em  181 7.  Em  i835,  por  occa- 
sião  das  commoçôes  politicas  de  que  foi  theatro  o  Estado 
da  índia,  a  fortaleza  de  Tiracol,  onde  se  haviam  reunido 


228  A  índia 

alguns  partidários  do  prefeito,  Bernardo  Peres  da  Silva,  foi 
tomada  á  viva  força  pelo  governador  militar  Fortunato  de 
Mello. 

Alem  do  recinto  magistral  sobranceiro  á  foz  do  Arondcm, 
compÕe-se  a  fortaleza  de  duas  couraças,  que  descem  da  ro- 
cha para  a  praia  e  margem  do  rio,  unidas  por  uma  muralha, 
que  abrange  a  aldeia  ali  existente  n'uma  milha  quadrada  de 
superfície.  A  sua  posição  favorece  o  commercio  pela  foz  do 
rio,  que  ella  senhoreia  e  serve  para  interceptar  a  navegação 
interior  e  proteger  a  alfandega,  que  a  íiscalisa.  Como  posi- 
ção militar,  perdeu  a  sua  importância,  desde  que  os  nossos 
vizinhos  inglezes  se  apossaram  dos  dominios  do  Bounsuló, 
em  virtude  do  tratado  celebrado  com  o  Rajá  Quema  Santo 
Bounsuló,  em  17  de  fevereiro  de  18 19,  tratado  em  que  o 
Bounsuló  reconheceu  a  auctoridade  suprema  do  governo 
britannico. 

Em  1839  os  inglezes,  que  então  pretendiam  (como  ainda 
hoje  pretendem)  augmentar  os  seus  dominios  indianos  com 
o  pouco  que  actualmente  possuímos  na  Ásia,  vieram  amea- 
çar-nos  a  pretexto  de  que  a  auctoridade  militar  de  Tiracol 
tinha  apoiado  os  insurgentes  que  se  haviam  levantado  con- 
tra o  Bounsuló,  protegido  da  Inglaterra.  Não  conseguindo 
então  os  seus  intentos,  voltaram  pouco  depois  com  amea- 
ças novas,  terminando  por  oíferecer  a  troco  de  todo  o  nosso 
Estado  da  índia,  a  quantia  de  5oo:ooo  libras  (um  ovo  por 
um  real!),  cujas  ameaças  e  ofiferta  o  illustre  e  patriótico  mi- 
nistro, barão  da  Ribeira  de  Sabrosa,  nobremente  repelliu. 

Nos  alcantis  sobre  que  assenta  Tiracol  existem  umas  ro- 
chas denominadas  Binddam  Qiierim,  onde  as  andorinhas 
costumam  fazer  os  ninhos,  que  são,  como  em  Angediva, 
muito  procurados,  e  formam  um  dos  principaes  ramos  de 
commercio  d'aquella  pequena  região,  que  os  exporta  para 
a  China,  onde  são  considerados  como  um  saborosíssimo  ali- 
mento. 

Quando  no  dia  i5  de  março  de  i863  visitámos  a  aldeia 
e  fortaleza  de  Tiracol,  tinha  a  aldeia  80  fogos,  pela  maior 


PORTUGUEZA 


229 


parte  pertencentes  aos  srs.  Collopos  de  Mapuçá,  e  486  ha- 
bitantes, sendo  426  christãos  e  60  gentios,  que  se  emprega- 
vam principalmente  na  distillação  da  sura.  A  fortaleza  era 
governada  por  um  alferes  da  4.^  secção,  o  sr.  Remédio 
Francisco  de  Noronha;  e  contava  16  peças  de  ferro  de  cali- 
bre 6  e  9,  montadas  em  reparos  de  madeira.  Segundo  as 
informações  que  nos  deu  o  sr.  José  Joaquim  de  Sousa,  ci- 


IGKEJA  DE  NOSSA  SENHORA  DE  PENHA  DE  FRANCA 


rurgião  da  praça,  a  sua  guarnição  compunha-se,  alem  do 
commandante,  de  1  capellão,  i  cirurgião,  2  sargentos,  16 
praças  de  caçadores  n.»  4  e  11  do  regimento  de  artilheria 
do  exercito  de  Goa. 

Tacarduma. — Na  passagem  deTiracol  para  a  praça  de 
Alorna,  no  dia  17  de  março,  pernoitámos  no  pagode  de 
Dargaly  ou  Dargalim,  aldeia  de  2:857  habitantes,  onde  en- 


2  3o  A  índia 

contrámos  os  srs.  dr.  Luiz  Adriano  de  Magalhães  e  Me- 
nezes de  Lencastre,  digníssimo  juiz  de  direito  da  comarca 
de  Bardez,  Eduardo  Salema,  Alarico  e  outros,  os  quaes,  a 
convite  dos  srs.  Collopos  de  Mapuçá,  tinham  vindo  assis- 
tir á  Tacarduma  ou  representação  dramática  gentílica. 

Representavam-se  nessa  noite  as  «Aventuras  de  Ravon», 
essa  epopêa  de  Valmiki,  em  que  o  immortal  cantor  da  con- 
quista do  Ceylão  sublima  com  pompas  de  est3Ío  as  proezas 
do  heroe  do  Ramafana.  Esta  representação  havia  sido  pro- 
movida pelos  srs.  Collopos,  principaes  ma:[anes  do  pagode'. 

Consagrado  á  deusa  Xantadrugá  ou  Kaly,  é  o  pagode 
um  dos  maiores  e  mais  sumptuosos  da  índia  portugueza,  e 
aonde  em  1817  esteve  aquartelada  uma  grande  força  do 
exercito  de  Goa,  que  foi  mandada  contra  a  praça  de  Rarim. 

Depois  de  assistirmos  á  tacarduma,  que  terminou  na 
madrugada  do  dia  18,  partimos  para  a  praça  de  Alorna, 
em  companhia  dos  nossos  coUegas  da  commissão  das  ma- 
tas, os  srs.  coronel  João  Luiz  de  Oliveira  e  Filippe  Nery 
Xavier,  de  quem  já  falíamos. 

O  sr.  coronel  João  Luiz  de  Oliveira-,  natural  de  Lisboa, 
depois  de  dezesete  annos  ininterrompidos  de  serviço  militar 
em  Portugal,  onde  completou,  com  distincçao,  o  curso  da 
academia  de  marinha  e  de  fortificação  e  fez  as  campanhas 
da  liberdade  de  i833  a  1834,  foi  em  1848  promovido  a  ma- 
jor, para  servir  em  commissão  no  Estado  da  Lídia,  onde  se 
apresentou  em  12  de  dezembro  do  mesmo  anno. 

Em  i85i  foi  nomeado  para  exercer  as  funcções  de  major 
da  praça  de  Aguada.  D'aqui  passou  ao  i.°  batalhão  de  ca- 
çadores e  d"este  para  o  de  infanteria.  Em  março  de  1854 
foi  nomeado  commandante  do  batalhão  de  artilheria  de 
Macau,  passando  em  seguida  para  o  3.°  batalhão  de  infan- 
teria da  índia. 


'  Ma^anes,  são  os  instituidores  dos  pagodes  ou  os  seus  descendentes. 
2  Actualmente  general  de  divisão  reformado. 


PORTUGUEZA  23 I 


Mais  tarde  exerceu  as  funcçõcs  de  commandante  do  cor- 
po da  guarda  municipal  de  Goa,  de  commandante  interino 
da  praça  de  Mormugáo,  de  major  da  praça  na  capital  da 
índia,  e,  finalmente,  foi  nomeado  administrador  das  matas 
nacionaes  em  maio  de  iS58.  Nesta  commissão  foi  promovi- 
do a  tenente  coronel  e  em  seguida  a  coronel  por  decreto  de 
•if)  de  setembro  de  i863.  Como  s.  ex.''  fosse  n'este  anno  no- 
meado presidente  da  commissão  das  matas,  percorremos  as 
provindas  do  norte  do  território  de  Goa  em  sua  companhia. 

O  sr.  coronel  Oliveira,  homem  honrado,  intelli gente,  acti- 
vo e  obsequiador,  alem  da  commissão  das  matas,  desem- 
penhou com  distincção  outras  muitas,  pelas  quaes  recebeu 
condecorações  e  louvores,  que  se  acham  consignados  no 
boletim  official  da  índia. 

Praça  de  Alorna. — A  praça  de  Alorna  acha-se  situada 
quasi  na  raia,  a  SE.  da  província  de  Pernem,  sobre  a  mar- 
gem direita  do  rio  de  Chaporá,  que  n^este  logar  recebe  o 
nome  da  mesma  praça.  Ponto  militar  péssimo  a  todos  os 
respeitos,  pois  que  assenta  em  uma  planície  dominada  pelas 
alturas  vizinhas,  tem  todavia  excellentes  muralhas,  e  por 
isso  foi  tenazmente  defendida  pelos  indígenas,  senhores  da 
província.  Apesar  disso  foram  d  ali  expulsos  em  5  de  maio 
de  1746  pelo  valoroso  marquez  de  Castello  Novo,  que  ali 
ganhou  o  illustre  titulo  de  Alorna  em  memoria  d'aquelle  fei- 
to. A  sua  conquista  era  indispensável,  como  o  futuro  se 
encarregou  de  demonstrar,  para  obter  a  das  províncias  de 
Batagrama  e  a  de  Satar}',  protegidas  pelas  forças  que  n"ella 
se  apoiavam. 

Por  ordem  do  governo  da  metrópole  foi  ella  entregue 
no  anno  de  1761  ao  Bounsoló,  que,  auxiliado  pelos  Ranes 
de  Satar}^  immediatamente  se  insurgiu,  rehavendo  as  "ditas 
províncias,  e  ameaçando  a  de  Bardez. 

N"este  estado  se  conservaram,  soffrendo  varia  fortuna, 
até  que  no  dia  2  5  de  agosto  de  1781  foram  as  mesmas 
reduzidas  a  obediência,  e  a  fortaleza  reconquistada  pelo  go- 
vernador D.  Frederico  Guilherme  de  Sousa. 


232  A  índia 

O  terreno  pertencente  á  praça  é  delimitado  ao  S.  pelo 
rio,  e  nos  restantes  pontos  cardeaes  por  um  largo  e  profun- 
do fosso,  Comprehendem-se  nelle  a  praça,  um  pequeno 
bairro  da  aldeia  de  Alorna,  um  terreno  plantado  de  palmei- 
ras e  outras  arvores  fructiferas,  terras  de  arroz  e  outras 
culturas.  Entra-se  para  esta  planície  por  uma  pequena  por- 
ta, que  demora  ao  N. 

O  fosso  externo,  formado  por  dois  grossos  vallados  de 
terra  argillosa,  ainda  se  acha  coberto  aqui  e  ali  de  denso 
bambual,  que  no  tempo  da  conquista  era  impenetrável,  e 
ao  abrigo  do  qual  os  marathas  offereciam  uma  forte  resis- 
tência, sem  experimentarem  damno  algum.  Em  i863,  e 
ainda  em  1871,  quando  ali  estivemos  pela  segunda  vez, 
achava-se  o  fosso  todo  povoado  de  magnificas  bananeiras, 
cu)as  folhas  são  consideradas  de  primeira  qualidade  para 
embrulhar  o  tabaco,  em  forma  de  canudos  ou  viris  — espé- 
cie de  cigarros —  de  que  geralmente  se  usa  em  Goa. 

Uma  única  porta,  aberta  no  centro  da  cortina  que  olha 
para  o  rio,  dá  entrada  na  praça,  e,  para  se  chegar  a  ella, 
passa-se  por  uma  lingua  de  terra  da  largura  de  3  metros, 
onde  termina  o  fosso,  em  frente  do  pequeno  cemitério. 

A  praça  é  um  pentágono  irregular  com  quatro  baluartes 
e  um  grande  fosso,  que  facilmente  se  pôde  inundar  com 
as  aguas  do  rio,  que  também  banham  as  muralhas  pelo 
lado  de  SO. 

As  muralhas  estão  perfeitamente  conservadas,  bem  como 
os  quartéis  e  mais  officinas.  Em  i863  tinha  a  seguinte 
guarnição;  i  major  da  4.^  secção,  commandante  e  governa- 
dor da  praça,  i  alferes,  ajudante,  i  capellão,  i  sargento  re- 
formado fazendo  serviço,  i  cabo  de  esquadra,  servindo  de 
condestavel,  e  i  cabo  e  10  soldados  do  4.°  batalhão  de  ca- 
çadores. Era  artilhada  unicamente  com  4  peças  de  ferro, 
I  em  cada  baluarte,  sendo  2  de  calibre  6,  e  2  de  calibre  9. 

Em  i836  foi  a  ultima  vez  que  o  canhão  troou  sobre  estas 
celebres  muralhas  de  recordações  gloriosas  para  o  credito 
das  armas  portuguezas. 


PORTUGUEZA 


233 


Encontram-se  no  recinto  da  praça  algumas  palmeiras, 
jaqueiras,  mangueiras  tamarindeiros  e  quatro  cafeeiros. 

A  campina  adjacente  á  praça  é  delimitada  pelo  rio  e  fos- 
so exterior^  rende  7 '/a  candis  de  arroz  serôdio,  e  alimenta 
40  palmeiras  á  sura. 

O  rendimento  total  é  avaliado  em  120  pardáos,  ou  xera- 
fins  de  5  tangas,  sendo  um  terço  para  o  ajudante  da  praça, 


CAES  E   FORTE  DE  TIVIM 


e  as  duas  partes  restantes  para  o  commandante,  com  a  obri- 
gação de  sustentar  a  passagem  publica  do  rio,  pagando  72 
pardáos  annuaes  ao  tónacar,  que  conduz  a  tona. 

A  situação  de  Alorna  é  risonha,  aprazível  e  riquíssima 
em  pittorescas  paizagens.  Tem  boa  agua,  é  sadia,  e  abunda 
em  contrastes  naturaes,  que  produzem  agradáveis  impres- 


2  34  ^  índia  ^ 

sõcs  aos  viajantes,  que  amam  as  maravilhas  da  natureza. 
A  aldeia  conta  468  fogos  e  i:832  habitantes. 

As  praticas  agrícolas  em  Pernem,  como  em  toda  a  nossa 
índia,  estão,  com  raras  excepções,  no  mesmo  estado,  em 
que  as  descrevem  os  mais  antigos  historiadores  brahmanes. 
Esta  rotina  dos  hindus,  que  não  tem  outra  legitimidade  se- 
não na  tradição  e  nos  costumes  herdados,  é  a  causa  prin- 
cipal da  escravidão  e  pobreza  em  que  elles  têem  vivido 
sempre,  e  a  mais  funesta  máxima  de  seus  primeiros  legisla- 
dores. Mais  de  três  séculos  de  contacto  como  os  europeus 
não  têem  alterado  os  seus  hábitos  e  usanças! 

Da  província  de  Pernem  passámos  para  a  de  Bicholim  no 
dia  27  de  março,  seguindo  a  estrada  de  Sincreval  c  Dod- 
domaddogo  em  direcção  a  Latamborxem. 

Ás  oito  horas  da  manhã  do  referido  dia  27  chegávamos 
ao  posto  fiscal  aduaneiro. 

Alfandega  de  Doddomaddogo. — Este  edificio,  de  que  of- 
ferecemos  o  desenho,  foi  construído  no  anno  de  1847,  sendo 
governador  geral  da  índia  o  sr.  conselheiro  José  Ferreira 
Pestana. 

De  Doddomaddogo  dirigimo-nos  á  aldeia  da  Latamborxem, 
onde  vimos  extensos  e  formosos  arecaes. 

Bicholim.  —  A  província  de  Bicholim  foi  conquistada  ao 
Bounsuló  pelas  armas  portuguezas,  depois  de  tomada  a  pra- 
ça de  Alorna  em  1746.  Mais  tarde,  porém,  foi  perdida  pela 
revolta  dos  ranes  da  provinda  de  Satary,  até  e|ue  D.  Fre- 
derico Guilherme  de  Sousa  a  reconquistou  em  1781,  junta- 
mente com  a  provinda  de  Satary  ou  Sanquelim;  ficando 
os  respectivos  dessays  de  Carapur,  Lamagão,  Maulinguem, 
Saler  e  ^'erdi  na  posse  de  seus  dessayados,  e  concedendo- 
se-lhes  a  percepção  das  rendas  publicas,  que  pertenciam  ao 
Bounsuló,  seu  primeiro  dominante. 

Tem  21G  kilometros  quadrados  de  superfície,  i  freguezia, 
3o  aldeias,  e  comprehende  5  dessayados,  2:100  fogos  com 
20:520  habitantes,  sendo  2:284  christãos  e  24:245  não  chri- 
stãos. 


PORTUGUEZA  2:>D 


São  afamados  os  arccaes  de  Bicholim  cultivados  pelos 
bottos. 

Arequeira.  —  A  maddv  ou  arequeira  — aréca  catechu  — 
é  uma  espécie  de  palmeira,  da  tribu  das  arecineas,  cultivada 
com  grande  esmero  pelos  bottos  da  índia  portugueza. 

O  espique  d"esta  princeza  da  flora  indiana  é  cinzento, 
cylindrico,  e  attinge  ordinariamente  lo  a  iG  metros  de  al- 
tura, não  excedendo,  porém,  a  circumferencia  de  20  a  25 
centímetros  de  diâmetro.  O  pouco  desenvolvimento  da  gros- 
sura do  tronco,  em  compensação  da  sua  extrema  elevação, 
expol-a-ía  a  ser  mais  vezes  derribada  pelos  ventos  íerraes,  se 
a  raiz  que  a  rixa  profundamente  ao  solo,  lhe  não  assegurasse 
um  solido  ponto  de  apoio,  e  se  as  fibras  duras  e  coreaceas 
que  a  constituem,  não  offerecessem  também  uma  grande 
resistência  aos  ventos  impetuosos. 

O  porte  d" este  vegetal  é  de  uma  elegância  encantadora. 
As  folhas  reunidas  em  numero  de  seis  a  oito,  e  guarnecidas 
do  lado  do  peciolo  commum  de  foliolos  estreitos  e  dobrados 
na  extremidade,  são  de  côr  verde-escura  e  do  comprimento 
de  2  a  3  metros.  O  sindy,  ou  ramo  superior,  constitue  o  ele- 
gante capitel  desta  vistosa  columna  natural,  cujas  virentes 
folhas,  em  forma  de  ramalhete,  coroam  magestosamente  o 
espique  da  maddy. 

O  fructo  é  uma  noz  carnosa  com  o  pericarpo  tibro-car- 
noso,  recoberto  de  uma  membrana  delgada,  que  não  apre- 
senta senão  um  septo  monosperma. 

A  arequeira  cultiva-se  pelo  interesse  de  seu  fructo,  que 
entra  na  preparação  do  masticatorio  de  areca  e  betle,  muito 
usado  pelos  hindus,  e  que  o  grande  Vasco  da  Gama  vira 
pela  primeira  vez  no  palácio  de  Camorim. 

Reproduz-se  por  sementeira  feita  em  viveiros.  Depois, 
quando  a  cavthi  ou  nova  planta  tem  tomado  um  certo  de- 
senvolvimento, transplanta-se  para  logar  abrigado,  e  que 
possa  ser  facilmente  irrigado.  Por  isso  se  escolhem  para 
formar  os  ticâns  ou  arecaes  as  proximidades  dos  rios  de 
agua  doce,  ou  das  nascentes  de  agua  potável. 


23G  A  índia 

A  cultura  da  arequeira  é  muito  laboriosa.  Requer  grandes 
cuidados  pela  necessidade  dos  repetidos  amanhos  da  terra, 
e  pelas  regas  mais  ou  menos  espaçadas  segundo  a  natureza 
do  terreno. 

Em  geral,  os  arecaes  são  propriedade  dos  bottos,  e  cul- 
tivados por  suas  mãos.  Durante  os  primeiros  cinco  a  seis 
annos  em  que  a  arequeira  não  dá  fructo,  exige  os  maiores 
cuidados. 

Os  padaquas  ou  fructos  da  arequeira  são  da  grossura  de 
um  ovo  de  gallinha.  A  casca,  verde  e  fibro-carnosa,  come- 
se  emquanto  fresca.  Dentro  d"ella  encontra-se  uma  amên- 
doa denominada  suparj',  da  grossura  de  uma  noz  moscada 
oval,  achatada  na  base,  e  na  qual  o  perisperma,  que  é  mui- 
to acre  e  styptico,  entra  por  numerosos  prolongamentos  do 
tegumento  da  semente,  e  apresenta  asperezas  consideráveis. 

Segundo  a  analyse  feita  por  mr.  Morin  de  Rouen'  a  noz 
da  areca  compÕe-se:  i.°,  de  acido  gallico;  2.°,  de  uma  gran- 
de quantidade  de  tannino:,  3.°,  de  acetato  de  ammoniaco; 
4.°,  de  um  principio  análogo  áquelle  que  se  acha  nas  legu- 
minosas; 5.°,  de  uma  matéria  vermelha  insolúvel;  6.°,  de 
matéria  gorda  e  composta  de  oleina  e  de  stearina;  7.°,  de 
óleo  volátil;  8.°,  de  gomma',  9.°,  de  oxalato  de  cal;  10. °, 
de  fibra  lenhosa;  11. °,  de  saes  mineraes;  12.°,  finalmente, 
de  oxydo  de  ferro  e  de  sílica. 

Cada  arequeira  produz,  termo  médio,  3  a  4  kilogrammas 
de  areca,  e  um  arecal  de  i  hectare  de  superfície,  sendo  bem 
tratado,  pôde  dar  2:000  a  3:ooo  kilogrammas  de  fructo. 

A  cultura  da  arequeira  é  susceptível  de  incremento  nas 
Novas  Conquistas,  onde  se  desenvolve  admiravelmente. 

Os  hindus  servem-se  da  areca  misturada  com  caunchem- 
pan  ou  betle  (piper  hetle,  de  Linneu),  e  cal  viva,  preparan- 
do-a  da  seguinte  forma:  Depois  de  cortarem  com  um  in- 
strumento apropriado  a  noz  da  areca  em  alguns  bocadinhos. 


I  Essai  analytique  sur  les  fruits  de  Taréquier.  Journal  de  phannade, 
lère  série,  1822,  tomo  VIII,  pag.  449-455. 


PORTUGUEZA 


237 


tomam  duas  folhas  de  betle,  e  sobre  ellas  estendem  uma 
pouca  de  cal,  em  que  envolvem  um  ou  dois  d'aquelles  bo- 
cadinhos, mastigando-os  em  seguida. 

Depois  de  terem  mascado  o  rolo  por  algum  tempo,  a  sa- 
liva tinge-se  de  um  vermelho  purpurino.  Expcllcm  esta  pri- 
meira saliva,  por  conter  a  maior  parte  da  cal,  e  continuam 
a  mascar,  até  que  não  exista  mais  do  que  um  sedimento 


FORTE  DE  COLUAL  OU  DO  MEIO 


sem   sabor,   que   também   rejeitam,   ficando-lhes  os  lábios 
igualmente  purpurinos. 

Conjunctamente  com  as  arequeiras  costumam  os  bottos 
cultivar  sacarnimbú  ou  laranjeira  (citrus  laurantium),.w/m- 
hu  ou  limoeiro  (citrus  limonum  ou  a.dáo)^jamboIet'ro  (euge- 
nia jambulona),  ateira  (anona  squamosa),  anoneira  (anona 
reticulata),  arvore  de  dinnão  (anona  muricataj,  goiabeira 
(psidium  pyriforme),  cidreira  (citrus  medica),  arvore  do 
pão  (artocarpus  incisa),  torangeira,  romãseira,  videira,  ba- 


238  A  índia 

naneira  (musa  paradisíaca),  ditTerentes  espécies  de  cafeeiros, 
e  outras  arvores  fructiferas. 

Alem  d"estas  arvores,  cultivam  as  seguintes  plantas  hor- 
tícolas: kiabos  oií  bendés  (kibiscus  escolentos),  gonçalinho 
(cucumis  acuctangula),  ouçandé  (phaseolus  vulgaris),  milho 
sorghojsorghum  vulgare),  bilimbeiro  (averhoa  bilimbi),  ba- 
geri  (pennicuUaria  spicata),  inhame  (dioscorea  alata),  caram- 
bola (averhoa  carambola),  ananaz,  bringella,  pimenta,  re- 
donda, e  outras  plantas  úteis. 

Bananeira. — A  bananeira  (Mnsa)  é  um  vegetal,  que  to- 
dos os  indígenas  cultivam,  pela  importância  do  seu  fructo 
e  das  suas  folhas.  O  fructo  da  bananeira  é  com  efteito  do 
maior  interesse  para  a  subsistência  do  homem.  \jm.  feno  — 
penca  ou  cacho  de  bananas —  contém  muitas  vezes  de  i6o 
a  i8o  figos  e  pesa  3o  a  40  kilogrammas. 

Não  se  conhece  planta  que,  em  igual  espaço  de  terreno, 
possa  produzir  uma  quantidade  de  substancia  alimentícia 
tão  considerável. 

Na  banana  madura  o  assucar  está  perfeitamente  formado. 
Acha-se  de  mistura  com  a  polpa,  e  em  tal  abundância  que, 
se  não  fosse  cultivada  a  canna  de  assucar  no  solo  da  índia, 
poder-se-ía  extrahir  do  fructo  da  bananeira  com  mais  van- 
tagem do  que  na  Europa,  da  uva  e  da  beterraba. 

A  banana,  colhida  verde,  contém  o  mesmo  principio 
alimentício  que  o  trigo,  o  arroz  e  o.  sagú. 

Do  talo  cortado  em  pedaços,  e  secco  ao  sol,  extrahem  os 
habitantes  das  Novas  Conquistas  uma  excellente  farinha, 
que  lhes  serve  para  os  mesmos  usos,  em  que  se  emprega  a 
do  arroz  e  outros  cereaes. 

O  figo  maduro  é  um  alimento  muito  agradável  ao  pala- 
dar, que  os  gentios  e  os  christãos  da  nossa  índia  preparam 
de  differentes  modos. 

As  bananas,  que,  no  Estado  da  índia,  constituem,  por 
assim  dizer,  um  ramo  de  commercio  pela  sua  grande  expor- 
tação para  a  índia  ingleza,  podem  conservar-se  como  as 
tâmaras  e  os  figos  da  Europa. 


PORTUGUt:ZA  2Ó() 


Galcula-se  que  uma  porção  de  terreno  de  loo  metros  qua- 
drados, plantado  de  bananeiras,  pôde  alimentar  mais  de  cin- 
coenta  indivíduos  hindus;,  ao  passo  que  na  Europa  o  mesmo 
espaço  de  terra  semeado  de  trigo  alimenta  apenas  dois  eu- 
ropeus. 

A  agua  que  por  meio  de  uma  incisão  feita  no  tronco  da 
bananeira  corre  abundantemente,  c  empregada  pelos  indí- 
genas como  adstringente  nas  hcmorrhagias. 

Uma  espécie  de  tisana  que  elles  preparam  com  as  bana- 
nas cozidas  a  secco  em  um  vaso  de  barro,  e  com  a  casca 
que  se  destaca  d'ellas,  fazendo  depois  ferver  tudo  em  pouca 
agua,  é  empregada  com  maravilhosos  resultados  contra  as 
tosses  obstinadas  e  inflammaçóes  do  pulmão. 

Finalmente,  as  fibras  extrahidas  do  talo  da  bananeira 
podem  ser  empregadas  na  fabricação  do  papel,  e  de  vários 
estofos. 

A  bananeira  occupa  um  importante  logar  nas  tradições 
religiosas  de  diíferentes  povos,  e  particularmente  dos  judeus 
e  dos  christãos.  Assim  era  ella  considerada  a  an'ore  da 
sciencia  do  biblico  Paraiso  terreal;  e  posteriormente  a  tra- 
dição fez  crer  que  foi  com  as  folhas  da  bananeira  que  o 
primeiro  homem  cobriu  a  sua  nudez.  E  sem  duvida  d"esta 
tradição  que  se  deriva  o  nome  de  Jigucira  de  Adão,  pelo 
qual  é  também  designada. 

Outros  pensam  ainda,  que  o  enorme  cacho  de  uvas  leva- 
do para  a  mesa  da  Terra  da  Promissão  era  um  cacho  de 
bananeira. 

E  principalmente  das  folhas  que  os  indígenas  se  servem 
para  fazer  squs  pot?\ii'oh's ;  e  também  as  utilisam  como  papel 
para  n  ellas  aprenderem  a  escrever  quando  mancebos  e 
para  os  seus  rirís  ou  cigarros. 

Ha  cinco  espécies  principaes  de  bananeiras;  mas  as  que 
mais  se  cultivam  em  nossa  hidia,  são:  a  Musa  paradishica 
(bananeira  do  paraizo  ou  de  fructos  longos),  e  a  Musa  sa- 
pientum  (bananeira  de  fructos  curtos  ou  figos  de  horta). 
Nas  montanhas  mais  elevadas  das  Novas  Conquistas  encon- 


240 


A  índia 


tra-se  uma  outra  espécie  de  Musa,  que  os  montanhezes 
apellidam  chounoj-  ou  bananeira  silvestre.  Esta  espécie  é  a 
Musa  sylvestris;  da  qual  os  indigenas  costumam  extrahir 
uma  excellente  farinha,  de  que  fazem  ápas  para  se  alimen- 
tarem. 

A  bananeira  reproduz-se  por  pimpolhos.  Quando  se  pre- 
tende fazer  uma  plantação  em  grande  escala  arrancam-se 
para  esse  fim  os  qombus  ou  renovos,  que  nascem  das  raizes 
das  velhas  bananeiras,  e  que  devem  ter  attingido  de  o'^,5o 
a  I  metro  de  altura. 

Com  um  golpe  de  moqui-cuãdoli,  espécie  de  enxada  pon- 
taguda,  separa-se  da  bananeira  um  pimpolho;  corta-se  a 
haste  á  altura  de  o'^,22  acima  do  bolbo,  e  depois  de  se  ter 
aberto  uma  cova  apropriada,  enterra-se  n"ella  obliquamente 
a  nova  planta,  da  qual  se  deixa  a  descoberto  uma  pequena 
porção,  o'",o6,  pouco  mais  ou  menos. 

Passado  um  anno,  e  algumas  vezes  antes  de  findar  este 
praso,  póde-se  colher  um  ramo  de  figos  maduros.  A  planta 
morre  logo  depois  de  dar  o  fructo,  mas  succedem-lhe  al- 
guns novos  rebentos,  que  provém  da  raiz,  e  assim  se  vão 
reproduzindo. 

A  cultura  da  bananeira  é  uma  das  menos  penosas  e  das 
mais  vantajosas.  A  bananeira,  uma  vez  creada,  não  care- 
ce, por  assim  dizer,  de  mais  trabalho  do  que  o  de  colher  os 
fructos. 

Um  campo,  em  Moira  de  Bardez,  que,  semeado  de  arroz, 
rendia  2:000  pardáos,  plantado  de  bananeiras  chegou  a  pro- 
duzir 8:000  pardáos  annuaes,  vendidos  os  cachos  a  4  par- 
dáos. 

As  flores  da  bananeira  infundidas  em  agua  e  postas  ao 
sereno  da  noite,  é  um  banho  salutar  para  ophtalmias. 

O  pedúnculo,  pisado  e  desfeito  em  agua  ministra-se  em 
clyster,  sendo  bom  remédio  para  curar  d3'senterias  rebel- 
des. A  fructa  é  emoliente  e  maturativa  dos  abcessos. 

Estávamos  em  Nanorá,  bairro  da  aldeia  de  Latamborxem 
de  Bicholim,  quando  se  nos  offereceu  a  occasião  de  obser- 


PORTUGUEZA 


241 


var  o  cortejo  do  casamento  de  um  rico  gentio,  que  se  diri- 
gia ao  grande  pagode  d'esta  aldeia.  O  desenho,  denomina- 
do casamento  gentílico,  representa  esta  ceremonia,  copiada 
do  natural,  onde  se  vêem  os  noivos  no  seu  palanquim,  con- 
duzido aos  hombros  de  quatro  bóias,  e  na  frente  d'este  as 
bailadeiras,  mordangueiros  e  convidados,  indo  atraz  do  con- 
ductor  da  mantapa  ou  umbrella  um  grupo  de  gentias  com 


CASA  DO   DESSAY  D  ARA13L 


o  dote  da  noiva  e  vários  utensílios  domésticos,  emblemáti- 
cos da  vida  conjugal. 


Casamento  gentílico. 


Entre  os  gentios  é  o  casamento 


um  dever  prescripto  pela  religião,  e  considerado  como  uma 

das  mais  bellas  e  das  mais  santas  acções  da  vida  do  homem. 

O  celibato,  quando  não  tem  por  desculpa  uma  absoluta 

necessidade,  é  um  estado  deshonesto  e  infame,  contrario  ás 

leis  da  natureza   e  ás  vistas   da  Providencia.    Os  gentios 

16 


242  A  índia 

pensam  que  o  individuo,  que  recebeu  a  vida,  tem  obriga- 
ção de  a  propagar. 

Em  consequência  disto  quando  qualquer  gentio  pretende 
casar-se,  acha  todos,  mas  principalmente  os  da  sua  casta, 
dispostos  a  auxilial-o  no  seu  projecto.  Assim,  nem  ao  mais 
miserável  nunca  falta  consorte. 

A  polvgamia  é  permittida  aos  gentios  ricos.  Os  pobres 
contentam-se  com  uma  só  mulher;,  e  quando  tèem  tilhos 
masculinos,  conservam  a  esposa  ordinariamente  por  toda  a 
vida. 

O  código'  pelo  qual  se  regem  actualmente  os  habitantes 
das  Novas  Conquistas,  quando  trata  do  matrimonio,  diz  no 
artigo  i.°: 

cr  Entre  gentios  e  mouros  é  permittida  a  polvgamia  simul- 
tânea dos  homens,  e  podem  elles  casar-se  em  toda  e  qual- 
quer idade,  ainda  antes  da  puberdade;  mas  as  mulheres 
gentias  não  podem  contrahir  núpcias  depois  de  púberes. 

«Art.  3.°  São  prohibidas  as  núpcias  entre  os  individues 
de  uma  mesma  tribu,  gothra,  ou  entre  pessoas  que  adoram 
o  mesmo  deus  primitivo  e  privativo  da  tribu,  deus  de  PH- 

Os  gentios  podem  casar  com  suas  sobrinhas,  filhas  de 
suas  irmãs,  mas  não  com  as  filhas  de  seus  irmãos,  assim 
como  não  é  permittido  a  dois  irmãos  desposar  duas  irmãs, 
isto  é,  um  desposar  a  cunhada  do  outro.  Todavia,  estes 
costumes  nem  sempre  são  observados  rigorosamente,  e  em 
Goa  ha  exemplo  (ainda  que  só  conhecemos  um)  de  dois  ir- 
mãos terem  casado  com  duas  gentias  irmãs. 

As  solemnidades  das  núpcias  são  todas  religiosas.  Nin- 
guém as  pôde  dispensar;  mas,  conforme  as  leis  de  Manú, 
destinam-se  unicamente  ás  virgens. 

Estas  solemnidades  são  a  sancção  necessária  do  casamen- 
to; e  o  pacto  consagrado  por  estas  preces  fica  completo,  e 


•  Vide  nota  a  png.  128. 


P0RTL"Gur:zA  243 


irrevogável  ao  sétimo  passo  dado  pela  noiva,  de  mão  liga- 
da com  a  de  seu  marido. 

Pelo  facto  do  casamento  a  esposa  fica  entregue  ao  mari- 
do sem  restricção  nem  compensação  alguma.  E  como  uma 
escrava,  sem  consciência  da  sua  individualidade  e  sem  opi- 
nião própria. 

Os  casamentos  na  índia  são  feitos  com  extraordinária 
pompa  e  grande  despendio.  Para  evitar  a  ruina  de  muitas 
fomilias,  foram,  por  alvará  do  i.°  de  fevereiro  de  1G81,  pro- 
hibidos  os  excessivos  festejos  nos  casamentos  e  baptisados; 
mas  pelo  que  observámos  entre  christãos  e  gentios,  cremos 
que  nunca  teve  execução  o  referido  alvará,  nem  outros  que 
posteriormente  se  publicaram  com  o  mesmo  fim. 

A  mulher  gentia  vive  em  uma  perpetua  dependência. 
Segundo  as  leis  de  Manii,  depende  de  seu  pae  durante  a 
infância-,  de  seu  marido  desde  que  se  sujeita  ás  leis  do  ma- 
trimonio-, e  de  seus  filhos  masculinos  logo  que  lhe  morre  o 
marido.  Se  não  tem  filhos,  depende  dos  mais  próximos  pa- 
rentes de  seu  maricio ;  e  quando  este  os  não  tem,  dos  paren- 
tes de  seu  pae,  e,  finalmente,  do  governo,  á  falta  de  parentes 
paternos. 

Os  casamentos  concluem-se  quasi  sempre  na  infância  dos 
dois  esposos,  não  podendo,  todavia,  consummar-se  senão 
passados  dezeseis  dias  depois  de  manifestada  a  puberdade 
da  mulher.  Porém  se  o  marido  morrer  antes  da  consum- 
mação  do  matrimonio,  a  joven  consorte  fica  condemnada  ao 
celibato  e  a  perpetua  virgindade. 

Em  algumas  pro\"incias  do  Industão  mais  afastadas  da 
acção  civilisadora  do  governo  inglez,  ainda  de  quando  em 
quando  ha  sattys,  ou  queima  das  viuvas  na  fogueira,  que 
consome  os  cadáveres  de  seus  maridos. 

Mas  não  são  só  os  inglezes  que  se  têem  opposto  a  este 
bárbaro  uso.  Já  nós  os  portuguezes  nos  oppozenios  a  elle 
ha  mais  de  três  séculos,  tanto  por  meio  da  auctoridade  ci- 
vil como  ecclesiastica.  Por  provisão  de  3o  de  junho  de 
i5()o,  o  viso-rei  D.  Constantino  de  Bragança,  mandou  que 


1  \  ]  A  \s\n.\ 

as  mulheres 'gentias  se  não  queimassem  vivas  por  morte  de 
seus  maridos  ou  por  outro  qualquer  caso;  e  o  terceiro  con- 
cilio provincial' de  Goa,  celebrado  em  i585,  pediu  a  sua 
magestade  que  repetisse  o  mandato,  e  ordenasse  também 
que  os  gentios  não  obrigassem  as  viuvas  a  raparem  as  ca- 
beças, mas  que  as  deixassem  em  sua  liberdade  para  se  po- 
derem casar,  se  quizessem. 

N'este  particular  só  agora,  ha  poucos  annos,  é  que  o  go- 
verno inglez  promulgou  uma  lei,  permittindo  os  casamentos 
das  viuvas,  o  que,  todavia,  acha  grande  resistência  nos  gen- 
tios puritanos. 

As  gentias  occupam-se  do  governo  da  casa,  são  boas 
mães  e  esposas  submissas  e  fieis. 

A  esterilidade  é  considerada  como  um  estado  humilhante 
e  uma  grande  infelicidade",  e  por  isso  as  mulheres  não  pou- 
pam nem  as  oblatas  aos  deuses,  nem  as  esmolas  aos  pobres, 
nem  as  offerendas  aos  bottos,  para  obterem  os  filhos,  que 
a  sua  infecundidade  lhes  nega. 

Os  gentios  acreditam  que  não  podem  entrar  no  satlóco, 
céu,  sem  que  deixem  filhos  para  lhes  fazerem  a  sadota  ou 
ceremonias  fúnebres,  que  lhes  assegurem  a  felicidade  de 
suas  almas  no  mundo  dos  espíritos. 

Os  gentios  são  obrigados  a  casar  suas  filhas  na  idade  de 
sete  a  nove  annos;  e  os  filhos,  podendo  casar  em  toda  a 
idade,  costumam  contrahir  núpcias  dos  doze  aos  quatorze. 
Como  os  maridos  são  extremamente  zelosos  da  virgindade 
de  suas  mulheres,  é  por  esta  rasão  que  as  gentias  se  casam 
antes  da  puberdade. 

Aquella  em  quem  se  declara  a  puberdade  antes  do  casa- 
mento, fica  inupta  e  é  excluída  da  casta,  o  que  é  reputado 
pelos  gentios  como  a  maior  desgraça.  As  mulheres  de  casta 
maratha  são  exceptuadas  d"esta  lei,  e  podeni  casar  depois 
de  púberes. 

« As  mulheres,  diz  Manú,  que  se  unem  a  seus  maridos 
com  o  desejo  de  ter  filhos,  que  são  inteiramente  felizes, 
dignas  de  respeito,  e  que  fazem  a  honra  de  suas  casas,  são 


PORTUGUEZA 


24D 


verdadeiramente,  sem  ditíerença  alguma,  as  deusas  da  for- 
tuna. 

«Dar  filhos  á  luz,  creal-os  e  occupar-se  constantemente 
dos  cuidados  domésticos,  taes  são  as  obrigações  das  mu- 
lheres. 

«Aquella  que  foi  fiel  a  seu  marido,  e  cujos  pensamentos, 
palavras  e  corpo  são  puros,  obtém  depois  da  sua  morte  o 
mesmo  logar  que  seu  marido,  e  é  chamada  virtuosa  pelas 
pessoas  de  bem. 


DARVAZO   DE   ARABO 


«Pelo  contrario,  se  a  mulher  tem  um  procedimento  culpá- 
vel para  com  seu  esposo,  chega  neste  mundo  ao  cumulo  da 
ignominia,  e  depois  de  morta  renascerá  no  ventre  de  um 
animal  carnivoro,  e  será  affiicta  com  enfermidades,  taes 
como  a  tisica  e  a  lepra.» 

As  ceremonias,  que  precedem  e  acompanham  a  celebra- 
ção do  casamento,  variam  segundo  as  castas  e  as  localida- 
des. Entre  as  classes  elevadas,  e  entre  as  pessoas  ricas,  os 


24<)  A  índia 

banquetes  e  as  festas  a  que  pelo  seu  uso  estão  obrigados, 
são  muito  despendiosas,  a  despeito  de  todas  as  prohibições 
da  auctoridade  e  dos  alvarás  delia  dimanados. 

As  mulheres  das  primeiras  castas  são  tão  reclusas,  como 
as  dos  mouros. 

Manú  recommenda  a  exacta  observância  das  seguintes 
disposições  da  lei: 

«Dia  e  noite,  diz  Manú,  devem  as  mulheres  ser  mantidas 
num  estado  de  dependência  por  seus  protectores;  e  ainda 
quando  ellas  tiverem  excessiva  propensão  para  os  prazeres, 
aliás  innocentes  e  legítimos,  devem  ser  submettidas  por 
aquelles,  de  quem  ellas  dependem,  á  sua  obediência. 

«Uma  mulher  está  debaixo  da  protecção  de  seu  pae  na 
infância,  de  seu  marido  na  juventude,  e  de  seus  tilhos  na 
velhice.  Xunca  se  deve  conduzir  pela  sua  phantasia. 

« Um  pae  é  reprehensivel  se  der  sua  tilha  em  casamento 
em  tempo  impróprio  (depois  de  se  declarar  a  puberdade); 
o  marido  se  não  cohabitar  com  sua  mulher  na  sazão  pró- 
pria (aos  de^eseís  dias,  como  Já  disse}}ios,  depois  de  se  decla- 
rar a  puberdade;  o  que  tem  lagar  muitas  ^'f-fs  dos  nove  aos 
de:[  amios  de  idade);  depois  da  morte  do  marido,  é  repre- 
hensivel o  filho,  que  não  protege  sua  mãe. 

«Deve  haver  todo  o  cuidado  em  desviar  as  mulheres  de 
más  propensões,  por  pequenas  que  sejam.  As  mulheres 
que  não  forem  vigiadas,  farão  a  desgraça  de  suas  famílias. 

«Por  mais  fracos  que  sejam  os  maridos,  considerando 
que  esta  máxima  é  uma  lei  suprema  para  todas  as  castas, 
devem  ter  todo  o  cuidado  em  vigiar  o  procedimento  de 
suas  mulheres. 

« O  marido  que  recata  sua  mulher,  honra  a  sua  casta,  a 
sua  familia,  a  si  mesmo,  os  seus  costumes  e  o  seu  dever. 

«O  marido,  fecundando  o  seio  de  sua  mulher,  renasce  ali 
na  forma  de  um  feto,  e  a  esposa  se  chama  Diaya  —  deusa 
do  céu —  porque  seu  marido  delia  nasce  segunda  vez. 

« Uma  mulher  dá  sempre  á  luz  um  filho  dotado  das  mes- 
mas qualidades  daquelle  que  o  gerou;  c  por  isso  que,  a  fim 


MBBP,ríp 


AREQUEIRA 


PORTUGUEZA  247 

de  assegurar  a  pureza  de  sua  família,  o  marido  deve  recatar 
com  cuidado  sua  mulher. 

«A  ninguém  é  possível  conservar  as  mulheres  por  meios 
violentos  no  cumprimento  de  suas  obrigações;  mas  perfeita- 
mente se  consegue  i§so  por  meio  dos  seguintes  expedientes: 

«O  marido  designe  por  obrigações  de  sua  mulher  a  receita 
e  despeza  de  seus  rendimentos,  a  purificação  dos  objectos 
e  do  corpo,  a  preparação  da  comida,  entretenimento  dos 
utensílios  domésticos,  e  em  geral  a  instrua  no  cumprimento 
dos  seus  deveres. 

«Encerradas  cm  casa,  debaixo  da  guarda  de  homens  fieis 
e  dedicados,  não  podem  reputar-se  em  segurança;  somente 
se  podem  considerar  seguras  quando  voluntariamente  se 
guardam  a  si  próprias. 

«O  uso  de  bebidas  espirituosas  e  de  más  companhias,  o 
separar-se  de  seu  esposo,  dormir  em  horas  impróprias  e 
habitar  em  casa  alheia,  o  divagar  de  uma  para  outra  parte, 
são  acções  deshonestas  para  as  mulheres  casadas. 

«Taes  mulheres  não  se  importam  com  a  formosura,  nem 
com  a  idade  de  seu  amante;  pouco  'lhes  importa  que  seja 
bonito  ou  feio;  é  um  homem,  estão  satisfeitas. 

« Mas,  por  causa  da  paixão  que  téem  pelos  homens,  pela 
inconstância  do  seu  génio  e  natural  falta  de  aftecto,  é  con- 
veniente guardal-as  com  vigilância,  para  que  não  sejam  in- 
fiéis a  seu  esposo. 

«Conhecido  assim  o  caracter,  que  lhes  foi  dado  pelo  Se- 
nhor das  creaturas  no  momento  da  creação,  os  maridos 
devem  ter  o  maior  cuidado  em  as  recatar. » 

O  nascimento  dos  filhos  c  também  acompanhado  de  ce- 
remonias. 

Logo  que  a  mulher  dá  á  luz,  o  chefe  da  família  manda 
offerecer  um  coco  e  um  pouco  de  assucar  ao  seu  deus,  e 
depois  a  todos  os  parentes  e  amigos,  participando-lhes  por 
esta  offerta  o  prospero  acontecimento  da  sua  família. 

O  pac  do  recemnascido  esparge  a  casa  com  bosta  de 
vacca  diluída  em  agua,  para  a  purificar,  e  todos  os  habitan- 


248  A  índia 

tes  da  casa  esfregam  a  cabeça  com  óleo  de  coco;,  tendo 
depois  Qf  cuidado  de  a  lavar  e  perfumar.  A  puerpera  toma 
douche  de  agua 'morna. 

As  ceremonias  variam  de  província  para  província,  e  de 
família  para  família.  Entre  os  gentios  da  nossa  índia  costu- 
mam celebrar-se,  no  sexto  dia  depois  do  parto,  em  honra  da 
deusa  Satty,  que  preside  ao  nascimento  e  morte  dos  indi- 
víduos, e  que,  segundo  elles  pensam,  fixa  os  destinos  dos 
recemnascidos.  Ha  comtudo  famílias  que  não  celebram  estas 
ceremonias. 

Consistem  ellas  em  se  coUocar,  próximo  á  parturiente, 
um  montão  de  arroz  — 13  litros  proximamente —  rodeado 
de  cocos  ^  algumas  folhas  de  betle,  areca  e  ura  pantim  (can- 
deia de  barro  preto)  accesa;  o  que  tudo  representa  a  deusa 
Satty.  Quando  tem  logar  a  ceremonia  da  representação, 
ha  também  tangeres  de  gliiimattas  e  outros  instrumentos, 
qual  d'elles  o  mais  dissonante,  durando  este  estridulo  con- 
certo até  ao  romper  da  alva.  Depois  de  desfeita  a  represen- 
tação, o  arroz,  os  cocos  e  outros  comestíveis  oíferecidos  á 
deusa,  ficam  pertencendo  á  parteira,  que  os  leva  para  o  seu 
gard  sem  olhar  para  traz. 

Os  tangeres  não  se  interrompem  durante  a  noite,  nem 
tão  pouco  é  permittido  ás  pessoas  de  casa  o  dormir,  em- 
quanto  a  parteira  se  não  retirar  com  os  objectos,  que  repre- 
sentam a  divindade,  em  honra  da  qual  se  praticaram  essas 
ceremonias. 

Comtudo  aflirma-se,  que  o  fervor,  com  que  taes  solemni- 
dades  eram  celebradas  outrora,  tem  diminuído  considera- 
velmente, não  tendo  ellas  hoje  rasão  de  ser  senão  para  cum- 
prir uma  formalidade  da  antiga  religião  brahminica. 

Na  casa  em  que  taes  ceremonias  houverem  de  celebrar- 
se,  todas  as  mulheres  que  tiverem  creanças,  que  ainda  não 
hajam  attingido  a  epocha  da  dentição,  retiram-se  com  ellas 
para  fora  de  casa,  onde  se  conservam  dez  dias,  receiando 
que  o  xetàn,  diabo  gentílico,  ao  ser  expellido  do  corpo  da 
puerpera,  possa  ir  introduzir-se  no  das  creanças,  cuja  boca, 


PORTUGUEZA 


249 


ainda  desprovida  de  dentes,  não  pôde  obstar  ao  ingresso 
do  espirito  das  trevas. 

No  decimo  primeiro  dia,  depois  do  parto,  a  puerpera,  e 
todas  as  pessoas  da  casa  tomam  uma  porção  de  agua  benta 
gentílica  ou  paiicha-gávia; — nome  composto  de  duas  pala- 
vras marathas  jL^az/c/zíi,  cinco,  e  gcivia,  vacca;  cinco  secreções 
e  excreções  de  vacca,  que  são:  diida 
("leite),  lounim  fmanteigaj,  tac  (soro  de 
leite),  chene  (bosta)  e  tmita  (urina). 

A  puerpera,  emquanto  não  perfizer 
dez  dias  depois  do  parto,  conserva-se 
incommunicavel  dentro  do  quarto,  ou 
tem  apenas  trato  com  outra  mulher, 
que  também  não  pôde  communicar 
com  outras  pessoas.  Esta  pratica  é 
igualmente  observada  com  as  gentias, 
quando  menstruadas. 

Onze  dias  depois  de  se  purificar  com 
a  pancha-gávia,  os  parentes  e  amigos 
da  família  reunem-se  para  denomina- 
rem a  creança,  mas  antes  de  lhe  da- 
rem o  nome,  que  é  quasi  sempre  o 
de  um  de  seus  deuses,  o  botto  ou  o 
chefe  da  família  consulta  a  Postóca, 
livro  sagrado,  tira  o  horóscopo  do  re- 
cemnascido,  e  examina  se  os  planetas 
lhe  são  favoráveis.  Se  é  o  botto  quem 
faz  a  ceremonia,  recebe  as  oíferendas, 
que  os  pães  da  creança  lhe  dão,  e  a 

solemnidade  termina  sempre  por  um  banquete  e  por  diver- 
timentos. 

Cada  epocha  obedece  ás  leis  do  seu  desenvolvimento,  na 
proporção  determinada  pela  Providencia. 

A  face  do  mundo  pôde  variar  accidentalmente,  o  fundo 
é  sempre  o  mesmo.  O  progresso  muda  de  forma,  sem  mu- 
dar de  condições  dolorosas  para  o  desenvolvimento  do  es- 


SIPAY   DO   SONODO   DE  FERNEM 


2!)0  A  INlJlA 

pirito  humano.  Aos  enganchados  e  ás  sattys  dos  gentios  in- 
dianos succedem  as  torturas  e  as  fogueiras  da  inquisição. 

E  sempre  o  'supplicio  feito  Deus,  o  carrasco  rei  do  mun- 
do. 

Para  o  leitor  fazer  idéa  de  como  eram  ainda  no  princi- 
pio d'este  século  celebrados  os  casamentos  entre  os  indíge- 
nas christãos  da  nossa  índia,  vamos  transcrever  aqui  o 
edital  da  inquisição  de  Goa,  datado  de  14  de  abril  de  i73('), 
e  que  reza  assim: 

«Os  inquisidores  apostólicos  contra  a  herética  pravidade 
e  apostasia  nesta  cidade,  e  arcebispado  de  Goa,  e  mais 
partes  do  Estado  da  hidia,  etc. 

« 1 ."  Mandamos,  que  os  naturaes  da  índia,  moradores 
na  ilha  de  Goa,  c  nas  mais.  ilhas  suas  adjacentes,  e  nas 
provindas  de  Salcete,  e  Bardez,  nas  occasiões  de  seus  ca- 
samentos, nem  antes,  nem  depois  delles,  nem  em  acção 
alguma,  que  lhes  diga  respeito,  usem  de  gaitas,  e  outros 
instrumentos  gentílicos,  como  até  ao  presente  costumavam 
fazer. 

«2.°  Que  quando  ajustarem  seus  casamentos,  e  entre- 
garem os  dotes,  e  lançarem  as  prendas,  não  convidem  aos 
parentes,  assim  homens,  como  mulheres,  de  noi^o,  e  noiva, 
a  que  costumam  chamar  Daigis  ou  Golris  (maioracs  da  fa- 
mília) para  assistirem  nas  ditas  funcções:,  e  quando  algum 
delles,  sem  ser  convidado,  se  ache  presente,  não  seja  o  que 
em  nome  do  noivo  receba  o  dote,  nem  lhe  lance,  ou  entre- 
gue a  prenda  da  noiva*,  e  farão  estas  acções  precisamente 
os  pacs,  ou  tutores  do  noivo,  ou  outra  pessoa  ecclesiastica, 
ou  secular  de  respeito,  quando  assim  o  queiram  fazer  por 
auctorisarem  o  noivo,  ou  noiva. 

«3.°  Que  quando  levarem  os  dotes  a  casa  dos  noivos, 
e  quando  passarem  as  prendas,  e  celebrarem  os  ajustes,  c 
em  todas  as  mais  funcções  pertencentes  aos  casamentos, 
assim  nos  dias  d'elles,  como  antes,  e  depois  não  mandem 
da  casa  do  noivo  para  a  casa  da  noiva,  nem  da  casa  da 
noiva  para  a  do  noivo  fullas  (flores)  de  qualquer  qualidade 


PORTUGUEZA  2 Dl 


que  sejam,  nem  betle,  e  areca,  nem  outra  qualquer  cousa, 
que  substitua  a  falta  das  ditas  cousas  prohibidas. 

«4.°  Que  nas  funcçÕes  de  seus  casamentos,  e  cm  todas 
as  que  a  elles  disserem  respeito,  não  repartam  pelas  pes- 
soas, que  assistirem  em  casa  do  noivo,  ou  da  noiva,  virós 
(rolos)  de  bede  e  areca,  nem  em  publico,  nem  em  particu- 
lar^ e  quando  queiram  usar  das  ditas  cousas,  os  ponham 
na  mesa  sem  delias  fazerem  repartição  nem  delias  tirarem 
as  pessoas  assistentes  com  ordem  alguma  de  honra,  e  pre- 
eminência, mas  sim  cada  uma  conforme  acontecer. 

«5.°  Que  nas  funcções  de  seus  casamentos,  e  em  todas 
as  que  a  elles  disserem  respeito,  não  mandem,  da  casa  do 
noivo,  ou  da  casa  da  noiva  saguatc  (presente)  algum  de 
fuUas,  betle,  areca,  fugueos,  ou  de  qualquer  das  ditas  cou- 
sas, a  casa  de  seus  DaÍL(is  ou  Goiris,  e  seus  parentes,  nem 
á  de  outra  qualquer  pessoa. 

«(3.°  Que  nas  occasiões  de  seus  casamentos,  e  em  todos 
os  actos,  que  se  dirigirem,  e  ordenarem  para  a  solemnida- 
de  delles,  assim  em  casa  do  noivo,  como  da  noiva,  não 
cantem,  nem  em  publico,  nem  em  particular,  as  cantigas, 
que  se  costumam  cantar  na  lingua  da  terra,  e  se  chan^iam 
\ulgarmente  vorios,  e  quando  queiram  fazer  algum  festejo 
em  demonstração  de  alegria,  não  seja  com  cantigas,  que 
tenham  similhança  com  os  ditos  voviós,  e  nunca  em  taes 
funcções  cantarão  pessoas  femininas  parentes,  ou  Daigis  do 
noivo,  ou  da  noiva. 

«7.°  Que  em  nenhuma  occasião,  nem  com  pretexto  al- 
gum, se  cantem  em  suas  casas  as  cantigas  chamadas  roviós, 
nem  em  publico,  nem  em  particular,  para  com  etfeito  se 
extinguir  o  uso  das  ditas  cantigas  entre  os  fieis  christãos. 

«8.°  Que  nas  occasiões  de  seus  casamentos  não  princi- 
piem, assim  em  casa  do  noivo,  como  da  noiva,  ou  em  ou- 
tro qualquer  logar,  em  dias  determinados  antes  dos  casa- 
nlentos  a  pilar,  o  arroz,  moer  as  temperas,  e  a  farinha,  fri- 
gir os  fugueos,  e  preparar  as  mais  cousas  necessárias  para 
os  banquetes  dos  casamentos,  nem  fazerem  os  taes  serviços 


252  A  índia 

em  primeiro  lugar  alguma  pessoa,  ou  pessoas  parentes,  ou 
Datgis  do  noivo  ou  noiva;  mas  sim  façam  os  ditos  serviços 
no  tempo  opportuno,  e  convenientemente  á  expedição  das 
cousas,  concorrendo  nelles  simultaneamente  as  pessoas  ne- 
cessárias, sem  preferencia  alguma,  nem  respeito  a  algum 
costume  até  agora  observado. 

«9."  Que  nas  funcções  de  seus  casamentos,  nem  em 
qualquer  acto,  que  se  dirigir,  ou  ordenar  para  elles,  espe- 
cialmente no  dia  do  ajuste,  no  oitavo  dia  antes  do  casa- 
mento, na  véspera,  e  no  dia  do  casamento,  e  no  dia  seguin- 
te, e  no  terceiro,  quinto,  e  oitavo  dias,  depois  do  casamento, 
se  não  façam  ao  noivo  e  noiva,  ou  estando  juntos,  ou  sepa- 
rados, unturas  de  açafrão  moido,  leite,  e  azeite  de  coco, 
farinha  de  arroz,  pós  de  folhas  de  abolim,  nem  de  outras 
quaesquer  cousas, 

«io.°  Que  nas  occasiões  de  seus  casamentos,  nem  em 
qualquer  acto,  que  se  dirigir,  ou  ordenar  para  elles,  espe- 
cialmente nos  dias  acima  declarados,  se  não  façam  lavató- 
rios ao  noivo  e  noiva  juntos,  ou  a  cada  um  d'elles  separada- 
mente, para  os  quaes  lavatórios  concorram  outras  pessoas, 
porque  sendo  preciso  lavarem-se,  o  farão  por  si  mesmo,  e 
somente  com  assistência  de  outra  pessoa,  para  lhes  admi- 
nistrar a  agua,  a  qual  pessoa  não  será  o  parente,  ou  Daigi 
maior  do  noivo  ou  noiva. 

«11°  Que  nas  occasiões  de  seus  casamentos  não  façam 
ramadas  ás  portas  da  casa  do  noivo  e  da  noiva. 

«12°  Que  no  dia  de  seus  casamentos,  quando  se  reco- 
lherem da  igreja  o  noivo  e  noiva  para  a  casa  da  noiva,  e 
no  dia  seguinte,  quando  forem  da  casa  da  noiva  para  a  do 
noivo,  não  sejam  nas  ditas  casas  recebidos  pelos  parentes  e 
Daigis  da  noiva  ou  noivo,  nem  se  sentem  debaixo  do  docel, 
ou  citai,  mas  sejam  logo  conduzidos  para  a  casa,  que  lhe 
for  conveniente,  nem  os  parentes,  ou  Daigis  da  noiva  ou 
noivo  lancem  fullas  sobre  os  noivos,  e  hospedes,  que  os 
acompanharem,  nem  os  borrifem  com  agua  cheirosa. 

«i3.°  Que  os  seus  casamentos  sejam  feitos  a  taes  horas, 


PORTUGUEZA 


253 


que  possam  os  noivos  chegar  á  casa,  antes  de  se  pôr  o  sol, 
e  que  com  nenhum  pretexto  se  demorem  no  caminho,  de 
sorte  que  se  recolham  depois  do  sol  posto. 

« 14.°  Que  debaixo  da  cama,  em  que  dormirem  os  noi- 


BAXANEIRA 


vos,  se  não  ponha  betle,  areca,  nem  outra  alguma  cousa 
comestível. 

«i5.°  Que  nos  dias  de  seus  casamentos,  nem  no  dia 
seguinte,  assim  em  casa  do  noivo,  como  da  noiva,  quando 
entrarem  nas  ditas  casas,  não  sejam  logo  conduzidos  ao 
logar,  em  que  houverem  de  dormir,  por  alguma  pessoa  de 
suas  gerações,  nem  pessoa  alguma  os  cubra  com  algum  pan- 


2  34 


A   índia 


no,  nem  lhes  dê  de  beber  pelo  mesmo  copo  a  ambos,  nem 
lhes  dê  a  comer  alguma  fructa,  ou  iguaria,  que  por  ambos 
reparta. 

«i6.°  Que  nos  banquetes,  que  íizereni  nas  funcçõcs  de 
seus  casamentos,  não  sirvam  á  mesa  os  parentes  do  noivo, 
ou  noiva,  que  se  chamam  Daigís  ou  Gotris,  o  que  se  não 
entenderá  com  as  pessoas,  que  morarem  na  mesma  casa 
do  noivo,  ou  noiva,  nem  com  os  parentes  do  noivo,  e  noiva, 
em  primeiro  grau  de  sanguinidade  por  linha  recta  e  transver- 
sal;, e  as  pessoas  que  servirem  á  mesa,  nas  ditas  funcções, 
sendo  de  qualidade,  que  costumem  andar  calçadas,  não 
farão  o  dito  serviço  descalças. 

ai-].^  Que  no  dia  dos  seus  casamentos,  depois  de  se  re- 
colhereni  da  igreja,  em  que  se  forem  receber,  a  noiva  não 
vista  os  pannos,  e  mais  alfaias,  nem  se  orne  com  as  jóias, 
que  no  tal  dia  dos  casamentos  lhes  vierem  da  casa  do  noi- 
vo, nem  quando  seja  necessário  mudar  de  trage,  o  noivo 
administre  á  noiva  o  panno  para  ella  vestir,  e  na  mesma 
forma,  que  o  noivo  no  dito  dia  não  mude  de  trage  despindo 
o  vestido  com  que  se  receber,  e  vestindo  outro,  que  em 
casa  da  noiva  se  lhe  der,  neni  quando  se  deitarem,  o 
noivo  diante  de  outras  pessoas,  principalmente  femininas, 
dispa  a  camisa,  e  calção  branco  por  vestir  outro  calção  e 
camisa. 

«iS.°  Que  no  dia  de  seus  casamentos,  nem  depois  d'elles 
em  outro  qualquer  dia  assim  em  casa  do  noivo,  como  da 
noiva,  nenhuma  pessoa  lhe  toque  nas  testas  com  grãos  de 
arroz  cru,  nem  faça  outra  alguma  ceremonia  similhante. 

«19.°  Que  nas  occasiões  de  seus  casamentos  desde  o 
dia  da  celebração  do  ajuste  inclusive,  até  passar  um  mez 
depois  de  casarem,  não  vão  o  noivo  e  noiva,  ou  ambos  jun- 
tos, ou  algum  d'elles  separadamente,  nem  de  dia  nem  de 
noite,  a  casa  do  Daigi  maior  de  suas  gerações. 

«20.°  Que  se  no  dia  seguinte  ao  de  seus  casamentos 
forem,  como  costumam  ir  o  noivo  e  noiva  para  casa  do 
noivo,  não  tornem  dentro  de  tempo  de  um  mez  para  casa 


PORTUGUEZA  2  55 


da  noiva,  e  se  não  forem  no  dito  dia  para  casa  do  noivo, 
se  conservem  ao  menos  pelo  mesmo  tempo  de  um  mez  em 
casa  da  noiva,  e  de  nenhuma  sorte  se  façam  convites,  nem 
mandem  sagoates  para  effeito  de  os  noivos  irem  de  uma 
casa  para  outra. 

«2  1.''  Que  quando  o  noivo,  e  noiva  forem  da  casa  da 
noi\'a  para  a  do  noivo,  ou  da  do  noivo  para  a  da  noiva, 
nem  elles,  nem  alguma  das  pessoas  que  os  acompanharem, 
levem  algum  bate,  areca,  fugueos,  cocos,  arroz,  nem  outra 
qualquer  cousa  comestível. 

«22.»  Que  as  pessoas  que  levarem  alguma  roupa,  e  jóias, 
ou  outras  quaesquer  cousas,  nas  funcções  de  seus  casamen- 
tos, da  casa  do  noivo  para  a  da  noiva,  não  vão  adornadas, 
nem  enfeitadas,  nem  levem  outros  vestidos,  mais  que  os 
usuaes. 

«23.°  Que  nem  antes,  nem  depois  de  seus  casamentos 
com  respeito  a  elles,  dêem  cousa  alguma  a  pessoa,  que  ti- 
vesse servido  o  officio  de  Mulv  (primeiro  gãocar)  de  qual- 
quer aldeia,  bairro  ou  districto. 

«24.^^  Que  qualquer  pessoa  masculina,  ou  feminina,  que 
exercitasse  o  officio  de  Mulv  em  qualquer  districto,  ou  fi- 
zesse as  suas  vezes,  não  assista  a  nenhuma  funcção  dos 
casamentos,  excepto  somente  nos  de  seus  filhos  e  filhas. 

«25.°  Que  das  cousas  comestíveis,  de  que  fizeram  seus 
banquetes  nas  occasiões  de  seus  casamentos,  não  reservem 
alguma  porção  para  cozinharem  e  comerem  em  algum  dia 
determinado. 

«2().°  Que  nas  funcç<5es  de  seus  casamentos,  assim  em 
casa  do  noivo  como  da  noiva,  não  ponham  em  algum  dab', 
supo,  panella,  ou  outro  qualquer  logar,  arroz,  legumes,  co- 
cos, betle,  areca  ou  outra  qualquer  cousa  comestível,  que 
fique  reservada  em  logar  determinado  para  se  cozinhar,  e 
conier  em  dia  certo. 

«27.°  Que  quando  nas  occasiões  de  seus  casamentos  lhes 
seja  preciso  fabricar  fogões  novos  para  fazerem  os  comeres, 
não  ponham  debaixo  dos  ditos  fogões  betle  e  areca,  nem 


256  -^  índia 

outra  alguma  cousa,  que  não  for  necessária  para  a  fabrica 
dos  taes  fogões. 

«28.°  Que  quando  nascerem  seus  filhos,  e  filhas,  se  não 
recebam  ao  nascer,  nem  depois  de  nascidos  se  ponham  so- 
bre arroz  crú. 

«2q.°  Que  no  sexto  dia  depois  do  nascimento  de  seus 
filhos'  e  filhas  não  celebrem  com  banquete  publico,  nem 
particular,  nem  com  ajuntamento  de  muitas  pessoas  em  suas 
casas,  a  funcção  da  vigia,  e  quando  entendam  ser  necessá- 
rio ter  mais  cuidado  nas  creanças  pelo  perigo  que  no  tal 
dia  lhes  consideram,  não  façani  acção,  neni  ceremonia  al- 
guma, que  excedam  ao  tal  cuidado ;  e  porque  não  só  os  natu- 
raes  da  índia,  mas  muitos  moradores  da  ilha  de  Goa,  e  mais 
ilhas  suas  adjacentes,  provindas  de  Salcete  e  Bardez,  e 
ainda  os  portuguezes  observam  até  o  presente  o  costume 
de  celebrarem  o  sexto  dia  dos  nascimentos  de  seus  filhos  e 
filhas  com  banquete  e  outras  demonstrações  de  festejo,  lhes 
prohibimos  a  continuação  do  dito  costume  na  forma  sobre- 
dita. 

«3o.°  Que  nos  dias  dos  partos  de  suas  mulheres,  nem 
antes,  nem  depois  d'elles  com  respeito  aos  mesmos  partos,  se 
não  bosteie  o  logar  da  casa,  em  que  o  parto  tiver  sido  ou 
houver  de  ser. 

((3i.°  Mandámos  que  as  mulheres  dos  ditos  naturaes 
da  índia  por  tempo  de  dois  mezes  depois  de  seus  partos 
não  lavem  os  corpos  junto  de  algum  poço-,  e  quando  lhes 
se) a  conveniente  lavarem-se  em  outro  logar,  não  ponham 
n'elle  betle,  areca,  ou  outra  qualquer  cousa  comestível. 

«32.°  Que  por  tempo  de  um  anno  depois  do  nascimento 
de  seus  filhos,  e  filhas,  os  não  levem,  nem  mandem  levar  a 
casa  do  Daigy,  ou  Gotri  maior  da  sua  geração. 

«33.''  Que  "quando  as  mulheres  casadas  lhes  vier  a  pri- 
meira vez,  e  principiarem,  a  ter  a  purgação  menstrua,  não 
façam  n'esse  dia  banquete,  nem  demonstração  alguma  de 
festejos,  nem  mandem  sagoate  de  figos  e  fuUas,  nem  de 
outras  quaesqucr  cousas  com  o  pretexto  da  dita  novidade. 


PORTUGUEZA 


257 


«34.°  Que  morrendo  alguma  pessoa,  se  não  bosteie  o 
logar,  ou  casa  em  que  morrer,  como  condição  para  no  dito 
logar,  e  casa  se  poder  assistir;  e  quando  seja  necessário 
alimpar  o  dito  logar,  se  fará  por  diverso  modo,  que  não 
seja  bosteando-o. 

«35.°  Que  não  lancem  no  mar,  nem  no  rio,  a  roupa  do 
uso,  nem  a  cama  de  alguma  pessoa  defunta;  e  quando  seja 
necessário,  por  evitar  algum 
contagio,  queimarão  as  ditas 
cousas. 

«36.°  Que  em  nenhuma  oc- 
casião  convidem  pobres  para 
lhes  darem  banquetes  em  suas 
casas  pelas  almas  de  seus  de- 
funtos em  commum,  ou  de  al- 
gum d"elles  em  particular;  e 
quando  queiram  dar  esmolas 
aos  pobres  pelos  ditos  fins, 
lhas  poderão  dar  por  diverso 
modo,  mas  nunca  dando-lhes 
banquete.  _      ._ 

«37.°  Que  pelo  tempo  dos  '"^^'^'^\ 
finados,  ou  depois  da  morte 
de  alguma  pessoa,  ou  em  ou- 
tra qualquer  occasião,  não 
façam  banquetes  em  suas  ca- 
sas em  memoria  dos  seus  de- 

r  PAPTEIRA 

luntos. 

«38.0  Que  pelo  tempo  da  novidade  não  façam  banquetes 
em  suas  casas. 

«39.°  Que  em  suas  casas  se  não  faça  o  serviço  da  cozi- 
nha pela  mulher,  ou  mulheres  principaes,  estando  estas  com 
o  panno,  que  tiverem  vestido,  molhado,  ou  lavando  o  corpo 
com  o  panno  vestido,  primeiro  que  entrem  a  fazer  o  tal 
serviço,  na  forma  que  costumam  fazer  as  gentias. 

«40.°  Que  não  usem  nas  suas  comidas  de  arroz  cozido 


¥• 


oSS  A   índia 

sem  sal,  misturando-lhe  depois  o  sal  por  modo  de  achar 
(^conserva)  como  costumam  fazer  os  gentios. 

«41.°  Que  não  jejuem  nos  dias  undécimos  da  lua  nova, 
e  lua  cheia,  nem  em  outros  dias,  en"i  que  os  gentios  costu- 
mam jejuar,  por  observância  de  sua  seita,  e  quando  nos 
taes  dias  aconteça  haver  obrigação  de  jejuar  por  preceito 
da  Igreja,  jejuarão  em  observância  do  dito  preceito,  e  seja 
o  jejum  feito  segundo  o  estylo  dos  christãos,  e  não  confor- 
me costumam  jejuar  os  gentios,  não  comendo,  nem  beben- 
do, senão  de  noite,  e  usando  de  comeres  seccos,  e  fructas. 

«42.°  Que  não  guardem  os  dias  de  quartas-feiras,  nem 
os  dias  das  luas  nova,  e  cheia,  nem  os  dias  duodécimos  das 
ditas  luas,  como  dias  santos,  nem  outros  quasquer  dias, 
que  os  gentios  costumam  guardar;  e  quando  nos  taes  dias 
haja  algum  de  guarda  por  preceito  da  Igreja,  o  guardarão 
meramente  em  observância  do  dito  preceito. 

«43.°  Que  nos  dias  das  luas  nova,  e  cheia,  e  nos  dias 
duodécimos  das  ditas  luas,  não  façam  banquete,  nem  so- 
lemnidade  alguma. 

44.°  «Que  nos  dias  dos  eclipses  da  lua  não  estejam  em 
jejum,  até  que  a  lua  tique  livre  do  eclipse,  nem  façam  ban- 
quete, ou  outra  qualquer  solemnidade. 

«45.''  Que  não  usem,  nem  em  publico,  nem  em  parti- 
cular, os  homens  de  purvens,  que  costumam  usar  os  gen- 
tios, e  as  mulheres  dos  choles,  que  costumam  usar  as  gen- 
tias. 

«46.°  Mandamos  aos  ditos  naturaes  da  índia,  e  também 
a  todos  os  moradores  dos  sobreditos  districtos  ainda  portu- 
guezes,  que  não  tenham  nos  quintaes  de  suas  casas,  nem 
nos  anganans,  nem  em  seus  palmares  e  fazendas,  a  planta 
chamada  Tiilossi\  e  em  qualquer  parte  donde  a  houver,  a 
arranquem  logo. 

«47.°  Mandamos  aos  ditos  naturaes  da  índia,  e  todos  os 
moradores  dos  ditos  districtos,  ainda  portuguezes,  que  não 
tratem  a  pessoa  alguma  christã  pelo  nome  ou  cognome  de 
gentio. 


PORTUGUEZA  2^9 


«48.°  Que  nenhum  exercite  o  officio  de.  Miily,  nem  por 
►    tal  seja  havido  e  reconhecido. 

^■•■.     «49.°  Que   em   nenhuma   occasião,   nem   com  qualquer 
*^' pretexto,  dêem  cousa  alguma  a  pessoa,  que  exercitasse  o 
oííicio  de  Miilf,  ou  suas  vezes  fizesse  em  attençao  ao  dito 
officio. 

«5o.°  Que  não  tratem  com  respeito  de  honra  e  preemi- 
nência a  pessoa  alguma,  que  exercitasse  o  officio  de  Miily, 
ou  suas  vezes  fizesse,  nem  as  taes  pessoas  sejam  as  pri- 
meiras, que  façam  os  serviços  das  culturas  dos  outeiros,  e 
vargeas,  e  mais  lavouras,  nem  as  primeiras,  que  cubram  as 
suas  casas  antes  do  inverno,  as  quaes  cousas  todas  se  farão 
sem  distincção,  conforme  a  commodidade  de  cada  um. 

<(5i.°  Que  nos  três  dias  das  carnes  toUendas,  que  vulgar- 
mente se  chamam  do  entrudo,  não  brinquem  os  homens  e 
rapazes  de  alguma  aldeia  ou  bairro  todos  juntos  pelas  portas, 
e  que,  aos  que  brincarem  sem  ser  com  o  dito  ajuntamento, 
se  não  dê  cousa  alguma  comestível,  nem  bazarucos  (pe- 
quena moeda  do  tutunaga)  nem  outra  qualquer  cousa. 

«52.°  Mandamos  aos  ditos  naturaes  da  índia,  e  a  todos 
os  moradores  dos  ditos  districtos,  ainda  portuguezes,  que 
nas  procissões,  e  encamisadas,  e  outras  quaesquer  festas, 
que  se  fizerem  de  dia,  ou  de  noite  em  louvor  de  Deus,  e 
de  seus  santos,  não  vá  pessoa  alguma  christã,  vestida  em 
trage  gentílico,  nem  sejam  admittidas  pessoas  gentias  nas 
ditas  funcçÕes  a  dansarem,  ou  fazerem  qualquer  festejo, 
nem  n'ellas  se  use  de  rabanas,  gaitas,  e  mais  instrumentos 
gentílicos,  de  que  os  gentios  costumam  usar  nas  solemni- 
dades  de  seus  pagodes,  e  somente  poderão  as  pessoas  chris- 
tãs  usar  do  trage  gentílico  em  alguma  representação  verda- 
deira, como  a  dansa,  que  se  costuma  fazer  em  o  dia  da 
conversão  de  S.  Paulo,  ou  outra  similhante. 

«53.°  Mandamos  aos  ditos  naturaes  da  índia,  e  a  mais 
moradores  dos  ditos  districtos,  ainda  portuguezes,  que  nas 
procissões,  encamisadas,  e  outras  quaesquer  festas,  nenhuma 
pessoa,  por  jocorice  ou  por  representação  burlesca,  se  dis- 


26o                                                      A  índia  '5 
.( 

I 

farce  em  trage  de  Clérigo  ou  Religioso,  nem  façam  acção  ( 

alguma  de  arremedo  ás  ceremonias  e  ritos  da  Igreja.  i 

«54.°  Mandamos  que   em  os  Passos   da  quaresma,   em  i 

que  se  representam  as  acções  da  Paixão  de  N.  S.  Jesus  ; 

Christo,  assim  nas  Igrejas  de  Clérigos,  como  dos  Regulares,  ; 

não  haja  figuras  vivas  ou  mortas  que  as  que  representarem  i 

ao  mesmo  Senhor,  ou  a  imagem  de  Nossa  Senhora,  e  ai-  ^ 

guns  santos,  que  conduzirem  para  a  verdade  da  represen-  , 

tacão,  e  também  poderão  haver  algumas  figuras  de  anjos,  j 

segundo  a  concessão,  que  tiverem  do  ill."^"  sr.   arcebispo  \ 

Primaz;  porém  de  nenhuma  sorte  haverá  a  figura  de  Pila-  ; 

tos.  Judas,  Anaz,  Caifaz,  Herodes,  nem  de  Fariseus,  nem  j 

outras  mais,  que  as  acima  declaradas,  das  quaes  resultam-  ] 

não  só  escandalosas  indecencias,  mas  também  muitas  ido-  í 

latrias  materiaes.  ■ 

«55.°  Mandamos  que  nas  procissões,  que  se  fizerem  pelo 

tempo  da  quaresma  em  representação  da  Paixão  de  N.  S.  ) 

Jesus  Christo,  assim  nas  Igrejas  dos  Clérigos  como  dos  Re-  , 

guiares  não  vão  as  figuras  do  Centurião  e  Fariseus,  dos  'j 

quaes  resultam  os  mesmos  escândalos  e  perigos.  3 

«56.°  Mandamos  a  todos  os  moradores  dos  ditos  distri-  'j 

ctos  das  ilhas  de  Goa  e  mais  ilhas  suas  adjacentes,  provin-  \ 

cia  de  Salcete  e  Bardez,  de  qualquer  estado  e  condição,  , 

que  sejam,  não  concorram,  assistam,  nem  de  qualquer  sor-  .; 

te  cooperem  para  qualquer  das  acções  acima  prohibidas.»  1 

Ao  infractor  das  disposições  d"este  edito  oííerecia  o  tri-  j 

bunal  do  santo  officio  cárceres  medonhos,  a  tortura  e  a  fo-  í 

gueira,  para  o  delinquente  purificar  a  memoria  e  não  mais  i 

esquecer  os  beneficios,  que  generosamente  lhe  prodigalisava  1 

em  nome  de  Jesus  Christo!  • 

Contra  estas  e  muitas  outras  leis  de  absurda  intoleran-  ^ 

cia,  emanadas  do  Orlem- Gôr  ou  palácio  da  inquisição,  os  ] 

indígenas  das  classes  principaes  oppozeram  sempre  resisten-  j 

cia  invencível  e  triumpharam,  porque  o  seu  desenvolvimento  ] 
intellectual  e  moral  offerecia  maior  somma  de  energias  do 
que  o  dos  conquistadores  europeus. 


PORTUGUEZA 


261 


No  dia  i.°  de  abril  partimos  de  Nanorá,  aldeia  de  1:062 
habitantes,  em  direcção  ao  pagode  de  Mulgao,  um  dos  mais 
importantes  da  província,  que  se  encontra  na  estrada  que 
de  Assonorá  conduz  a  Bicholim  e  do  qual  oíYerecemos  o 
desenho. 

A  aldeia  de  Mulgao  tem  875  habitantes,  sendo  47  chris- 
tãos  e  828  não  christãos. 

Ah^il. — As  manhãs  de  abril 
são  quasi  sempre  muito  agradá- 
veis, porque  se  desenvolve  pelo 
firmamento,  especialmente  no 
principio  do  mez,  um  véu  cirro- 
so  e  pouco  denso,  que,  encobrin- 
do o  sol  ligeiramente,  evita  a 
acção  livre  dos  seus  raios  sobre 
a  terra. 

O  agradável  aspecto  das  ma- 
nhãs d'este  mez  é  desde  remotos 
tempos  proverbial.  (íAs  manhãs 
de  abril »  diziam  os  velhos  india- 
nos, «e  as  tardes  de  setembro, 
só  podem  ser  excedidas  em  bel- 
le^a  pelas  noites  de  dezem- 
bro » . 

As  tardes  são  calmosas  o  mais 
das  vezes,  e  durante  as  primei- 
ras horas  da  noite  observam-se 
alguns  relâmpagos  nos  quadran- 
tes de  SE.  e  NE. 

O  sol  já  no  hemispherio  boreal  desde  os  últimos  dias  do 
mez  de  março  predispõe  á  estação  calmosa  os  habitadores 
d"este  hemispherio  e  os  phenomenos  precursores  da  mon- 
são  de  SO.  começam  a  perturbar  as  condições  meteoroló- 
gicas que  se  experimentavam  nos  mezes  precedentes,  dando 
em  resultado  alterações  de  tempo  bom  e  mau. 

De  Mulgao  dirigimo-nos  á  cassabé  de  Bicholim,   onde 


SIPAY   DA  ADMINISTRAÇÃO 


202  A   índia 

desenhámos  o  largo  do  quartel  do  3.°  batalhão  de  infanteria 
e  o  pagode  de  Santer-deu.  Tem  a  cassabé  419  fogos  e  2:840 
habitantes,  e  é  cabeça  de  comarca  e  de  concelho  pelo  de- 
creto de  14  de  dezembro  de  1880. 

Na  tarde  do  dia  2  de  abril  (quinta  feira  maior )  visitámos 
e  desenhámos  as  ruinas  da  antiga  fortaleza  do  Bounsuló, 
onde  se  encontram  os  restos  de  uma  mesquita  de  mouros, 
que  mostra  a  vinheta  com  idêntico  nome. 

Em  seguida  fomos  a  Lamagao,  e  aqui  desenhámos  a  casa 
do  dessay  d"este  dessayado,  que  conta  355  habitantes  todos 
gentios. 

Horas  depois  desenhávamos  o  pequeno  houri — gruta  ou 
templo  monolitho —  denominado  dos  Pondáos. 

Houri  de  Lamagão. — Esta  gruta,  aberta  numa  grande 
rocha  lateritica,  e  outras  grutas,  de  que  daremos  os  dese- 
nhos, quando  nos  occuparmos  das  respectivas  províncias 
em  que  se  encontram,  foram  os  primitivos  templos  gentíli- 
cos, na  epocha  em  que  a  religião  brahminíca  se  estabeleceu 
nestas  localidades.  Mviam  antigamente  n'estas  grutas  os /o- 
gufs  ou  sannyassis,  penitentes  nús,  que  presentemente  se 
encontram  nos  pagodes.  Em  Dargal}'  vimos  ojogiiy  Sorbé- 
Sorá,  de  trinta  e  dois  annos  de  idade,  que  vindo  de  Madras- 
ta, havia  cinco  mezes,  ali  estabelecera  a  sua  residência  com 
toda  a  inflexibilidade  de  princípios  dos  primitivos  tempos  de 
Brahma, 

Jogiiy. — O  individuo  que  na  hidia  abraça  o  estado  de 
jogiiy  deixa  de  ser  homem  para  tornar-se  uma  porção  da 
divindade.  Os  objectos  terrestres  não  lhe  impressionam  os 
sentidos.  Olha  com  inditferença  o  bem  e  o  mal,  o  vicio  e  a 
virtude*,  sente  apenas  as  necessidades  da  natureza,  sem 
comtudo  se  dominar  por  qualquer  paixão*,  soffre  paciente- 
mente a  fome,  a  sêdc  e  toda  a  espécie  de  privações;  e  logo 
que  é  obrigado  a  comer,  usa  indifferentemente,  e  sem  esco- 
lha, das  primeiras  substancias  que  achar  á  mão. 

O  verdadeiro  jogity  vive  nos  raens  ou  florestas  virgens  e 
sagradas,  em  alguma  houri  ou  em  pagodes  retirados  do 


PORTUGUEZA  203 


povoado.  Ainda  que  nú  dos  pés  á  cabeça,  tendo  apenas  os 
órgãos  sexLiaes  cobertos  com  um  pequeno  panno  denominado 
langotim,  é  insensível  ao  frio  e  ao  calor,  ao  vento  e  á  chu- 
va. Tem  o  mais  soberano  desprezo  por  todos  os  homens, 
qualquer  que  seja  a  sua  jerarchia  social,  e  não  presta  atten- 
ção  alguma  ás  suas  acções  boas  ou  más.  Não  encara  pessoa 
alguma,  não  falia  a  ninguém,  não  recebe  uma  visita.  Suas 
inclinações,  suas  aífeiçÕes,  seus  pensamentos  estão  invaria- 
^elmente  fixos  na  divindade,  da  qual  se  considera,  desde  a 
vida  actual,  como  fazendo  parte  integrante.  Mve  absorto  na 
meditação  das  perfeições  divinas,  e  todos  os  objectos  terres 
três  são  para  elle  como  se  não  existissem. 

Na  pratica  da  penitencia  e  da  contemplação  se  funde 
pouco  a  pouco  a  parte  material  do  joguy;  até  que  por  fim 
não  reste  do  penitente,  por  assim  dizer,  senão  a  apparen- 
cia,  a  sombra  de  um  corpo,  um  phantasma  immaterial. 
Chegado  desta  maneira  á  meta  da  perfeição,  o  joguy  aban- 
dona este  mundo  terreno,  e  crê  ir  unir-se  inseparavelmente 
á  divindade  no  satlóco  ou  mokcha  — região  eterna —  para 
ali  gosar  perpetuamente  de  uma  felicidade  inalterável. 

yiossondy. — Na  margem  direita  da  estrada  que  da  cas- 
sabé  de  Bicholim  se  dirige  a  Sanquelim,  á  entrada  do  bairro 
de  Vitholapur,  acha-se  um  mossondy — cemitério  ou  logar 
onde  são  queimados  os  cadáveres  dos  gentios. 

Quando  passávamos  pela  estrada,  procedia-se  á  queima 
de  um  gentio;  e  como  desejássemos  tomar  nota  de  tudo 
quanto  nos  parecesse  digno  de  estudo,  presenciámos  esta 
fúnebre  ceremonia,  não  sem  grande  repugnância,  por  ser  a 
primeira  vez  que  assistíamos  á  cineração  de  um  cadáver,  e 
ainda  pelo  mau  cheiro,  que  exhalava  a  carne  queimada  do 
finado  conconon,  próximo  do  tumulo  de  Zaibá  Ranes. 

O  desenho  do  Mossond}'  de  Morgim,  mostra  melhor,  do 
que  o  poderíamos  descrever,  o  que  mezes  depois  observá- 
mos. 

Sadotas. — As  sadotas,  ou  ceremonias  fúnebres  entre  os 
gentios,  variam  segundo  as  castas. 


204 


A   INDlA 


Quando  o  gentio  está  nos  paroxismos  da  morte,  mettem- 
Ihc  na  mão  direita  o  rabo  de  uma  vacca,  que,  sendo  de  côr 
preta  e  leiteira,  tem  mais  virtude,  na  persuasão  de  que  a 
alma  do  moribundo  transmigra  para  o  ventre  da  mesma 
vacca,  que  consideram  sagrada. 

Logo  que  morre  um  gentio  rico,  os  parentes  reunem-se 
para  proceder  aos  funeraes,  Apressam-se  em  prestar-lhe  os 


ruínas  da  mesquita  dos  mouros 


últimos  deveres,  porque  as  pessoas  de  familia,  e  mesmo  os 
vizinhos  que  moram  na  rua  por  onde  deve  passar  o  pret, 
ou  cadáver,  para  o  mossondy,  não  podem  tomar  alimento 
algum  emquanto  elle  não  estiver  na  sua  ultima  jazida.  Por 
este  motivo  é  que,  em  portaria  do  governo  geral  de  18  de 
agosto  de  i838,  se  permittiu  aos  gentios  queimarem  os  ca- 
dáveres antes  de  vinte  e  quatro  horas,  conhecendo-se  que 
não  morreram  de  morte  violenta. 


PORTUGUEZA 


2()D 


Emquanto  as  pessoas  encarregadas  do  funeral  vão  con- 
struir no  mossondy,  que  demora  nas  proximidades  da  po- 
voação, a  pyra  em  que  deve  ser  queimado  o  morto,  as  mu- 
lheres da  casa  e  as  da  vizinhança,  que  são  convidadas  para 
fazer  babaré  — carpir — ,  estão  lamentando  em  altos  gritos 
o  passamento. 

O  botto,  ou  o  maioral  da  casa,  que  preside  á  ceremonia, 
depois  de  tomar  banho,  colloca  o 
defunto  no  doróbo,  que  é,  como 
mostra  o  desenho,  um  terreno 
bosteado  de  fresco,  em  frente  do 
Tiilóssy  (arbusto  sagrado  como 
ao  diante  se  verá),  que  estanceia 
no  centro,  ou  defronte  de  toda  a 
habitação  gentílica. 

Em  seguida  liga  em  torno  do 
dedo  annuUar  do  cadáver  uma 
hasteasinha  da  herva  denominada 
darbha,  que  também  reputam  sa- 
grada, e  purifica  a  casa  com  as- 
persões de  pancha-gávia.  O  pa- 
rente mais  próximo  do  finado 
pronuncia  uma  prece,  finda  a  qual 
põe  em  torno  do  cadáver  a  herva 
sagrada,  e  accende  num  vaso 
novo  de  barro  o  fogo  religioso, 
que  é  alimentado  por  bosta  de 
vacca,  secca  e  pulverisada. 

Concluída  esta  ceremonia,  recita  mysteriosamente  ao  ou- 
vido do  morto  as  palavras  da  iniciação.  O  botto  esconjura 
os  astros  para  afastar  as  suas  influencias  funestas;  evoca  a 
alma  do  finado,  e  observa  a  constellação  sob  a  influencia 
da  qual  elle  passou  d"este  viver  transitório  para  a  vida  eter- 
na; roga  de  novo  a  Yama,  deus  julgador  dos  mortos,  lhe 
seja  propicio,  lhe  perdoe  as  fíiltas,  e  se  digne  impedir  as 
más  influencias  dos  astros  que  presidiram  ao  fallecimento. 


ARMEIRO  GENTIO 


266  A  índia 

Terminadas  as  precedentes  cerenionias,  collocam  o  ca- 
dáver nYima  espécie  de  padiola  feita  de  bambu,  e,  coberto 
com  um  panno  novo  de  algodão  branco,  c  transportado 
para  o  mossondy  por  dois  ou  quatro  gentios  da  classe  do 
fallecido. 

Antes  de  collocarem  o  cadáver  sobre  a  P3'ra,  apertam- 
Ihe  o  nariz,  deitam-lhe  no  rosto  alguma  agua,  tocam-lhe  no 
estômago,  e  fazem-lhe  grande  estrépito  aos  ouvidos,  para 
se  assegurarem  de  que  não  dá  signal  algum  de  vida. 

Depois  de  deitarem  sobre  a  meda  de  lenha  aromática 
alguni  bate,  nachinim,  gengibre,  óleo  de  coco,  betle  e  outros 
productos  agrícolas  indígenas,  introduzem  uma  moeda  de 
cobre  ou  de  prata  debaixo  da  pyra,  representando  o  preço 
da  compra  do  terreno,  em  que  o  cadáver  tem  de  ser  quei- 
mado, e  n'ella  o  depositam  em  completa  nudez.  O  parente 
mais  próximo  c  o  primeiro  que  lhe  lança  fogo,  e  os  outros 
parentes,  emquanto  as  chammas  vão  consumindo  o  cadá- 
ver, estão  lamentando  em  altas  vozes  a  irreparável  perda 
do  finado. 

Quando  a  cineração  do  cadáver  está  concluída,  apanham 
as  cinzas,  e  metteni-nas  dentro  de  um  cestinho  de  bambu 
feito  ad  hoc;  e  passado  o  tempo  do  luto,  que  é  de  dez 
dias,  depois  de  se  purificarem  com  a  pancha-gávia,  lançam, 
com  outras  ceremonias,  os  restos  do  finado  ao  mar,  ou  a 
um  rio  próximo  da  localidade. 

Alguns  hindus  ricos  vão  de  muitas  léguas  de  distancia 
deitar  as  cinzas  de  seus  maiores  ao  rio  Ganges,  na  cidade 
sagrada  de  Benáres  ou  Caxv. 

As  classes  ou  castas  inferiores  da  sociedade  hindu  não 
queimam  os  seus  mortos,  nem  submettem  á  cineração  as 
mulheres  que  morrem  durante  a  gravidez,  as  puerperas, 
os  recemnascidos,  e  aquelles  cujo  óbito  se  verifica  antes 
de  receber  a  ceremonia  do  sut  ou  ■{anvem  — espécie  de 
baptismo—,  que  consiste  na  collocação  da  linha  ou  cordão 
de  três  e  mais  fios,  que  os  brahmanes  usam  a  tiracollo  da 
esquerda  para  a  direita.  Também  não  são  submettidos  á 


PORTUGUEZA  267 


cineração  os  gentios,  que  perecem  de  typho,  de  bexigas  ou 
de  cholera-morbus:  estes  são  embrulhados  em  um  grosso 
panno  de  algodão  branco,  e  enterrados. 

Succedendo  finar-se  alguma  gentia  na  occasião  do  parto, 
ou  até  ao  decimo  dia  depois  d'elle,  isto  é,  antes  de  se  ter 
purificado  com  a  pancha-gávia,  é  enterrada  com  repugnan- 
tes e  selvagens  ceremonias,  a  fim  de  que  se  não  transforme 
cm  Xetãn,  e  venha  perturbar  o  repouso  da  familia.  Estas 
ceremonias,  que  se  praticam  principalmente  entre  o  vulgo 
gentio,  consistem  em  cortarem  as  articulações  dos  membros 
superiores  e  inferiores  da  finada,  em  lhe  cravarem  no  alto 
da  cabeça  un"i  prego  de  madeira  de  cazeró  (strichnos  nitx 
romica),  e  em  lhe  taparem  todas  as  aberturas  naturaes  do 
corpo  com  batoques  da  mesma  madeira.  Feito  isto,  é  aberto 
um  buraco  na  parede  da  casa,  e  por  ali  se  tira  o  cadáver 
mutilado. 

Cortam-lhe  as  articulações,  para  que  não  possa  voltar  a 
casa-,  cravam-lhe  o  prego  no  alto  da  cabeça,  para  lhe  ani- 
quilar a  alma,  que  suppÕem  existir  ahi  endemoninhada; 
tapam-lhe  as  aberturas  naturaes  para  que  o  xetãn,  que  Jul- 
gam introduzido  no  corpo,  não  possa  sair  por  ellas;  tiram- 
na  pela  abertura  da  parede,  que  tapani  immediatamente  á 
saída  do  cadáver,  para  evitar  que  volte  ao  seio  da  fami- 
lia, acreditando  que  os  mortos  não  podem  reentrar  em  casa, 
senão  por  onde  tiverem  saído  para  o  mossondy,  e  entregam- 
se  a  outras  muitas  praticas  supersticiosas,  segundo  as  lo- 
calidades, as  castas,  e  o  grau  de  civilisação  que  possuem. 

Acontecendo  fallecer  em  casa  o  chefe  ou  qualquer  mem- 
bro da  familia,  em  dia  presidido  por  uma  constellação  de 
mau  agouro,  abandonam  todos  a  casa,  durante  um  certo 
período  de  tempo. 

Luto. — O  luto  dura  dez  dias,  como  já  dissemos,  e  con- 
siste em  os  homens  cortarem  os  bigodes  e  os  cabellos, 
excepto  o  chindim,  madeixa  de  cabello  que  todos  os  gen- 
tios deixam  crescer  no  alto  da  cabeça;  em  não  se  pinta- 
rem,  e   absterem-se   de   alimentos   assucarados,   e  do  uso 


268  A  índia 

do  betle  e  areca.  No  undécimo  dia  toda  a  familia  se  pu- 
rifica com  a  pancha-gávia,  e  faz-se  então  um  grande  ban- 
quete em  honra  do  finado,  o  qual  se  repete  todos  os  an- 
nos  pelo  anniversario  de  seu  fallecimento. 

Satty. — As  viuvas  não  são  queimadas  em  holocausto, 
como  eram  antigamente  nas  pyras  consumidoras  dos  res- 
tos mortaes  de  seus  maridos-  mas  todas  ellas  devem  re- 


HOURI  DE  LAMAGAO 


nunciar  ao  mundo.  Rapam  a  cabeça;  quebram  as  canca- 
nãs,  braceletes-,  vestem  um  panno  branco,  cobrindo  com 
elle  a  cabeça  como  as  mouras,  as  ranes  e  as  dessaynas; 
não  podem  usar  o  mais  insignificante  ornamento,  neni  co- 
mer mais  de  uma  vez  por  dia,  e  vivem  tristemente  n'uma 
perpetua  viuvez,  sob  pena  de  infâmia,  e  de  serem  lançadas 
fora  da  sua  casta,  se  infringireni  esta  lei.  Exceptuam-se  as 


PORTUGUEZA 


269 


gentias  que  ficam  viuvas  antes  de  consuinmar  o  matrimonio, 
as  quaes  não  podendo  mais  casar,  lhes  é,  todavia,  pcrmit- 
tido  o  uso  de  cabello,  pannos  de  cor  e  jóias. 

Apesar  dos  esforços  humanitários  do  governo  ingiez  ain- 
da hoje  se  observa  cm  algumas  partes  do  ludustáo  o  ne- 
fando rito  da  Satty. 

Em  1874  uma  viuva  brahmane,  em  Phcra,  lançou-se  na 


TUMULO  DE  ZAIBA  RANES 


pyra  do  marido,  e,  abraçada  ao  cadáver,  deixou-se  devo- 
rar pelas  chammas.  Três  annos  depois,  por  occasião  do 
fallecimento  de  sir  lung  Bahadur,  primeiro  ministro  do  po- 
deroso Maharadjah  do  Nepol,  houve  outra  sattv,  de  que 
nos  deu  noticia  o  Armita  Patsika.  Este  importante  jornal 
indiano  narra  a  morte  do  grande  estadista  asiático,  do  mo- 
do seguinte: 


•270 


A  ÍNDIA 


«Aos  25  de  fevereiro  de  1877,  sir  lung  Bahadur  foi  ba- 
nhar-se  no  Bagonutte;  entrou  no  rio  antes  de  nascer  o  sol, 
e,  tendo  acabado  as  suas  abluções,  sentou-se  na  margem. 
Passada  uma  hora,  quando  o  seu  séquito  foi  procural-o, 
tinha  elle  succumbido  a  uma  aneurisma. 

«As  três  principaes  rãtiys  ou  senhoras,  esposas  legitimas 
de  sir  lung,  chamadas  para  authenticarem  o  óbito,  declara- 
ram a  intenção,  que  tinham,  de  não  sobreviverem  ao  esposo. 

«O  irmão  e  o  íilho  do  íinado  tentaram  debalde  desper- 
suadidas de  tão  sinistro  projecto.  Firmes  no  seu  propósito 
mandaram  ellas  levantar  uma  grande  pyra  de  sândalo  e 
rezina,  onde  foi  collocado  o  cadáver  do  fallecido;  depois 
tomaram  banho,  recitaram  orações  e  offereceram  valiosos 
presentes  aos  brahmanes.  Junto  da  p3Ta  deram  conselhos 
ao  cunhado,  incumbindo-o  da  execução  de  diversas  medi- 
das concernentes  á  publica  administração,  e  pediram  que 
fossem  postos  em  liberdade  diíferentes  presos.  Em  seguida 
subiram  e  caminharam  para  o  centro  da  p3Ta  sem  mani- 
festarem commoção,  e  entoando  hymnos. 

«Estando  collocado  de  costas  o  cadáver  de  sir  lung,  a 
mais  idosa  das  ranys  tomou-lhe  a  cabeça  sobre  o  regaço, 
e  as  duas  outras  os  pés.  As  três  esposas  dilectas,  abraça- 
das ao  cadáver  do  marido,  foram  em  breve  cercadas  pelas 
chammas,  que  o  íilho  ateava  com  óleos  odoríferos,  depois 
de  ter,  como  parente  mais  próximo,  accendido  a  fogueira. 
Não  se  havia  passado  um  quarto  de  hora,  e  já  de  sir  lung 
e  de  suas  três  esposas  não  restava  senão  cinzas  e  ossos 
calcinados  no  mossondy.» 

Existeni  actualmente  no  Industão,  segundo  os  dados  of- 
ficiaes  de  i883,  21  milhões  de  viuvas,  que  não  existiriam 
se  o  nosso  governo  e  o  inglez  permittissem  as  sattys. 

Sendo  o  finado  de  casta  maratha,"  as  cinzas  do  seu  ca- 
dáver são  enterradas,  e  sobre  ellas  erigem-se-lhe  túmulos, 
taes  como  os  dos  ranes  de  Satary,  que  o  nosso  desenho 
representa,  e  que  se  acham  em  Vitholap.ur,  de  Carapur, 
aldeia  de  290  fogos  e  1:499  habitantes. 


t 


I 


PORTUGUEZA 


271 


Tiãòssy. — Os  gentios  da  casta  brahmane,  bem  como  os 
das  outras  castas  hindus,  menos  a  maratha  ou  quetr}',  não 
téem  mausoléus,  nem  epitaphios,  e  os  seus  parentes  ape- 
nas se  limitam  a  plantar  no  logar  da  queima  o  tulóssy  (Oc- 
cimiim  sanctiim),  planta,  á  qual  os  hindus,  pela  sua  super- 
sticiosa credulidade,  prestam  grande  veneração  e  respeito, 
por  acreditarem  que  neste  arbusto  se  metamorphoseou  Ro- 
cumin\',  mulher  de  Crishnd. 

Contam  os  hindus,  que  tendo  perecido  Rocuminy  na  au- 
sência de  seu  esposo,  os  parentes,  deixando  de  queimar  o 
cadáver,  como  era  costume  entre  elles,  a  enterraram  so- 
lemnemente. 

Crishná,  voltando  a  casa,  e  informado  do  triste  aconteci- 
mento, dirigiu-se  á  sepultura  da  sua  extremosa  esposa.  Não 
a  achando,  porém,  ali,  e  vendo  em  seu  logar  a  planta  tu- 
lóssy, declarou  que  Rocuminy  se  havia  transformado  neste 
arbusto,  e  ordenou  aos  seus  sectários,  que  o  coUocassem  em 
frente  da  porta  das  suas  habitações,  e  que  o  adorassem 
diariamente. 

Assim  como  a  maior  parte  dos  indígenas  christãos  da 
nossa  índia  téem  defronte,  ou  junto  da  porta  dos  seus  ga- 
itas uma  cruz,  e  os  mouros  um  pé  de  mangericao,  téem  os 
gentios  o  seu  tulôssy. 

Cuniprindo  religiosamente  os  preceitos  de  Crishná,  os 
hindus,  antes  de  tomarem  banho  para  jantar,  dirigem  dia- 
riamente as  saudações  prescriptas  pela  tradição  a  este  ar- 
busto, e  volitando  em  torno  d"elle,  terminam  a  sua  sanded, 
oração,  fazendo  uma  profunda  reverencia,  com  as  mãos  cru- 
zadas sobre  a  cabeça. 

Das  folhas  e  flores  do  tulôssy  fazem  collares,  que  pÕem 
ao  pescoço  dos  moribundos,  e  instigam-nos  a  invocUr  os 
riixis  ou  maharxis  (santos)  Rama,  Crishná  e  Rocuminy. 

Do  caule  formam  uma  espécie  de  rosário,  e  em  suas  re- 
zas igualmente  invocam  os  mesmos  riixis. 

Costumam  os  hindus  celebrar  annualmente,  no  mez  de 
novembro,  o  casamento  do  tulôssy-,  e  não  podem  desposar- 


272 


A  índia 


se  sem  que  previamente  se  proceda  á  ceremonia  esponsali- 
cia  desta  planta,  consistindo  em  que  o  botto  recita  algumas 
orações,  engrinalda  o  arbusto  e  colloca  uma  luz  nas  ultimas 
ramificações  do  caule. 

Depois  do  pu:{á,  ou  lavagem  dos  Ídolos,  dispõem  algumas 
folhas  e  flores  de  tulôssy  sobre  elles;  e  servem-se  também 
das  mesmas  partes  do  vegetal,  no  sacrifício  ama,  que  fazem 
nos  actos  do  casamento. 


GENTIO  MORIBUNDO  CONDUZIDO   PARA   O   DORUDO 

E  na  provincia  de  Bicholim  que  se  acha  o  pagode  de 
Mahem,  na  propriedade  agrícola  do  sr.  D.  José  de  Noro- 
nha, natural  de  Pangim,  e  descendente  da  primeira  nobreza 
do  reino,  onde  actualmente  reside. 

Ao  sudoeste  do  pagode  de  Peligão,  representado  na  vi- 
nheta com  este  titulo,  na  margem  direita  do  Mandovy,  fron- 
teira á  ilha  de  Jua,  tem  logar  no  mez  de  agosto  a  feira  e 


'ORTUGUEZA 


27J 


festividade  annual  gentilica  chamada  Tirta,  como  mostra  o 
nosso  desenho  do  natural. 

J)h'inã  Justiça.  — As  causas  da  decadência  do  nosso  pode- 
rio na  Ásia  acham-se  consubstanciadas  no  seguinte  trecho, 
do  discurso  recitado  pelo  nobre  marquez  de  Alorna  na  re- 
lação do  Pastado  da  índia,  em  19  de  novembro  de  1744: 


PAGODE  DE  PELIGAO 


«Foi  a  Ásia  um  theatro  glorioso,  sim,  mas  igualmente  in- 
fausto aos  portuguezes. 

«Nos  tempos  heróicos,  em  que  floreciam,  como  na  idade 
de  ouro,  tudo  foram  felicidades  e  victorias;,  soaram  com  o 
nosso  nome  as  nossas  armas,  e  o  limitado  numero  de  guer- 
reiros nunca  foi  obstáculo  para  as  maiores  conquistas. 

«A  rectidão  e  a  justiça,  que  administravam  aos  réos  con- 
quistados, ainda  mais  que  o  terror  e  a  grandeza  das  ac- 
ções, nos  faziam  submetter  cidades  e  reinos. 


2  74                                       ^^  índia  n 

«As   mesmas   testas  coroadas  vinham   em   competência  ' 

mendigar  a  nossa  alliança  e  sujeitar-se  ao  nosso  jugo,  para  ; 
nos  pagar  tributo  e  vassallagem. 

«Mas  tanto  que  o  vil  interesse  occupou  o  lugar  de  zelo  r 
fervoroso  da  Fé,  tanto  que  a  cegueira  da  cubica  trocou  pela 

gloria  de  servir  ao  príncipe  e  d  pátria*,  tanto  que  o  mere-  ' 
cimento  se  fez  consistir,  mais  que  no  sangue  derramado, 

na  comulacão  dos  bens  da  fortuna;  tanto  que  esse  conta-  < 

gio  foi  communicado  dos  grandes  a  pequenos,  porque  já  t 

vinha  deduzido  dos  maiores,  que  deviam  dar  vigor  ás  leis,  . 

c  serem  os  executores  delias;  logo  que  conieçaram  a  pre-  ~ 

dominar  as  injustiças  e  sem  razões  tudo  foram  perdas,  e  <! 

tudo  foram  fatalidades  e  lastimosas  desgraças.  Perderam-se  i 

as  conquistas,  porque  o  sórdido  interesse  perturbava  a  vista  | 

e  cegava  os  olhos  da  razão.  Perderam-se  as  conquistas,  por-  ^ 

que  a  vileza  da  cubica  já  não  guardava  medidas  nas  atroei-  «^ 

dades,  ou  fossem  contra  os  estranhos,  ou  contra  os  nacio-  j 

naes I  I 

«Que  injustiças  não  softreriam  as  Molucas,  dos  que  as  1 

goAernavam?   Quantas   \ezes   viram,  com    espanto,  o   seu  1 

próprio  rei  manietado  e  preso,  como  escravo,  a  uni  canhão,  l 
padecer  o  ultimo  supplicio  por  uma  mão  traidora,  pertida 

e  atrevida?  Horroroso  espectáculo!  Indigno  premio  do  aco-  ^ 

Ihimento  e  hospitalidade,  que  deu  no  seu  reino  aos  portu-  ^ 

guezes 1 I  ■ 

«Xão  viu  Ceylão,  com  horror  da  natureza,  violentar  os  1 

piedosos  braços  das  mães,  para  despedaçar  em  morteiros.  ^ 

primeiro  os  corações,  e  depois  os  próprios  filhos?'.  i 

«De  que  monstruosidades,  e  de  que  abominações  de  cu-  ' 
bica,  de  luxuria  não  foi  Malaca,  qual  outra  Babilónia,  pelo 
excesso  dos  seus  vicios,  criminoso  theatro?! 

«Menos  difficil  foi  ao  grande  Xavier  converter  muitos  mil  4 
bárbaros,   e   augmentar  com  novas  ovelhas  o  rebanho  da 

Igreja,  que  converter  os  poucos  portuguezes,  mais  endure-  ] 
eidos  que  penhascos,  mais  ferozes  que  as  mesmas  feras, 
e  infinitamente  mais  bárbaros  e  mais  cegos,  que  os  mesmos 


4 


PORTUGUEZA 


27? 


bárbaros  1  Para  os  supporcm  catholicos  necessitavam  os 
gentios  de  duas  Fés,  uma  para  crerem  na  sua  natureza  de- 
pravada, o  que  lhes  repugnava-,  e  a  outra  para  se  persua- 
direm que  os  portuguezes  professam  uma  lei,  que  desacre- 
ditam com  as  obras,  e  que  com  o  horror  das  suas  maldades 
desmentiam  aos  olhos  o  que  lhes  pregavam  aos  ouvidos. 

«Foram  nestes  últimos  tempos  menores  as  crueldades, 
porque  se  foi  estreitando  o  campo  em  que  ellas  se  exerci- 
tavam; mas  não  foram  menores  as  culpas,  porque  a  depra- 
vação eni  todos  os  tempos  e  em  todos  os  estados,  foi  sem- 
pre a  mesma. 

«Não  podiam  tão  justos  clamores  deixar  de  dar  brado  no 
Tribunal  Supremo,  e  se  pelas  culpas  antigas,  com  um  leve 
silvo  da  sua  justiça,  desde  a  visinhança  do  polo  Artico  fez 
voar  varias  nações  para  desapossar  aos  portuguezes  d'Or- 
muz,  das  Molucas,  de  Malaca,  de  Cochim,  e  doutros  inu- 
mieraveis  portos:  pelas  culpas  modernas,  que  se  accumulam 
sobre  as  outras,  não  quiz  dissimular  mais  tempo. 

«Provocou-se  o  justo  furor  da  Divina  Justiça,  e  quiz  usar 
da  omnipotência  com  aquelles  que  se  não  aproveitavam  da 
sua  paciência  e  misericórdia. Pejamos  pois  os  lastimosos  ef- 
feitos  d'este  ultimo  castigo.  Principiou  Deus  por  enfatuar 
os  entendimentos;  uns  não  criam  o  mesmo  que  estavam 
vendo,  outros  não  se  acautelavam  do  que  já  era  para  te- 
mer-se;  despresavam-se  os  avisos,  tendo-se  por  duvidosos. 
Cada  um  aconselhava  o  que  lhe  occorria,  e  não  sabia  o 
que  aconselhava;  tal  havia,  que  buscava  o  damno,  como 
remédio,  e  que  fugia  do  caminho,  para  ir  cair  no  precipí- 
cio: Confundiram-se  os  entendimentos,  e  foi  universal  a  des- 
ordem. 

«Armou  Deus  em  hm  o  braço  de  um  inimigo,  que  ao 
desembainhar  a  espada  causasse  horror  e  espanto,  seguiu- 
se  o  terror  pânico,-  desacordaram-se  todos,  e  em  todos  se 
introduziu  o  espanto  de  frenesim  e  de  vertigem.  Com  acu- 
dir a  todas  as  partes,  ao  mesmo  tempo  invadidas,  sem  for- 
ças, sem  meios,  e  sem  dinheiro,  o  que  se  deliberava  não 


27O  A  índia 

tinha  execução,  parecia  que  se  obrava  pela  inquietação,  e 
tudo  era  inacção  e  espanto.  Os  ignorantes  se  erigiam  em 
mestres;  os  togas  entendiam  que  as  disposições  militares 
eram  sujeitas  á  jurisprudência*,  as  coroas,  em  vez  de  subirem 
aos  altares  e  levantarem  as  mãos  aos  céus  para  aplacar  a 
Divina  Justiça,  supunham  poder  dar  regras,  e  serem  mais 
peritos  na  guerra  que  o  general:  a  que  importava  provi- 
dentemente  mandar  occupar  este  ou  aquelle  porto,  que  o 
inimigo  podesse  invadir,  se  o  súbdito  o  não  obedecia!  Tal 
havia  com  imaginação  tão  ferida,  que  o  rumor  das  arvores 
lhes  parecia  um  poder  immenso  de  cavallaria!  Boiava  no 
rio  um  galeão  dalto  bordo,  cada  um  cuidava  em  salvar  a 
vida,  já  que  perdia  a  fazenda,  tal  era  a  traça,  porque  a 
Providencia  ata^a  as  victimas,  que  queria  que  servissem  de 
sacrifício  á  sua  vingança. 

«Que  desmaio  é  este,  portuguezes?!  Não  sois  vós  os  mes- 
mos, que  tantas  vezes  animosos  levantastes  e  erigistes  tro- 
feos  das  vossas  façanhas  em  toda  a  Ásia  com  os  nossos 
triumphos? 

«São  hoje  porventura  os  portuguezes  de  differente  natu- 
reza que  os  passados?  Não,  por  certo.  Diga-o  o  Baçaim, 
que  ainda  nesta  calamitosa  catástrofe  quiz  competir  com 
Diu,  já  que  não  na  fortuna,  ao  menos  na  constância  e  valor. 

«Pois  que  é  isto?!  São  injustiças  antigas  e  modernas  dos 
que  administram  as  leis,  e  deviam  ser  executores  d'ellas! 
São  desordens  commettidas  pelos  poderosos,  pelos  supe- 
riores, pelos  ministros,  e  por  aquelles  que  governavam! 
São  productos  de  altivez,  suberba,  e  da  vontade  desenfrea- 
da. 

«Quantas  vezes  se  tem  visto  na  índia,  por  affecto,  e  por 
paixão  torcer  a  vara!  Quantas  vezes  para  favorecer  ao  in- 
digno se  causou  irreparável  prejuízo  ao  benemérito?  Quan- 
tas vezes  se  viu  na  índia  coUocados  nos  altares  os  mesmos 
que  deveriam  ser  pendurados  nos  patíbulos?! 

«Por  estas  successivas  e  continuadas  injustiças  vemos 
hoje  reduzidos  os  maiores  á  ultima  miséria;  os  pequenos  ao 


PORTUGUEZA 


jugo,  c  captivciro;  c  perdidas  as  terras  do  Norte,  perdeu  o 
Estado  as  forças,  a  opulência,  o  respeito  c  o  seu  antigo  es- 
plendor 11 

«Entregou  Deus,  finalmente,  nas  mãos  dos  idolatras  a  me- 
lhor e  mais  dilatada  provincia  que  tínhamos ■,  talvez  por- 
que entendeu  que  nas  mãos  dos  intieis  seria  menos  otVendi- 
da  a  sua  justiça,  que  na  dos  catholicos,  c  aquelles  a  quem 
faltava  a  luz  da  fé  irritariam  menos  a  sua  justa  vingança, 
que  aquelles  que  com  a  mesma  fé  commettiam  maiores 
horrores  1 » 

Na  segunda  parte  deste  ligeiro  esboço  sobre  a  índia  por- 
tugueza  trataremos  da  provincia  de  Satarx",  dos  Ranes  e 
Dessavs,  gãocares  e  roytes;  províncias  de  Pondã,  Embar- 
bacem,  Zambaulim,  Canácona  e  cabo  de  Rama:,  Reis  de 
Sundem;  Pagodes,  Linguas  vernáculas.  Religião,  Padroado, 
M^-thologia  concany,  Salcete,  caminho  de  ferro  de  Mormu- 
gão,  Angediva,  Damão,  Pragana  Nagar-Avely,  florestas  do 
Estado,  Diu,  conclusão,  e  notas  linaes. 


índice  alphabetico 


A 

Adão,  45. 
Aden,  1 1. 
Affonso  de  Albuquerque,  i5,  18  e 

102. 
Aguada,  202. 
Alexandria,  ó. 
Alfandega,  98. 

Altar  de  S.  Francisco  Xavier,  8j. 
Arabó  (ilha  de),  224. 
Arco  dos  vice-reis,  66. 
Arequeira,  235. 
Arondem  (rio),  27. 
Arroz,  46  e  190. 

B 

Baga  (rio),  29. 
Bailadeiras,  104. 
Bananeira,  238. 
Bardez,  216. 
Barra  de  Goa,  i5. 
Barra  de  Mormugão,  210. 
Bicholim,  234. 
Boiás,  Go, 
Bomba  V,  14. 


Cairo,  8. 

Calisbaga  (rio),  3i. 

Capella  de  Santa  Catharina,  75. 

Capella  de  S.  Francisco  Xavier, 

166. 
Carazalem,  199. 
Casamento  gentílico,  241. 
Castello  de  Benastary,  1G7, 
Cathecumenos,  io3. 
Chaporá  (rio),  28. 
Chorão  (ilha),  62. 
Clima,  32. 

Collegio  do  Populo,  82. 
Combarjua  (ilha  de),  170. 
Communidades  agrícolas,  141. 
Conde  de  Torres  Novas,  2 1 . 
Constituição  da  propriedade,  1 19. 
Convento  do  Carmo,  i63.  - 
Convento  de  Chimbel,  61. 
Convento  das  Monicas,  83. 
Convento  do  Pilar,  iSg. 
Convento  de  S.  Dorningos,  162. 
Convento  de  S.  Francisco,  74. 
Convento  de  S.  João  de  Deus,  82. 


28o 


índice  alphabetico 


Coqueiro,  172. 

Cruz  dos  Milagres,  154. 

D 

Dessayados,  225. 

Divina  justiça,  273. 

Dom  Vasco  da  Gama,  iSg. 


Escola  hindu,  106. 
Estatística,  35. 


Fabrica  da  pólvora,  62. 
Fonte  da  Vacca,  104. 
Forte  de  Santo  Estevão,  63. 
Forte  de  Tivim,  223. 

G 

Ganes,  55. 
Garupeiros,  1 18. 
Gaspar  Dias,  200 
Goa,  64  e  149. 

H 

Hospital  militar,  io3. 
Hospital  da  Misericórdia,  Gi. 
Houri  de  Lamagao,  262. 


I 


Igreja  do  Bom  Jesus,  84. 
Igreja  matriz  de  Pangim,  io5. 
Ilha  de  Tissuarv,  q5. 


Joguy,  262. 


Leis  de  Manú,  126  e  i33. 
Leis  do  processo,  127. 
Luto,  267. 

M 

Machila,  59. 

Malta,  6. 

Mandovy  (rio),  3o. 

Manga,  169. 

Mar  Roxo,  1 1. 

Medicina  hindu,  107. 

Milho,  195. 

Misericórdia  de  Goa,  71. 

Moral,  leis  penaes  e  civis,  122. 

Mormugão,  204. 

Mossondy,  2G3. 


Nangôro,  1 14. 


Ossoró,  42. 


N 


O 


Pachú,  1 1 5. 

Palácio  do  Cabo,  197. 

Palácio  do  governo,  97. 

Palácio  da  municipalidade,  100. 

Palmar,  176. 

Palmeiras,  171. 

Pancatty,  43. 

Pangim,  99  e  i36. 

Pelourinho,  154. 

Pernem,  227. 

Ponte  D.  Estephania,  222. 

Porta  de  Nossa  Senhora  da  Ser 

ra,  i58. 
Portaes  de  Britona,  222. 
Praça  de  Alorna,  23 1. 
Priorado  do  Rosário,  80. 
Prossad,  1 10. 


índice  ai.phabetico 


281 


Q 

Quartel  de  artilheria,  io3. 

R 

Reis  Magos,  200. 
Ribandar,  5g. 
Rio  do  Sal,  3i. 


Salinas,  i38. 
Sadotas,  263. 
Satty,  243,  248  e  268. 
Santa  Luzia,  168. 
Sé  de  Goa,  76. 
Siga  mó,  43. 
Sinquerim  (rio),  29. 


S.  Boaventura,  79. 

S.  Caetano  (palácio  de),  i56. 

S.  Lourenço,  204. 

S.  Paulo,  i63. 

S.  Thomé,  162. 

T 

Tacarduma,  229. 
Talapona  (rio),  3i. 
Tiracol,  227. 
Tulòssy,  271. 

Tumulo  de  S.  Francisco  Xavier, 
8q. 


Zuary  (rio),  3o. 


ERRATAS 


Pag. 

Lin. 

Onde  se  lè 

Leia-se 

27 

17 

Zoary 

Zuarv 

55 

3i 

Sah-Ganapaty 

Mãha-Ganapoty 

65 

9 

Meliquc  Oum 

Meliqne  Ussem 

97 

(■) 

Embcllezou  cm  ibS2 

lunbellezou  em  i832 

102 

5 

no  capitulo  vii, 

no  capitulo  ix, 

172 

32 

doteriitorio  cidade  de 

Goa 

do  território  de  Goa 

219 

nota 

Vide  gravura  a  pag.  79 

Vide  gravura  a  pag.  66 

è'^;,^. 


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I)S  Lopes  Mendes,   António 

49B  A  índia  protugueza 

17 
v.l